domingo, 31 de maio de 2009

Langueur, Verlaine


Je suis l’Empire à la fin de la décadence,
Qui regarde passer les grands Barbares blancs
En composant des acrostiches indolents
D’un style d’or où la langueur du soleil danse.

L’âme seulette a mal au cœur d’un ennui dense,
Là-bas on dit qu’il est de longs combats sanglants.
Ô n’y pouvoir, étant si faible aux vœux si lents,
Ô n’y vouloir fleurir un peu cette existence !

Ô n’y vouloir, ô n’y pouvoir mourir un peu !
Ah ! tout est bu ! Bathylle, as-tu fini de rire ?
Ah ! tout est bu, tout est mangé ! Plus rien à dire !

Seul, un poème un peu niais qu’on jette au feu,
Seul, un esclave un peu coureur qui vous néglige,
Seul, un ennui d’on ne sait quoi qui vous afflige !

(1883)

sábado, 23 de maio de 2009

Onde estão os intelectuais brasileiros?


Por Juliana Sayuri Ogassawara

No Brasil do século XIX não havia espaços próprios para a intelectualidade. Já durante o Império, uma alternativa dos pensadores de então era a carreira na diplomacia, posto público que garantia ganho financeiro, permitindo atividade intelectual paralela. Só no século XX se dá a consolidação de instituições “propriamente intelec¬tuais”, como as universidades, abrindo “car¬reiras” autônomas e, a partir disso, ocorre a profissionalização da atividade. Por fim, no século XXI, a diversidade de funções desempenhadas pelos intelectuais abre espaço para novas e diferentes compreensões, o que pode confundir a sociedade no que diz respeito aos papéis representados por eles hoje.
Para a doutora em Sociologia na USP Angela Alonso, há “profissionais do conhecimento”, vinculados à universidade “da porta para dentro”; e há “intelectuais públicos”, empenhados na enunciação e posicionamento político. Muitos entendem que a universidade passou por um processo de burocratização, tornando-se um lócus de habilitações, mais instrumental do que especulativo. É o que pondera o jornalista Bernardo Kucinski, para quem a fase da grande sociologia se foi. “Não é mais a ciência dos gênios, é a ciência das carreiras”, argumenta. O status da carreira passa a se nortear por requisitos da universidade, como a “produtividade” mediante publicações, títulos, orientações. “Se quer ter uma trajetória bem-sucedida na academia, há pouco espaço para organizar manifestações a favor dos países do Terceiro Mundo”, provoca Fábio Pereira, jornalista e doutor em Comunicação pela UnB.
“No Brasil, infelizmente, há intelectuais que simplesmente fazem seu trabalho acadêmico. Eles estão pensando, produzindo novas ideias, livros, teses, mas não se envolvem em questões amplas, não estão preo¬cupados com engajamento. Contudo, um outro setor – além da atividade estrita, acadêmica – assume a disposição de responder às inquietações muitas vezes causadas pela sua própria realidade, pelo tempo presente, com atitudes políticas mais explícitas”, sustenta a historiadora Sílvia Miskulin.
A pluralidade de papéis ecoa na linha política. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, construiu uma carreira intelectual, mas passou aos cânones da carreira política. De acordo com o historiador Francisco Alambert Junior, os intelectuais desta geração se dividem: os que se despolitizam, impregnados pela ideia-mestra de que “não há mais utopias”, dedicando-se unicamente à academia – onde, “a rigor, não há diferença entre um filósofo e um engenheiro, trata-se de técnica” –, e os que assumem novos ideais. Há também intelectuais de esquerda que içaram iniciativas. “A ficha número 1 de fundação do PT é do Mário Pedrosa, a número 2 é do Antonio Candido, a 3 é do Sérgio Buarque de Hollanda”, exemplifica Alambert.
A historiadora Maria Helena Capelato corrobora essas considerações e faz uma distinção entre os pensadores comprometidos com a vida política. “Há intelectuais ligados ao PSDB e ao PT; há aqueles engajados, mas sem vinculação partidária, e há os que apenas produzem conhecimento mantendo a velha postura, típica do século XIX do ‘sábio’ pensando e falando para si mesmo”, pondera.

“Bons tempos” Para quem se lembra dos “bons tempos” da intelectualidade brasileira – expressão que mereceria várias aspas –, a efervescência cultural durante a ditadura militar brasileira aglutinou artistas, jornalistas e intelectuais contra os sufocantes ares ditatoriais, arbitrariedades, repressão, censura, isto é, por uma causa comum. As manifestações culturais dessa época evidenciam disparidades entre o passado dos intelectuais acossados e o presente.
“Os intelectuais tiveram papel político muito importante na redemocratização do país; tanto os de esquerda como os de direita tomaram parte ativa na luta política, orientando-se por objetivos opostos, mas a partir de tentativas de intervenção direta nos rumos da História”, analisa Capelato. “Neste caso, participaram do debate político em prol de uma causa: a ditadura ou a sua derrubada. Mas nem sempre o intelectual tem esse papel e, no momento atual, acredito que vivemos uma fase de carência de ideias novas e reflexões aprofundadas sobre as questões mais importantes do Brasil e do mundo. Não poderia dizer quem são os nossos intelectuais hoje porque poucos têm contribuído por meio de debates, publicações ou interferências relevantes para a melhor compreensão dos problemas que vivemos e para apontar soluções novas. Acredito que, no momento, há um vazio de ideias”. A historiadora Maria Aparecida de Aquino concorda que “os intelectuais já tiveram uma posição mais proeminente” no debate político do Brasil. Entre as décadas de 1930 e 70, ela nota que havia uma postura mais incisiva. “Poderíamos ter uma atuação maior. Não é que sairíamos aí pela rua, fazendo passeata; não é isso, e sim ter uma presença mais forte”, reflete.
Alambert destaca que é preciso pensar no contexto sociopolítico em que os intelectuais da nova geração começaram a atuar. Aos 44 anos, ele narra que sua geração basicamente nasceu na ditadura, tendo passado os primeiros 18 anos de sua vida convivendo com o Estado autoritário. Os intelectuais da geração passada, por sua vez, nasceram durante o Estado Novo e alcançaram a vida adulta com a ditadura militar e, tavez por isso, tenham tido um comprometimento maior, por terem mais motivos “reais” para tanto. “Afinal, a ditadura é eminentemente anti-intelectual”, sustenta.
Mas, ainda que baqueados com as consequências do golpe principalmente após o AI-5, uma expressiva trupe de artistas e intelectuais, engajados e eufóricos, buscou novos caminhos e vias alternativas de expressão. Entretanto, Alambert adverte que “vulgarmente tendemos a identificar os intelectuais com a oposição e com a esquerda. Não era, nem nunca foi assim. Inclusive, há intelectuais que apoiaram o golpe; eram de direita e ultraconservadores; fizeram os jornais tais quais eles são no Brasil”, pondera. “Mas, sobretudo naquele momento, os intelectuais de esquerda – e isso é um evento único na história do Brasil – tiveram quase hegemonia no processo cultural, nas universidades, nos museus.”
Na década de 1980, marcada pela crise da China maoísta, da União Soviética stalinista e de Cuba, a esquerda aviltada viu-se à beira de um colapso. Nesse contexto, Alambert analisa que “o marxismo como forma essencial de crítica à sociedade capitalista quase cai, substituído por uma série de novas modas importadas, no prêt-à-porter internacional das ideias, de pós-estruturalismo, pós-modernismos, o retorno do discurso liberal, neoliberal, culturalismos”. Nos últimos anos, principalmente com Lula no poder, ele identifica um novo modismo: a ascensão de uma intelectua¬lidade de direita, com pensadores ultraconservadores conquistando espaços, inclusive com um expressivo veículo próprio, a revista Veja, “muito mais do que os liberais do Estadão”, alfineta Alambert. Todavia, ele vê uma tendência alternativa de jovens intelectuais propondo uma nova esquerda, um novo papel, buscando “construir uma nova coisa”.

