sábado, 29 de maio de 2010

RÜSEN, Jörn. Tipologia da Historiografia in _____. História Viva: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UNB, 2007, p. 55-67



P.59

A plenitude das mudanças temporais, que se rememora, é integrada numa determinação de sentido (direção), que remete a um futuro para além do momento presente e faz aparecerem como transitórias as circunstâncias atuais da vida. As expressões lingüísticas utilizadas para caracterizar esse direcionamento temporal, uma vez desvencilhadas das aparências de circularidade (grifo meu), provêm da experiência da natureza e referem-se a processos de mudança regrados, por isso mesmo significativos. A mais conhecida dessas expressões é "desenvolvimento", entrementes promovida ao plano de uma categoria histórica altamente eficaz. Ainda mais eficaz culturalmente do que essa categoria é a de progresso, que constitui o exemplo mais marcante da linha de raciocínio dessa representação do processo temporal."

P.60

Nas formas e nos topoi da constituição genética de sentido o saber histórico torna-se o meio de uma comunicação na qual o espectro da diversidade de seus sujeitos se expande qualitativamente, para além da submissão comum a sistemas de regras e princípios e para além da distinção crítica e contraposição entre eles. Os sujeitos que se comunicam podem perceber em si e nos outros, por intermédio da historiografia genética, as qualidades da alteridade, os modos do ser outro e utilizar essa percepção como chance de consolidação da identidade pelo reconhecimento.”

“Com outras palavras: o discurso histórico, pela memória histórica, abre aos sujeitos chances de individuação. Isso vale não somente para indivíduos isoladamente, mas também para grupos, sociedades, culturas inteiras. O sentido próprio, que cada sujeito tende a fazer valer em sua interação com os outros e que possibilita o surgimento do processo ou fenômeno da comunicação, reflete-se no sentido próprio dos demais e enriquece sua qualidade pelo mecanismo do reconhecimento mútuo. Isso não significa o desaparecimento da concorrência pelo predomínio de pretensões sociais de validade, que se manifesta na realidade cultural como comunicação. Ela apenas toma novas formas, adota novas estratégias.”


RÜSEN, Jörn. Tipologia da Historiografia in _____. História Viva: formas e funções do conhecimento histórico. Brasília: UNB, 2007, p. 55-67

sábado, 22 de maio de 2010

Fênix



"Existe outro pássaro sagrado, também, cujo nome é fênix. Eu mesmo nunca o vi, apenas figuras dele. O pássaro raramente vem ao Egito, uma vez a cada cinco séculos, como diz o povo de Heliópolis. É dito que a fênix vem quando seu pai morre. Se o retrato mostra verdadeiramente seu tamanho e aparência, sua plumagem é em parte dourado e em parte vermelho. É parecido com uma águia em sua forma e tamanho. O que dizem que este pássaro é capaz de fazer é incrível para mim. Voa da Arábia para o templo de Hélio (o Sol), dizem, ele encerra seu pai em um ovo de mirra e enterra-o no templo de Hélio. Isto é como dizem: primeiramente molda um ovo de mirra tão pesado quanto pode carregar, então abre cavidades no ovo e coloca os restos de seu pai nele, selando o ovo. E dizem, ele encerra o ovo no templo do Sol no Egito. Isto é o que se diz que este pássaro faz." – Heródoto, Histories, 2.73

"E a fênix, ele disse, é o pássaro que visita o Egito a cada cinco séculos, mas no resto do tempo ela voa até a Índia; e lá podem ser visto os raios de luz solar que brilham como ouro, em tamanho e aparência assemelha-se a uma águia; e senta-se em um ninho; que é feito por ele nas primaveras do Nilo. A história do Aigyptos sobre ele é testificada pelos indianos também, mas os últimos adicionam um toque a história, que a fênix enquanto é consumida pelo fogo em seu ninho canta canções de funeral para si" - Apolônio de Tiana, Life of Apollonius of Tyana 3.49

