terça-feira, 1 de abril de 2008

Nunca deixara o “E se”





Ao som de Five Years – David Bowie e Arcade Fire

Sou o transcurso da areia que desliga
entre o canto e a duna
a chuva de verão chove sobre minha vida
Sobre minha vida que foge e me persegue
E terminará ao dia sem começo.
Querido instante te vejo
na cortina de bruma que se distancia
onde não pisarei esses largos umbrais movediços
e virarei o tempo de uma porta
que se abre e fecha
(Beckett)



I.


Três pétalas de flores são a medida do tempo que vi em sua boca-rosa (alma-música) diante de mim. O mar, o sol e o céu - não há medida suficientemente grande para medir aquilo que senti. Na tua rua morava um menino, lembra? Ele se chamava João, Carlos ou André? Algo assim. Não importa mesmo. Mas havia aquelas as brincadeiras ingênuas, que nos faziam, a todos, os dias mais fortes, e outros. Brancos, altos, e talvez raros espécimes tristes. Lembro-me de teus cabelos ruivos desgrenhados, e tuas linds sardas; e suspiro tonto. Suspeito, que me perdi.
Essa parábola não foi tão aérea, vã e pueril como queríamos, não é? Não nos trouxe uma alvorada ensolarada e rubra, trouxe-nos um certo lamento, prazer em excesso, algum vinho e uma precária forma de dor. Mas as brincadeiras infantis assim o são. Tão próprias e leves. Mas cegas. Cheias de ventos e imaginação. Às vezes, se tornam vulneráveis e loucas chagas. Entretanto as chagas são coisas da vida. Mesmo? Todavia, lembremos ainda que não estamos em um romance noir francês, não somos aqueles que se perderam em Rabbah, a caminho de Zanzibar. Não temos o domínio da percepção analítica, nem a ferocidade da força bruta. Somos ou podíamos ser (ou ainda poderíamos ter sido) apenas mais dois, não “aqueles dois”, apenas dois - e apesar da minha desesperação, de meu destempero louco e de sua máscara linda. Meu deserto era ou foi engolido por tua boca.
Porém. Não fomos e nem somos fortes o bastante. Nem o seremos. O amor dá um puta medo. Não somos inventados de papel e times new roman, somos carne e osso, labaredas e vento. Somos aquela ilusão pueril e absurdamente viva.
Bom. Provavelmente você não entendeu nada... e continua a não entender. Provavelmente você só queria brincar. Sorrir. E talvez você ainda se pergunte: mas que espécie de parábola negra e branca terás ou terias que decifrar em meus atos? Você não pode ou podia entender. Você só tem que viver. Viva, pois meu querido. Não tema. Você sabe o que é aquele amor que ameaça, pune e sufoca? Você entende. Você sabe o que é querer ter asas e, mas apenas encontrar pedregulhos e pequenos cacos de vidro. Eu ainda sou um menino, querido. Minhas asas se machucaram, quando da minha galáxia caí: caí longe de teus braços. Ferido, reencontro algum conforto, naquele silêncio tosco, naquele desespero mudo. Dos teus, braços e destemperos mudos, quero guardar ainda alguma lembrança do calor.
Você estancou bem o sangue de imaginação e eu concebi para nós, delirei, um amor kamikaze, daqueles que dão medo, fazem tremer, destroem o velho e criam o novo. Queimam a matéria parva das rotinas bobas e que desfazem de forma terrível e linda os trilhos e caminhos. Pois que tudo queime. Do fogo renasce a liberdade e a alegria. Estes são daqueles que redescobrem vida. Esse, então, nosso provável amor kamikaze, era, pois, vã fênix-arrependida, tola e meio que. Atarantada.
O completar-se seria, contudo, inconcluso. Para nós, querido, não haveria, nem haverá alguma celestial libertação. Por que não houve como você decifrar-me a esfinge que me tornei. Pois que de unilateral não há nada no amor. Não haveríamos de libertarmo-nos de nosso auto-engano e de nossa comiseração. O mar queria que ficássemos, mas meus olhos pretos não se encontravam mais em ti. Perdeste-me, quando temeste amar, mesmo que um pouco. Não há assim mais porto para mim. Estou completamente confuso. E em teus olhos vejo somente: dobre-se, grite e aceite.
Então eu voltei para o mesmo ponto morto, onde os ratos são tantos quanto os homens e, no entanto e, entretanto apesar de nossa nobreza, são filhos do esgoto e do sujo. Mais uma vez eu me abafei. Agora são todos esses escombros. Mesmo assim eu me ultrapasso, pois sou além de mim e do mundo.

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