Os intelectuais e a mídia Pode-se esperar dos intelectuais a crítica constante à realidade, especialmente com a ideia de Edward Said sobre o intelectual como “um perturbador do status quo”. Contudo, Angela afirma que “da mesma maneira como há os que criticam o status quo, há intelectuais que o legitimam, construindo as justificativas da ordem existente”.
Para a jornalista Michelle Prazeres, há quem pense “o intelectual no sentido pejorativo, sendo aquele que mergulha nos estudos e fica alheio ao mundo”, conceito do qual ela discorda. “Compartilho de uma concepção de intelectualidade a serviço da construção de algo, da produção do conhecimento a serviço da sociedade e – no limite – a serviço da política”. Gramsciana, a professora da PUC-SP se ancora no teórico, que “diz que o intelectual não seria afastado do mundo produtivo ou mergulhado na retórica abstrata, mas seria ao mesmo tempo especialista e político”. Ela acredita que os intelectuais seriam engrenagens do motor de transformação. “As outras são os partidos, ONGs, movimentos, grupos de jovens, enfim... O papel dos intelectuais é o de provocar, criar cenários, ensaiar, discutir, refletir, historicizar, recuperar experiências e histórias, contextualizar vivências, promover a reflexão a partir da teoria. Articulados com as demais engrenagens, eles podem provocar transformação. Mas nunca sozinhos”.
O filósofo e jornalista Paulo Pereira Lima caminha na mesma direção. “Gramsci falava de um intelectual orgânico, que tem pé no chão, contato direto com a realidade e não só com os livros empoeirados”. Para ele, é preciso aproximar a academia e a comunidade, mediante a sociedade civil organizada como movimentos sociais ou ONGs, cabendo ao intelectual a reflexão crítica da prática dos movimentos para consolidá-los como pauta política. “Por outro lado, o movimento social está criando seus próprios intelectuais”, diz, citando a Escola Nacional Florestan Fernandes – a “universidade popular” do MST – e a internacional Via Campesina. Exemplo maior seria o Fórum Social Mundial, “encontro de intelectuais engajados que acreditam na força de um movimento social, de uma mídia alternativa, de uma mídia livre. O Fórum é um momento de protesto e proposta”, acredita. Lima destaca que não se trata de os intelectuais se acostarem dos movimentos, usando-os como baluarte, mas seria necessário estabelecer uma relação dialética, casando prática e pensamento teórico, sob constante diálogo para trilhar caminhos melhores.
Na mídia, paira sobre o intelectual uma aura erudita que ora potencializa sua voz por seu prestígio como fontes de informação legítimas, ora o afasta por seu discurso demasiadamente teórico. “A imprensa é um grande espaço para os intelectuais, para o bem e para o mal”, avalia Angela. Já Maria Aparecida Aquino critica que, “principalmente nas instituições públicas mais tradicionais, às vezes há uma tendência de achar que a mídia é muito ligeira, que não é conhecimento com fundamentação teórica. Por isso, não há um namoro entre os intelectuais e a mídia”. Inspirados na Teoria Crítica dos frankfurtianos, há intelectuais que demonizam a mídia, acreditando que “o seu conhecimento será morto a partir do momento que for consumido pela indústria cultural”, esclarece.
No entanto, alicerçando-se na teoria de Michel de Certeau, Aquino discorda desse ponto de vista. “Devemos transformar em bom tudo aquilo que eventualmente poderia ser mal. Evidentemente devemos ser críticos em relação à mídia; não devemos viver um grande amor, mas dar à mídia a possibilidade de transformação, com a nossa opinião”, analisa. “Não adianta ficarmos nos intramuros de nossos prédios, com uma produção que é lida pelas bancas de nossas dissertações e teses. Quem mais lê nossos trabalhos? Para quem se divulga conhecimento? Se a relação com a mídia fosse melhor, mais articulada, com certeza nós teríamos realizado um pouco mais do nosso trabalho e de fato cumprido com nosso papel com a sociedade”.
Mas o sociólogo Marcelo Ridenti diferencia que “uma coisa é a participação dos intelectuais na mídia, outra coisa é a visibilidade”. Para ele, “as duas coisas são paralelas, mas não coincidem”, pois “a lógica da mídia é a pauta que vende mais”. Afinada com essa posição, Michelle Prazeres afirma que “a mídia hoje é um espaço de disputa de valores. O que acontece é que esta disputa é extremamente desigual, porque a liberdade de expressão no nosso país é para poucos, para aqueles que detêm o monopólio da comunicação. Em tese, a mídia seria o espaço de um debate plural e diverso, mas sabemos que não é isso que acontece”. Não raro, a mídia tradicional, fincada em valores predominantemente liberais e neoliberais, dá voz apenas a quem condiz com seu ideário.
Nessa disputa desigual, poucos intelectuais mais críticos furam o cerco com sua opinião, “mas nada se compara àqueles a quem diariamente são oferecidas páginas e mais páginas para defender suas ideias. O estrago que um intelectual pode fazer é potencialmente maior, já que a mídia costuma alçá-lo à condição de especialista. O especialista fala, é lei. O ‘doutor’ fala, é a verdade”, critica Prazeres. A conquista de legitimidade pelos intelectuais na mídia, portanto, implica muitos lados de muitas moedas. “Se todos fossem intelectuais, como afirma Gramsci, talvez os intelectuais não fossem tão escutados”, crê Fábio.
Alambert sustenta que as relações estremecidas entre jornalistas e intelectuais não é de hoje. “Historicamente, há uma oposição marcante, principalmente no final do século XIX e início do século XX, entre o intelectual acadêmico, erudito, culto, e o intelectual boêmio, cujo grande representante sempre foi o jornalista. Nos melhores momentos da história das ideias, essas duas figuras se cruzam”. Ele critica ainda a ideia de que a imprensa tradicional se constitui no único meio para o intelectual se aproximar da sociedade. “Não é”, dispara, questionando quem realmente lê jornais e revistas nesse país, quem está do outro lado. “Você está comunicando o quê? Para quem? Isso demanda uma outra busca de diálogo, e ele tem que passar forçosamente pela mídia? Intelectual não é guru, não ensina a verdade aos ignorantes, ao contrário, aprende com a realidade”. Ainda que o intelectual não seja o “dono da verdade”, há mentes pulsantes discutindo o Brasil e, por mais tímidas e descompassadas que às vezes possam aparentar, suas vozes são tudo, menos inexpressivas. F

