domingo, 24 de junho de 2012

Diário da resistência popular paraguaia



Sexta-feira
Consumado o golpe de Estado contra o presidente Lugo, a população que ocupava a Plaza de las Armas começou a dispersar, aos poucos, enquanto os grupos políticos começavam a se reunir para pensar como agir nos próximos dias.
Nessa mesma noite, pouco tempo depois do presidente golpista Federico Franco ser empossado, um enviado seu foi à única TV Pública paraguaia para tentar intervir na programação e evitar que saísse qualquer informação sobre o golpe.
A TV Pública Paraguay foi criada durante o governo Lugo para diversificar o tipo de programação, as informações e análises na mídia paraguaia, já que os grandes meios de televisão e imprensa privados costumam se expressar de forma uníssona, tendo total independência em relação ao governo.
Quando o interventor "franquista" chegou à TV Pública Paraguay para opinar sobre a programação, os funcionários se recusaram a obedecê-lo e denunciaram a tentativa de interferência por parte do novo governo sobre um meio de comunicação público.
Sábado
No dia seguinte ao golpe, as ruas de Assunção amanheceram calmas, apesar do sentimento generalizado de que o ocorrido no dia anterior havia sido um golpe contra a democracia.
Por volta de uma da tarde, um grupo de enviados de Federico Franco chegaram na TV Pública Paraguay com decretos presidenciais que os nomeava os novos diretores da rede de televisão, algo completamente ilegal, já que apenas o Secretário de Comunicação pode fazer tal nomeação. Um novo embate começa. Ao longo da tarde começam a chegar à frente da sede diversos/as apoiadores/as do presidente Lugo pra tentar barrar a censura que o governo golpista tentava impor ao único meio de comunicação que não seguia a linha chapa branca. A TV Pública passa a ser o principal espaço de resistência da luta pró-democracia e uma multidão se reúne e decide manter uma vigília pra barrar novos ataques.
As 19h começa o programa "Micrófono Abierto", onde qualquer pessoa podia subir em um palanque na frente da sede e emitir sua opinião sobre o que estava ocorrendo no país. Paralelo a isso, nos estúdios, ocorria um debate sobre a importância de uma TV Pública. As imagens internas e externas se hintercalavam ao longo da transmissão. Surpreendendo a todos, as 22:30 chega a sede o presidente Lugo, faz um discurso no "Micrófono Abierto" e vai aos estúdios dar uma entrevista para os jornalistas ali presentes.
Até as 12h desse domingo a vigília continua. As paraguaias e paraguaios constituíram a Frente pela Defesa da Democracia, declaram que não reconhecem o governo golpista, vão continuar denunciando internacionalmente o golpe de estado e lutando pela democracia. Há notícias de manifestações no interior e algumas rodovias fechadas pelos camponeses. Algumas ações estão sendo planejadas para hoje a tarde e a noite algumas delegações de outros países chegam para se somar a luta. Para o povo paraguaio ainda não está totalmente claro como restaurar a democracia em seu país, mas nenhum deles mostra hesitação. Através da luta chegaram até aqui e através da luta seguirão e forjarão o seu caminho.
* Iuri Faria Codas é diretor de Movimentos Sociais da UEE-SP e está acompanhando a resistência ao golpe no Paraguai, direto da capital Assunção.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Nós, os puros




Deu-se estes dias que chegamos a uma encruzilhada inaudita. Assim, os que ousaram se alinhar ao sentimento de Luiza Erundina, de repúdio à ligação do PT e de Lula a Paulo Maluf, passaram a ser chamados de “puros”. Assim mesmo, entre aspas, para que fique claro a conotação de que, uma vez puros, são também tolos, tristes sonhadores, idealistas cuja atitude pueril não só transgride as …regras do jogo como, no fim das contas, subverte a ordem de uma guerra santa. Em meio ao jihadismo estabelecido nas eleições paulistanas, de demônios tão nítidos quanto malignos, a atitude de Erundina contra a aliança da esquerda com um bandido procurado pela Interpol, com o cúmplice ativo dos assassinos da ditadura militar, com o construtor da vala comum do cemitério de Perus, com a representação do pior da direita, enfim, tornou-se um ato de traição, de purismo político, de angelical perversão.

Ato contínuo, os mesmos que dias antes haviam comemorado a chegada da deputada do PSB à campanha de Fernando Haddad passaram, de uma hora para outra, a demonizá-la, curiosamente, pelo viés de um purismo atávico e infantil. Erundina, a louca idealista, a tresloucada individualista capaz de destruir os planos de redenção da esquerda por causa de uma foto, uma imagem de nada, um instantâneo sem relevância nem simbolismo, apenas o registro banal de um líder da resistência a se confraternizar com chefe da escória. Ah, os puros, como são tolos! Justo quando deles se exige fortaleza e dedicação, aparecem esses sonhadores cheios de escrúpulos e regramentos éticos.

De toda parte, então, passaram a rugir leões do pragmatismo político, militantes de uma realpolitik feroz, implacável, a pregar a irrelevância dos puros, dos tolos da ética, quando não de sua influência nefasta sobre os jovens e, claro, do enorme desserviço prestado à democracia e ao admirável mundo novo que se anuncia. Os puros, dizem, nunca ganham eleições. E se não o fazem, portanto, que não atrapalhem os que as querem ganhar a qualquer custo. É preciso impedi-los, portanto, de se mostrar em público. É preciso calá-los, desqualificá-los, torná-los ridículos, patéticos em sua fraqueza.

Nem que para isso seja preciso transformar em traidora uma brasileira digna, com 40 anos de vida pública inatacável, uma heroína da resistência, uma política que passou a vida levando assistência a favelas e cortiços, uma parlamentar que dedica seus mandatos a defender a democratização da comunicação e o resgate da memória dos que foram seqüestrados, torturados e mortos pelo regime ao qual serviu Paulo Maluf. Este mesmo Maluf contra o qual os puros, os tolos e os sonhadores da política, vejam vocês, tem a ousadia de se voltar.


LEANDRO FORTES

Jornalista, professor e escritor, autor dos livros 'Jornalismo Investigativo', 'Cayman: o dossiê do medo' e 'Fragmentos da Grande Guerra', entre outros. Sua mais recente obra é 'Os segredos das redações'. É criador do curso de jornalismo on line do Senac-DF e professor da Escola Livre de Jornalismo.

fonte: www.cartacapital.com.br/blogdoleandrofortes/brasil/nos-os-puros

Texto de Leandro Fortes