I.
Subitamente eu olhei para fora. Pela janela, com o vento batendo em meu rosto. Eu vi. Olhei, e com surpresa descobri: era alegria. Daquele tipo raro, gratuíta e simples: apenas plantada ali, com olhar de puro tigre.
Medo. Pânico e susto. Pois que escutei de tua boca: “eu não te amo mais”; mas no fundo, será?, o que eu sentia era uma alívio lívido? Eu olho para fora... olho para além do que me dás, para o que um dia fomos e descubro. Que.
Que tudo pode ser diferente disso do que somos, do que fomos, sei que te perdi, sei que você me perdeu, e sei que no fundo nos descobrimos.
II.
Você entra. Olha com olhos verdes pelos cantos. São tantas as sombras e obcurecências, rutilências e vapores. Você não espera nada. Você não deseja nada além da superfície pele, e dos pêlos. Você não vê, mas encontra. Os vapores, os cantos úmidos e os velhos lamacentos e cinzas espreitam-te. Devoram-te com os olhos. Mas você olha pelos cantos e nada vê. Somente espera a sensualidade das águas, e as esperas por algo que não tem nome. É a soma do teu eco, do teu oco e do mistério que nunca encontras, mas que ainda te faz ser o que és, pois que no fundo buscas, buscas, e buscas, para, além disso, tudo que é. Em alguma transcendência mágica e espiritual. Você procurou no tempo e no espaço, em outra terra, em outra substância, Mas não encontrou nada além de você transfigurado em legião, em esquizo-púrpura transfigurado. Você era o mistério que não procurava.
Pois entre vapores e escuridão, réstias de penumbra e dores, encontrei-te; a cara, a alma, as carnes. Eu navalha, espírito mistério e partido. Eu disse: "há cristais coloridos/ nos teus olhos/ vida viva nos teus dedos."
III.
Eu, nós entrei/amos, medo da escuridão. Cheio de fogos e ira. Furor. Nada esperava, nada queria, apenas um pouco de alento, de suspiros tolos e sexo impessoal. Veleidade pura e simples. Luxúria de vozes e ecos. Infinito querer de carnes e bocas. Eu/nós eramos todos, vários, uma legião... Multidão. Cético, tolo e verbo. Não queria, nem podia crer ou ter fé, em um, dois, três homens, mas no quarto, na última vez. Eu/nós, ecos das vozes da terra e do submundo, estranhamo-nos, devastando-nos, devastando. Almas perdidas, esperanças partidas, infinitos sobrepujados.
E então. Uma, duas, três gotas, e no teu rosto, eu vi. No teu rosto eu vi, vi aquilo que nem procurava, o meu rosto, os nossos rostos. Entre vapores, medos, terror e carne. Eu nem era mais a lâmina, aquela navalha cega, eu/você era mais. Era/éramos a possibilidade do fato, do encontro, e do conforto que nem mais acreditávamos. É por isso, que nesse dia, eu era tigre; escolhi tua carne, teus olhos, tuas falhas, tuas vozes, teus peitos. E louco, tenso, absorveu-me no escuro, esquecido do mundo e da rua. Minha ira tornou-se terna e eu quase quis adormecer-me em tua face/rota. Mas eu nem mais sabia o que era isso, e por isso, saiba, tive que engolir minha própria carne, meu próprio ódio. As minhas ânsias todas, e fomes, eternamente despertas e surdas. Você me torturou com teus dias, com tuas promessas não ditas, com tuas milhas, e eu, tonto, bobo, louco, suspirando senti, o que havia de sentir, que, o tempo, a carne e o espaço eram único ciclo da mesma verdade sem eco. Eu perdi-me para encontrar-me no oco. Para encontrar-te no eco.
Eu já nem sei o que digo. Escuto as vozes, vozes do tempo e do passado, hunos e hebreus parecem-me um tanto distantes, mas encontram-se tolos nas minhas vagas de esperança e poesia. Pois que eu fera não acreditava em mais nada, e que de camelo havia tornado-me leão, de súbito instante me vi criança, a dizer “sim”, e a esperar o “amor fati”.
E então, percebi, que nem mais teu medo eu temi.