O que é um intelectual
O Caso Dreyfus é emblemático para se buscar as raízes da expressão “intelectual”. Para Fábio, “a definição tradicional, nascida na França no início do século XX é do indivíduo que sai ocasionalmente da sua esfera de competências para se engajar no espaço público a favor de causas universais, ligadas ao direito do Homem”. Ilustraria essa definição o caso de Émile Zola em favor de Dreyfus, de Jean-Paul Sartre pela libertação da Argélia e de Michel Foucault sobre as condições de vida nas prisões francesas.
No entanto, além da definição clássica, Sílvia aponta outra ideia de intelectual que, sob uma perspectiva mais ampla, comportaria “todos aqueles que atuam no âmbito da produção de ideias; então, um professor pode ser um intelectual, um jornalista, um escritor, um artista”. Já Maria Helena considera que se alguém “produz um conhecimento novo, é um intelectual; se ele apenas o divulga, é um transmissor”. “O intelectual é um ator político que se vale de seus conhecimentos para pensar sobre as questões de seu tempo e sobre a sociedade em que vive”, ela define. Teoriza ainda, elucidando que “Ortega y Gasset e os intelectuais latino-americanos adotavam uma perspectiva ‘circunstancialista’ que permitia pensar o intelectual a partir de sua circunstância”. Mas Maria Helena pondera que “qualquer definição do intelectual é contestável, porque ela tem uma história que se modifica ao longo do tempo, como diz Jean-François Sirinelli. A própria história intelectual é um fenômeno recente, e que na França adquiriu reconhecimento entre historiadores a partir do momento em que teve início um debate sobre seu papel”. Apesar de serem históricas as definições dos intelectuais – sartreana (intelectual engajado), gramsciana (intelectual orgânico) ou intelectual descompromissado vivendo numa torre de marfim –, não se pode negar que essas posições continuem existindo nos dias de hoje”.
Para o ensaísta palestino-americano Edward Said, deve-se “insistir no fato de o intelectual ser um indivíduo com um papel público na sociedade, que não pode ser reduzido simplesmente a um profissional sem rosto”. Em Representações do Intelectual (Companhia das Letras, 2005), Said diz que o intelectual deve articular um ponto de vista, uma atitude e uma opinião para e por um público: “E esse papel encerra uma certa agudeza, pois não pode ser desempenhado sem a consciência de se ser alguém cuja função é levantar publicamente questões embaraçosas, confrontar ortodoxias e dogmas (mais do que produzi-los); isto é, alguém que não pode ser facilmente cooptado por governos ou corporações, e cuja raison d’être é representar todas as pessoas e todos os problemas que são sistematicamente esquecidos ou varridos para debaixo do tapete”. F

Juliana Sayuri Ogassawara

(comentar | 3 comentários)

Fonte: http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/EdicaoNoticiaIntegra.asp?id_artigo=6979

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Ricardo Flores Magón e o comunitarismo camponês





Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes[1]



O México atravessou as primeiras décadas de seu período independente mergulhado em grande instabilidade política marcada pelo confronto entre liberais e conservadores. As leis da reforma liberal aprovadas a partir de 1856, confirmadas em 1873, possibilitaram intensificar transformações econômicas e sociais voltadas à modernização do México. Ao contrário do que pretendiam inicialmente, porém, contribuíram para desestruturar as comunidades rurais e tenderam a beneficiar os grandes fazendeiros, sobretudo a partir da ascensão de Porfírio Díaz ao poder em 1876.



Nesta época boa parte da população mexicana vivia no campo e ainda em grande parte unida às estruturas comunitárias indígenas, ameaçadas pela reforma. O Porfiriato (1876-1911) foi marcado por uma intensa modernização em parte promovida por capitais estrangeiros. No plano político, pelo autoritarismo e o favorecimento das frações da elite ligadas ao governo. A usurpação de terras pertencentes a comunidades de camponeses levou muitos deles a migrar para as grandes cidades ou submeter-se a duras condições de trabalho nas fazendas. No começo do século XX, cresceram as divergências ao regime de Porfírio Díaz. As contradições no campo, o dissenso entre elites e a forte agitação política acabaram levando à queda de Díaz e ao multifacetado processo revolucionário mexicano (1910-1917).



Neste contexto é que se destacou a figura de Ricardo Flores Magón (1873 - 1922), que com seus partidários, organizou o Partido Liberal Mexicano (PLM) em 1906. Por meio de sua militância intelectual, política e jornalística, ele empenhou-se em influenciar os grupos e atores que atuariam durante o período revolucionário. Magón também organizou grupos revolucionários que lutaram no norte do México, e que chegaram a ocupar a Baixa Califórnia. Exilado nos EUA entrou em contato com anarquistas russo-americanos Emma Goldman e Alexandre Berkman e trabalhou na difundir de livros e idéias anarquistas no México.



De forma original, Magón refletiu sobre projetos e atuações que combinavam as tradições necessidades práticas de camponeses mexicanos da época com teorias radicais européias, sobretudo anarquistas. Magón foi, especialmente importante ao formular e propor soluções para resolver o problema das comunidades camponesas. Para ele a questão da terra era uma das chaves do problema social mexicano. Pode-se, por exemplo, afirmar que estas formulações repercutiram, notavelmente, entre os revoltosos do “Ejército Libertador del Sur” liderados por Emiliano Zapata (1879-1919), que então lutavam no sul do México pela posse comunitária da terra. Sua atuação, de diversas formas, modificou a realidade mexicana. Podemos encontrar traços de Magón no famoso “Plan de Ayala” de 1911, no lema dos Zapatistas “Tierra y Liberdad” (formulado originalmente por Magón) e na constituição mexicana de 1917, que garantia a forma comunitária da terra aos camponeses.



De liberal a libertário



A trajetória intelectual de Flores Magón é bastante interessante, pois ele empreende uma original transformação política, motivado, talvez, pelo contato com a realidade mexicana, pela leitura de escritos anarquistas europeus e por contatos interpessoais. Ao fundar em 1906 o PLM, Flores Magón não tinha como objetivo – pelo menos declarado – uma revolução social, mas o “resgate” dos princípios liberais da Constituição Mexicana de 1856, que segundo eles tinha sido violada por Porfírio Díaz. É por isso, que seu jornal se chamará “Regeneración” (1900). Contudo, ao meio da luta política e da intensa repressão política, Magón mudou lentamente suas concepções políticas, caminhando para um ideal anarquista. A historiografia ainda apresenta muitas discrepâncias e divergências, e não há acordo de como, quando e porquê essa transformação aconteceu. Alguns autores defendem que já em 1906 Magón já possuía secretos ideais anarquistas, porém a grande maioria pensa que o anarquismo de Magón se consolidaria posteriormente ao meio da luta revolucionária. No Programa do Partido Liberal de 1906 pode-se observar uma posição revolucionária, porém ainda estritamente radical-liberal. Nesta época o PLM defende a defende a devolução das terras camponesas na forma da pequena propriedade. O programa defende também um retorno à constituição liberal, a democracia, um anticlericalismo e uma revolução política contra o regime de Díaz. Em 1911, no entanto, no Manifesto do Partido Liberal já se pode perceber claras idéias anarquistas, e uma defesa importante da revolução social e a posse comunitária da terra.



Há também uma viva polêmica com relação à identificação das influências teóricas européias de Ricardo Flores Magón e dos militantes do PLM: muitos autores identificam seus textos como uma extensão/ repetição de suas influências - autores anarquistas (Kropotkin, Malatesta, Elisée Reclus e Proudhon). Pode-se encontrar alguma influência das idéias de Kropotkin em “A Conquista do Pão” sobre a questão agrária, e de Malatesta em sua definição de partido revolucionário em “Escritos Revolucionários”.


Penso, porém, assim como o historiador mexicano Arnaldo Córdova[2], que sua transformação política foi motivada, sobretudo pelo contato com a realidade mexicana e com a intensa repressão política exercida pelo regime porfirista. Para este historiador Ricardo Flores Magón foi um precursor do reformismo dos revolucionários mexicanos. Já para o historiador francês François-Xavier Guerra[3], Magón será influenciado por escritos anarquistas europeus. Para este, Flores Magón representará a união interessante de lógicas diferentes - a do anarco-comunismo e a da tradição liberal de luta contra a opressão a incorporada a um fundo muito mais antigo, o da revolta contra o ‘mau governo’ que violou direitos. Arnaldo Córdova nos lembra, todavia, que Magón foi o revolucionário mexicano da época que melhor representou os interesses populares, foi o único que chegou a defender uma sociedade sem classes. Na questão agrária penso que foi de extrema importância a observação da realidade camponesa do México, que trazia em sua tradição, pré-colombiana (calpul) e colonial (ejidos) a forma de propriedade comunitária e autogestionária, que apesar de duramente atacada pelo “modernização” ainda resistia como forma tradicional no México da época.








[1] Augusto Patrini é bracharel em história (USP), Jornalista (UTP), Tradutor (Université de Caen)



[2] Córdova, Arnaldo La Ideologia de la Revolución Mexicana. La formación Del nuevo régimen. México: Ediciones Era, 1973



[3] Guerra, François-Xavier. México: Del Antiguo Régimen a la Revolución, T. II. México: FCE, 1988

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Mercado Interno na Colônia x Clássicos



Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes

Há na historiografia uma grande polêmica sobre o mercado de abastecimento (ou mercado interno) no período colonial. Alguns autores – considerados clássicos – afirmam que o mercado interno estaria subordinado ao “caprichos” da atividade exportadora. Outros, no entanto vêm esta economia de abastecimento como ente autônomo não dependente.

Autores como Celso Furtado, Caio Prado Jr, e F. Novaes são defensores da primeira hipótese. De acordo eles, o sentido do sistema colonial no Brasil era o mercado exterior. Toda a produção considerada significativa economicamente fosse ela de açúcar (cana), algodão ou fumo estava vinculada ao Mercado europeu e as políticas mercantilistas da metrópole e dava-se sob a forma da grande lavoura, monocultura e escravista (a atividade mineradora seria uma exceção). Caio Prado, por exemplo, afirma que a grande lavoura, a agricultura que produz para exportação e que é a única que dá perspectivas amplas de ganhos econômicos. . Para ele a colonização européia nos trópicos inaugurou essa forma de agricultura extensiva e em larga escala, que terá segundo vários autores importância econômica fundamental, durante séculos na área ao sul do equador.

Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil explica que a própria criação da colônia (Brasil) foi uma iniciativa vinculada a expansão mercantilista européia, que se viabiliza somente com a empresa agrícola. A forma adotada para tal empreendimento seria a típica forma colonial sob o mercantilismo, ou seja, o comercio metrópole – colônia, sob o dito exclusivismo comercial, que no caso português assume a forma diferencial “produtiva” (agricultura).

“Sendo uma grande plantação de produtos tropicais, a colônia estava integrada na economia européia, das quais dependia. Não constituiria, portanto, um sistema autônomo, sendo simples prolongamento de outros maiores” (Celso Furtado, p. 95)

Apesar disto, reconhece-se a existência do mercado interno. Nos referidos autores - este reconhecimento é limitado e subscrito às áreas consideradas periféricas e/ou interioranas. Com exceção da mineração, toda outra atividade de vulto econômico ocuparam as áreas litorâneas da colônia. As atividades de pecuária (nordeste, Rio Grande do Sul e em menor medida São Paulo) surgem em áreas periféricas onde não existem condições para a grande lavoura e, no entanto estão estritamente vinculadas à produção para o mercado externo. A pecuária não concorreria em nada com a grande lavoura, mas seria totalmente complementar a esta. Podemos mesmo afirmar que segundo os autores ela nasce das necessidades da população vinculada a grande produção agrícola.

Para Furtado, o crescimento mercantil e monetário da produção não vinculada ao mercado internacional dependia, em última instância, das flutuações econômicas do próprio mercado internacional. Para F. Novaes, as flutuações do mercado interno, como em Furtado, estariam submetidas aos sabores das conjunturas internacionais, e sua estreiteza redundaria no reforço frente ao capitalismo europeu.

Isso explica por que em períodos de expansão da agro-exportação, a pecuária e a produção autônoma de alimentos podiam ver sua renda monetária ampliada, já que os escravos das grandes plantações eram deslocados da produção de alimentos para a produção do produto de exportação. Esta redução da produção de mantimentos nas empresas agroexportadoras podaria, em alguns casos, causar carestias e conseqüentemente aumento da demanda e aumento dos preços. O processo contrário também se produzia, no momento de depressão do mercado exportador a produção interna também era reduzida. Portanto, os setores econômicos não exportadores dependiam também do mercado exportador e da flutuação dos preços internacionais.

A mesma complementaridade em relação a grande produção vai ocorrer com a agricultura de abastecimento interno, ou como prefere Caio Prado de subsistência:

“De um lado a grande lavoura, seja ela de açúcar, do algodão e de alguns outros gêneros de menos importância, que se dedicam todos ao comércio exterior. Doutro, a agricultura de “subsistência”, isto é, produtora de gêneros destinados à manutenção da população do país e do consumo interno.” (Prado Jr., p. 141)

Do mesmo autor também se destaca a afirmação que “A grande lavoura representa o nervo da agricultura colonial; a produção dos gêneros de consumo interno – a mandioca, o milho, o feijão, que são os principais – foi um apêndice dela, de expressão puramente subsidiária.” (Prado Jr., P. 141).

De acordo com Caio Prado as estruturas da agricultura de abastecimento interno serão muito diferentes da grande produção exportadora e poderão variar de uma região para outra. Variam, desde a “grande lavoura” até a “insignificante roça, chácara ou sitio” do pequeno produtor autônomo. Interessante observar como ele explica que a produção dos bens de abastecimento se da em áreas contíguas às cidades, por exemplo, ao Rio de Janeiro, ou à fazendas agroexportadoras.

A importância do setor, sobretudo como ocupação e fonte de renda para uma parcela substantiva da população, que apesar de poucas posses era livre, também se dá pela dependência do setor agroexportador e das cidades em relação a produção de abastecimento.

Celso Furtado chega a admitir que na medida em que a produção de abastecimento crescia em importância – principalmente no norte, sul e interior nordestino, reduzia-se a participação das exportações no produto da colônia.

Conforme destacou recentemente Marcio Pochmann em artigo Recente:

“Caio Prado Junior e Celso Furtado identificaram e valorizaram o papel desse tipo de economia (de subsistência) ao longo da história do Brasil. Com o período colonial, coube à agricultura de subsistência o exercício da função estratégica de acomodar estratos crescentes da população que excediam às necessidades do modelo econômico sustentado pelo latifúndio, pela monocultura e pelo escravismo. Não teve papel econômico pronunciado, mesmo que esse tipo de agricultura fosse quantitativamente expressiva e absorvesse um amplo segmento populacional, mais conhecido como agregado social.”(Marcio POCHMANN, P. 36, Carta Capital 29/12/2004)


segunda-feira, 18 de maio de 2009

O Niilismo

O Niilismo

por André Joffily Abath

Viver para o nada e negar a vida. Estes são os aspectos fundamentais para a compreensão do niilismo. Enquanto termo, o niilismo surge no romance russo, mais especificamente na obra Pais e Filhos, de Ivan Turgueniev. Porém, é em Dostoiévski que o termo niilismo ganha expressão e força, sendo considerado como um problema e uma marca do mundo moderno. Na literatura russa, o niilismo designa uma espécie particular de homem: o negador de valores, o ateu, o ressentido. Todavia, em Nietzsche, a questão alarga-se, ganhando as mais variadas formas e faces. Assim, crer em valores superiores ou negá-los deixa de ser o ponto de identificação do niilismo. Em ambos faz-se presente a vida dirigida ao nada, ou, simplesmente, negada. Torna-se, então, necessário guiar-se nesta órbita em que o niilismo relaciona-se com o força que se dirige ao nada, ou, melhor dizendo, com o desperdício da força.

Seguindo tal linha interpretativa, a base do problema residirá na vontade de poder, em seu direcionamento. Se onde há vida há vontade de poder, o mesmo não pode ser dito da vontade como afirmação da vida. No niilismo, a vontade de poder é reativa, fraca. Não promove a criação de valores e a elevação do ser; seu efeito é negativo. Assim, querer o nada e nada querer são ambos exemplos de uma vontade de poder que não age para a vida, mas sim contra ela. A força mal direcionada pode tanto dirigir-se ao metafísico, à ficção da eternidade, quanto pode estar debilitada, decadente diante de um mundo absurdo e desprovido de sentido. O rumo da força, indicará, portanto, a qualidade do niilismo, sua diferenciação.

Em Nietzsche, o niilismo percorre a maior parte de sua obra como uma crítica ao cristianismo e ao socratismo. Neste caso, a vida é regida por valores superiores, metafísicos, por um ideal ascético. O homem delineia sua existência em uma ficção, um além-mundo onde inexiste o tempo. Pela fé neste mundo, a vida é negada, suprimida e acorrentada. O homem falsifica a si mesmo, tornando-se um ser regido por valores superiores. Certo é que existe um sentido e uma verdade. Contudo, é direcionando sua força a esta verdade que o homem deprecia a vida, afinal, viver para a verdade é viver para o nada . A vida assume-se, portanto, como negadora de si própria. Preserva-se por afastar do homem o mal-estar de viver no vazio, mas nega-se por direcionar-se ao nada.

Nesta primeira forma de niilismo, o homem vislumbra livrar-se do tempo, tornar-se infinito. É por medo da morte e do tempo que o ser-humano falsifica-se. Mergulha em uma ilusão no afã de alcançar o eterno. Segue-se que o homem nega o real e entende-o como vão, como afirma Finke:

" A ontologia metafísica considera como sendo aquilo que em verdade não passa de uma ilusão, uma ficção, e rejeita como não sendo, como sendo inautêntico aquilo que em verdade é o único ser real e efetivo. O que se toma pelo existente autêntico é o vão, mas aquilo que se tomava por vão é o único real".
O segundo sentido que Nietzsche dá ao niilismo é menos claro. O ideal ascético esgota-se e o niilismo transmuta-se. Aqui, a vontade de poder assume seu poder de ação e destruição. Renega-se os valores superiores e com eles a ilusão da eternidade. Aqui, o homem mata seu Deus. Porém, como afirma Heidegger, o trono está vago e o homem buscará ocupá-lo. Este niilismo como destruição, é, para Nietzsche, um novo disfarce das forças reativas, destruindo, desta vez, sua antiga forma de dominação e forjando uma nova. É o niilismo ativo, que, não obstante sua força de ação, termina por desembocar no nada, na negação total de valores e da vida. Ainda assim, Nietzsche privilegia esta forma de niilismo , já que nele a vontade de poder assume-se enquanto força destrutiva da moral. Com efeito, a negação da moral indica uma elevação do homem, como afirma Nietzsche em A Vontade de Poder: " A indigência não se tornou eventualmente maior: ao contrário! "Deus, moral, resignação", eram meios de cura em graus terrivelmente profundos da miséria: o niilismo ativo aparece em condições que se configuram relativamente muito mais favoráveis. Já a moral ser sentida como superada pressupõe um razoável grau de civilização espiritual; esta, por sua vez, um relativo bem-viver".

Porém, a força, após este direcionamento, enfraquece e decai. Enfraquece porque ao eliminar valores, ainda não está direcionada à sua procriação. No homem, o resultado deste processo é a decadência, o nojo pela vida. Do assassino de Deus surge o último dos homens. É o homem fraco, entendiado, postado diante do absurdo e à espera da morte. Não crê, mas também não cria.. Torna-se suicida, ultilitarista, socialista. Livre de Deus, mas ainda saudoso de sua verdade. Para o niilista ateu, o mundo assume a forma de absurdo; já não há mais um sentido, não há mais preservação da vida. É um momento em que o novo já se anuncia, mas em que o velho ainda esboça novas formas de reter seus valores. Como observa Finke, já é possível vislumbrar o trágico, mas os homens carecem, ainda, de coragem para afirmá-lo. No "Zaratustra", esta espécie de niilismo aparece sob a forma de serpente negra. Resta ao homem a saída que restou ao jovem pastor, a quem a serpente enlaça e sufoca diante dos olhos de Zaratustra. Resta afirmar a vida aniquilando a serpente.

Podemos, portanto, afirmar que neste movimento do niilismo não houve transvalorização de valores. A passagem do mundo de Deus ao mundo dos homens é regida pela vontade de nada, pela negação. Não há , ainda, abertura ao devir, ao criar e ao eterno retorno. O último dos homens não suporta a falta de sentido de sua existência, é sufocado pela serpente negra. Este é um momento decisivo para Nietzsche. É ao afirmar a vida após a morte de Deus que abre-se a possibilidade do super-homem. Como no "Zaratustra", onde o jovem pastor elimina a serpente, deve agir o homem. Deve abrir-se ao devir e ao tempo. Deve transformar a vida em uma experiência de criação e destruição.

Nietzsche considera que o niilismo chegou em seu último estágio. A história sairia do período obscurantista, reino do niilismo, para o período da claridade, momento em que o homem aprenderia a viver enquanto criador de valores e disciplinaria-se para uma vida no eterno retorno. Imaginando-se o niilismo como um ciclo, podemos vislumbrar a transvalorização de valores como seu último momento. Com efeito, Nietzsche considera todas as formas de niilismo como incompletas, ou seja, o fim do ciclo niilista é o fim do niilismo. O niilismo completo é o fim da vida regida pelo nada e a abertura ao trágico. A transvalorização de valores não é, portanto, a negação ou mudança de valores, mas sim a afirmação da vida enquanto criação de valores. É a vontade de poder direcionada à criação e inserida no movimento do eterno retorno. Assim, o homem entraria em confluência com o tempo. Afirmaria cada instante, mesmo que este estivesse por retornar eternamente.

Україна


Revuelta de obreros en Kherson


LA CRISIS VISTA DESDE UCRANIA


La tormenta económica repercute en las poblaciones según el nivel de apertura, reglamentación y protección social del país… Le Monde diplomatique inaugura una serie que explora la realidad en una ciudad media –industrial, minera, turística o simplemente residencial– de Europa, Asia, África o América. Aquí, una crónica de Kherson, en Ucrania.

por Mathilde Goanec, enviada especial

Periodista.

Traducción: Carlos Alberto Zito


Kherson es la última ciudad importante sobre el río Dnieper antes de que éste vierta sus aguas en el Mar Negro. A pesar de algunas personas que inauguran la primavera en short y calzado liviano, Kherson no tiene nada de balneario. En la Ucrania comunista cada ciudad tenía asignada una tarea, al servicio de una economía racionalizada al extremo: a Kherson le correspondían los astilleros navales, la fábrica de papel y la construcción de maquinaria agrícola. Gris y rectilínea, erizada de grúas, la ciudad conserva las marcas de su historia industrial en medio de una región mayoritariamente agraria.

La actual crisis mundial golpeó al país duramente, incluidos los 350.000 habitantes de Kherson y su envejecida industria, ya sacudida por las azarosas privatizaciones realizadas luego de la independencia de Ucrania en 1991. Cuando a comienzos de 2008 las bolsas occidentales entraron en pánico, los bancos ucranianos cayeron uno tras otro, arrastrando áreas enteras de la economía y agobiando a las ciudades medianas, que a menudo viven de uno o dos polos industriales.

Por la caída de la demanda, la producción nacional cayó cerca de un 40%. En Kherson, las primeras manifestaciones de la crisis afectaron rápidamente a los obreros: suspensiones, vacaciones forzadas, atraso en el pago de los salarios… Pero la situación más dramática se vivió en la fábrica de máquinas agrícolas KhersonMash. Célebre en todo el país, esa planta es la única que sigue fabricando cosechadoras 100% ucranianas. “Al parecer, nuestras máquinas son incluso mejores que las del estadounidense John Deere”, que sin embargo es líder en la materia, se jacta un obrero. La fábrica pertenece a Ukrmashinvest, un conglomerado de inversores privados al que el Estado cedió unas cuarenta empresas en los últimos años.

En septiembre de 2008, invocando la crisis, la dirección dejó de pagar a los 1.050 empleados. Durante cinco meses, los obreros y sus familias vivieron con lo estrictamente mínimo, esperando que las cosas mejorasen. “Me puse a trabajar en la pesca para ganar algunas grivnias” (1), cuenta Serguei Akrei, un hombre bonachón que luce una gran sonrisa bajo sus bigotes, y que es tornero en KhersonMash desde hace diecisiete años. “Yo conseguí un puesto de sereno en un pequeño mercado que me deja 800 grivnias (menos de 80 euros) por mes”, afirma su colega Anatoly Marchenko, que lleva treinta y dos años en la fábrica, y parece más bien deprimido.

En febrero, cansados del silencio de la dirección, los obreros de KhersonMash decidieron reaccionar. Se lanzaron a la lucha ocupando la planta y reclamando sus salarios atrasados que llegaban a 5,5 millones de grivnias (500.000 euros). Luego, el 2 de marzo, trescientos empleados de la fábrica, junto a colegas de los astilleros y de la fábrica de papel, marcharon hasta la “Oblast”, la administración regional. Una vez allí, se instalaron en el hall y pidieron ver al jefe. “Ese movimiento tuvo un eco enorme, porque hoy en día en Ucrania el proletariado, en tanto clase social, prácticamente ha desaparecido, y no tiene la costumbre de manifestarse. Es demasiado débil para rebelarse”, explica Vladimir Korobov, sociólogo de la Universidad Técnica de Kherson.

Ese movimiento espontáneo se organizó por fuera de los “sindicatos de empresa” que, como en los tiempos de la URSS, siguen estando muy cerca de la patronal. Léonid Mencheniuk, uno de los líderes de la rebelión, precisó: “Todos somos miembros del sindicato de la fábrica. Pero, desde el principio, los dirigentes mantuvieron una actitud neutra. Tuvimos que arreglarnos solos, y tomar la iniciativa para que las cosas cambiasen”.

Ese “sindicato en la sombra”, así llamado por Mencheniuk, generó temor hasta en Kiev. Sucede que el descontento social aumenta en todo el país; la crisis preocupa a todas las capas de la población, desde los mineros de Donbass hasta los empleados de traje y corbata de la capital. El poder “naranja”, encarnado por el presidente Victor Iuchtchenko, y su ex aliada, la Primer ministro Iulia Timochenko, están en guerra abierta desde hace meses. Impotente para adoptar las medidas necesarias para contener la crisis, el gobierno teme un fenómeno de contagio.

Así fue que el 4 de marzo, la muy carismática jefa del Gobierno anunció que serían destinadas 12 millones de grivnias a la empresa para pagar los sueldos atrasados. De paso, Iulia Timochenko no se privó de denunciar a esos dueños de fábrica “criminales” que no pagan a sus empleados, ganándose así la simpatía de la población. En Kherson, el ambiente se calmó y las cámaras desaparecieron.

Despidos y precariedad laboral

Sin embargo, a pesar de las promesas, la situación se agravó en KhersonMash. “Nosotros recibimos una carta que anunciaba que el 19 de mayo seríamos despedidos”, protesta Tamara Baturaievitch, empleada desde hace 32 años. Y explica: “Por haber participado en las manifestaciones nos declararon, a partir de ahora, persona non grata en la fábrica. ¡Ni siquiera pudimos recuperar nuestros efectos personales!”. Así es que cada mañana, desde comienzos de marzo, cerca de un centenar de obreros se reúne frente a la sede de la Oblast para pedir explicaciones. Con la estatua de Lenin de fondo, los hombres y mujeres de Kherson gritan que quieren “trabajo y no dinero”, y hostigan al jefe de la administración regional para que de explicaciones.

Los que serán despedidos afirman que la crisis sirve de pretexto. “En tiempos de la URSS trabajábamos en esta fábrica 12.000 personas. Junto con los astilleros constituíamos el poder de Kherson”, recuerda Mencheniuk. “Luego todo comenzó a declinar. Hace dos años se produjeron varios despidos. Ya por entonces estuvimos sin cobrar durante meses. Un colega llegó a ahorcarse en su lugar de trabajo. En 2007 éramos sólo mil quinientos empleados. La tendencia es clara: quieren cerrar la fábrica y vender el terreno para hacer dinero. La crisis es una excusa”.

En esas antiguas ciudades comunistas, la fábrica era el corazón de la vida social. “El fin de semana íbamos a bañarnos al río con nuestros colegas, y en las vacaciones partíamos al hotel de de la fábrica, cerca del Mar Negro”, rememora Akrei. Teníamos hasta una pequeña clínica privada dentro del predio, especialmente para los obreros de KhersonMash. ¿Qué vamos a hacer si la fábrica desaparece?”.

Los notables locales minimizan la cuestión y prefieren elogiar la reactivación registrada en el astillero gracias a un importante contrato con un cliente extranjero. Boris Silenkov, el gobernador de la Oblast, admite: “Ciertamente, ese problema afecta a muchas familias y va a generar muchos despidos de golpe. Pero aún trabajan en la fábrica cerca de cuatrocientas personas y lanzamos un programa regional para comprar diez grandes cosechadoras a KhersonMash. Nosotros hacemos correctamente nuestro trabajo en la Oblast; las jubilaciones se pagan en fecha y contamos con un inversor de Kuwait que está dispuesto a poner nuevamente en marcha una antigua refinería cerca de Kherson. Esas personas de las que hablábamos van a encontrar otro tipo de trabajo”.

Bajo las ventanas del gobernador, Anatoly Marchenko lanza eslóganes que los manifestantes repiten. Entre los obreros ya nadie cree en las promesas: “Van a mandarnos a plantar cebollas, nada más. No hay más trabajo para personas de nuestra especialización, porque no hay otra fábrica como la nuestra en todo el país. Es absurdo, Ucrania es un gran país agrícola, ¡necesita las máquinas que nosotros fabricamos!”.

A pocos metros de allí se alza la Municipalidad. El adjunto del intendente Viatcheslav Yaremenko se muestra menos entusiasta que el gobernador: “La crisis tiene una parte de responsabilidad en este asunto, pero es una excusa de parte de los patrones. Esta situación también es el resultado de una privatización azarosa. Muchos querían quedarse con KhersonMash, pero nadie quería realmente invertir… Ahí está el resultado. Y puedo confirmarle que existen atrasos en los pagos de salarios, no sólo en KhersonMash sino también en las tres principales fábricas de la ciudad. Sobre una población activa de 126.000 personas, cerca de 4.000 perdieron su empleo en los últimos meses”. Según el sociólogo Vladimir Korobov, esa cifra es sólo la punta del iceberg: “El corazón industrial de Kherson no funciona. La producción se desaceleró en todas partes, y mucha gente ya no tiene trabajo. Aunque nadie puede dar cifras, ya que la doble contabilidad es aquí algo común, desde el Presidente al pequeño comerciante”. Efectivamente, la estadística es un ejercicio difícil en Ucrania, donde la falta de contrato y el salario en negro son a menudo la regla.

La agencia de empleo de Kherson funciona en un edificio flamante, con un falso parecido a los “Centros de empleo” franceses. Enfundada en un vestido negro abotonado, Svetlana Sherayeva, adjunta del director, alaba su sistema ultramoderno. Aquí tampoco se brinda ninguna cifra, sino simplemente una impresión: “La gran ola de desocupados fue en noviembre y diciembre pasados. Después, eso se estabilizó un poco. Pero con la crisis actual, la gente está muy asustada. Están dispuestos a hacer cualquier cosa; lo esencial es tener un puesto de trabajo, aunque el salario sea pagado más tarde”. Según la adjunta del director, el salario medio también bajó en Kherson, cayendo a 98 euros en abril, es decir, un 20% menos que en 2008, y apenas 40 euros más que el salario mínimo. Más allá de las grandes fábricas, la onda expansiva afectó a todos los sectores, golpeando muy duramente a una clase media embrionaria.

Natacha Chevchenko tiene 32 años. Su hermano trabaja en los astilleros navales y su primo en la fábrica de papel. Ambos se quejan por el atraso en el pago de los salarios, pero no lo hacen abiertamente por temor a perder el trabajo. La joven mujer de rostro cansado cuenta también sus propias dificultades. Hasta hace apenas unas semanas dirigía una agencia inmobiliaria. “El año pasado abrimos nuestra propia oficina junto a unos colegas”. Por entonces, tanto en el interior del país como en Kiev el precio de las propiedades había aumentado notablemente, en total desconexión con los ingresos de la mayor parte de la población. “En el verano de 2008 las ventas comenzaron a caer, y como en el otoño la cosa no mejoró, decidimos cerrar. En realidad, los bancos dejaron de dar créditos, y por lo tanto la gente ya no compra”.

Depresión económica

Así fue que el 40% de las agencias inmobiliarias de la ciudad quebraron, siguiendo el ritmo de la depresión económica y los despidos. “Hace un año estábamos en pleno crecimiento. La gente tomaba créditos para departamentos con tasas de interés del 14% (2), y sin exigencia de anticipo. Casi todos los créditos eran en dólares. Hoy en día, el monto del crédito se duplicó o se triplicó, y la gente ya no puede pagar los reembolsos”, explica Natacha Chevchenko.

Ante las primeras señales de la crisis, los ucranianos, que conservan en su memoria la vertiginosa devaluación de la grivnia a fines de la década de 1990, corrieron a los bancos a retirar sus ahorros y cambiarlos por divisas extranjeras. Ese fenómeno amplificó la devaluación de la moneda nacional, que perdió cerca del 40% de su valor respecto al dólar. Natacha Chevchenko explica: “El principal problema es que muchas personas no fueron oficialmente despedidas, sino que renunciaron… Eso evita a la empresa pagarle la indemnización correspondiente”. Sin ingresos, con créditos a pagar por el departamento, el auto o el lavarropas, los ucranianos rápidamente se vieron con la soga al cuello. “Antes de la crisis la vida parecía fácil en Kherson. Aunque la gente compraba a crédito, podía pagar. Pero era un espejismo”.

Andriy Dementrenko, con su gastada campera de cuero y una vieja mochila, está a mil leguas de distancia del ejecutivo seguro de sí mismo que se encuentra frecuentemente en la capital. Este hombre, aún joven, sentado en un banco del Parque Lenin, no tiene cuenta bancaria y jamás tomó un crédito. Prudente. Es, sin embargo, el director de una pequeña empresa de la ciudad, cuya casa matriz se halla en Kiev. Vende e instala carpintería de obra en PVC (policloruro de vinilo). Hoy en día, Andriy Dementrenko gana apenas mil grivnias (95 euros) y ya no puede pagarle a sus empleados: “Antes de la crisis las ventanas en PVC eran un buen negocio. Pero el Banco Nacional, viendo que todo el mundo corría a sacar su dinero, decidió congelar las cuentas. Por lo tanto, la gente dejó de hacer proyectos en sus casas, y nosotros no tenemos más trabajo”.

Andriy Dementrenko conoce muchas personas que ya no cobran sus salarios. “Las manifestaciones en KhersonMash son algo extremo. Es la única forma de sacudir a los patrones. Quienes ven eso tienen ganas de hacer lo mismo. Algunos hasta fueron a manifestar a Kiev, pensando que allá tendrían más peso”. Pero las grandes manifestaciones “sociales” que se desarrollan en la capital por ahora no convencen a nadie. Utilizadas y financiadas por el Partido de las Regiones, la principal fuerza de oposición, sirven sobre todo de tribuna a su líder, Victor Ianukovitch, en vista a las elecciones presidenciales que podrían tener lugar en octubre próximo.

Para muchos, sobrevivir es un trabajo a tiempo completo, ¿cómo arreglárselas sin salario, en un país donde el seguro de desempleo, que muy pocos tienen, no dura más de un año? En Kherson, la gente está volviendo a la tierra, imitando a esas babuchkas que suelen instalarse en las veredas para vender pepinos o tomates marinados. “Mi hija y mi esposa trabajan conmigo en KhersonMash. Los tres nos vamos a quedar sin trabajo. Para poder comer trabajamos la huerta y cultivamos legumbres”, explica Marchenko. Algunos se transforman en choferes de taxi para poder pagar las cuotas del auto comprado a crédito, otros alquilan su departamento a precio de liquidación, y vuelven a vivir con sus padres. Los jubilados, de por sí muy vulnerables a causa de sus bajas pensiones, a veces deben compartirla con sus hijos esperando que pase la tormenta. “Tengo la impresión de que la gente vuelve a centrarse en la familia y no hace más proyectos a largo plazo. Si uno piensa en vacaciones, es por uno o dos días como máximo” estima Natacha Chevchenko.

“Los ucranianos, sobre todo los de más edad, saben sufrir”, afirma Volodymyr, un joven activo y padre de familia. Ese fatalismo es ampliamente extendido en Kherson, donde la actual crisis económica recuerda otros momentos dolorosos de la historia reciente, de otras crisis, no menos brutales: la caída de la URSS, hace dieciocho años, y luego los daños causados por la independencia. La década siguiente se caracterizó por la rápida desaparición de la protección social del sistema comunista, reemplazada por un liberalismo desenfrenado a la occidental. Otra crisis, pero con idénticos síntomas: hiperinflación, congelamiento de salarios, devaluación de la moneda… O sea que los ucranianos están acostumbrados a la recesión. Para Vladimir Korobov “esta crisis afecta a los que habían comenzado a hacerse ilusiones, los que tenían un poco de dinero y se pusieron a consumir. Para los otros, no cambia gran cosa. En Kherson, mucha gente vive con retrasos crónicos en el pago de salarios desde hace quince años. Pero esta vez nadie entiende lo que pasa. Uno solamente se pregunta si la crisis será peor o menos fuerte que la de los noventa”.

Los obreros de KhersonMash, coléricos, piden la renacionalización urgente de la empresa, lo que a su entender es la única forma de volver a la normalidad. Hasta el adjunto del Intendente que, sin embargo, está afiliado al Partido de las Regiones, conocido por sus apoyos oligárquicos, aboga por la vuelta del Estado a la empresa. Discursos situados a años luz de la euforia de comienzos de los años 2000, cuando las privatizaciones y el liberalismo parecían ser la única garantía para el desarrollo del país.

En Ucrania, la “crisis del capitalismo” podría acabar con ciertos conglomerados industriales, mantenidos con vida como se pudo durante toda la transición, pero que tienen problemas para hallar su lugar en la economía globalizada. Kherson ya piensa en volver a concentrarse en los recursos concretos de su territorio, sus tierras agrícolas, aunque la baja en los precios de los alimentos no incita gran optimismo. “Lo último que se pierde es la esperanza”, dice un proverbio ucraniano. Los obreros de la ciudad, dispuestos a resistir ante la crisis, lo adoptaron como eslogan.

1 Moneda de Ucrania. 100 grivnias equivale a 9,4 euros.

2 La tasa de inflación era entonces del 20%. Hoy en día alcanza el 18%.