"Estas criaturas (outras raças de pássaros) todas descendem de seus primeiros, de outros de seu tipo. Mas um sozinho, um pássaro, renova e renasce dele mesmo - a Fênix da Assíria, que se alimenta não de sementes ou folhas verdes, mas de óleos de bálsamo e gotas de olíbano. Este pássaro, quando os cinco longos séculos de vida já se passaram, cria um ninho em uma palmeira elevada; e as linhas do ninho com cássia, mirra dourados e pedaços de canela, estabelecida lá, inflama-se, rodeada de perfumes, termina a extensão de sua vida. Então do corpo de seu pai renasce uma pequena Fênix, como se diz, para viver os mesmos longos anos. Quando o tempo reconstrói sua força ao poder de suportar seu próprio peso, levanta o ninho - o ninho que é berço seu e túmulo de seu pai - como imposição do amor e do dever, dessa palma alta e carrega-o através dos céus até alcançar a grande cidade do Sol (Heliópolis, no Egito), e perante as portas do sagrado templo do Sol, sepulta-o" - Ovídio, Metamorfoses 15.385

"Era do talhe de uma águia, mas os seus olhos eram tão suaves e ternos quanto os da águia são altivos e ameaçadores. Seu bico era cor-de-rosa e parecia ter algo da linda boca de Formosante. Seu pescoço reunia todas as cores do arco-íris, porém mais vivas e brilhantes. Em nuanças infinitas, brilhava-lhe o ouro na plumagem. Seus pés pareciam uma mescla de prata e púrpura; e a cauda dos belos pássaros que atrelaram depois ao carro de Juno não tinham comparação com a sua." A Princesa da Babilônia, Voltaire.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Amor


"o amor, é o domínio das condutas relacionais através das quais o outro surge como um legítimo outro em convivência com alguém".

filósofo chileno Humberto Maturana (2008, p. 29)

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Contrepoint


"Ninguém é responsável pelo seu nascimento, cada um é livre de escolher a morte, portanto de rejeitar o fardo que recebeu sem o ter pedido."

Personne n'est responsable de sa naissance, chacun est libre de choisir sa mort, donc de rejeter le fardeau qu'il a reçu sans l'avoir demandé.

- Raymond Aron in "Contrepoint", Edições 19-21 - Página 131, 1975



"O suicídio é admitir a morte no tempo certo e com liberdade."

- Friedrich Nietzsche

"O suicídio é a positivação máxima da vontade humana."

- Arthur Schopenhauer

"O suicídio é um ato de heroísmo."

- Séneca

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Você sabe por que as pessoas morrem?



Ao som de Strange Fruit - Billie Holiday

Augusto Patrini


Pergunto-me as razões para que mesmo estamos destinados ao nada e a morte, negamos admiti-lo. E, pois que de rebente, olhando para este mundo-rato, cheio de muros e solidão a resposta pareceu-me simples.

As pessoas e os seres desistem de viver. É quando, lentamente, o desencanto e a desilusão penetram-lhe no fundo de sua existência, que tudo começa – pois que essa dor de existir em um mundo sem amor e plenitude, penetra o fundo de cada ser, e o desapontamento, o desengano atingem cada célula, cada tecido, cada parte de seu corpo – fazendo que pouco a pouco a vida torne-se impossível. Envelhecer, talvez, seja amargurar nossas células, perder seus sonhos, aceitar a dor e essa in-comunicação inexorável de todos nós. Sentimo-nos desconectados do que existe, dos outros homens e animais, e nossos atos de vida desandam assim em destruição. É por isso que não há como não morrer, por que continuar a viver não tem nexo algum. Então é assim, somos crianças caminhando com afeto pelo mundo, criaturas sós, que pouco a pouco, somos esmagados e embrutecidos.

“Só por que contive meus crimes, me acho de amor inocente.”

Esta terra é violenta, triste, e melancólica, sem qualquer deus e redenção. Não há transcendência, baby. É por isso, que nós morremos, por que nossa vingança contra o mundo-rato é inexorável, e profunda, e nos enche de dor e ódio. Mesmo que contenhamos nossos crimes continuamos a viver a truculência do mundo, da luta, e deparamo-nos sempre com lixo, sangue e pequenos cacos de vidro – por todo lado – e isso diz lá no fundo de nós que não há redenção – e que apesar das belas rosas encarnadas – tudo é destruição, decadência e decomposição.

Nenhuma tristeza nisso, já que tudo é imanência. Talvez aceitar a morte, seja justamente exaltar a vida, compreender que a regeneração e a vitalidade está nessa falta de sentido, nesse caos transformador, nessa destruição que nos ressuscita.

É por isso que é preciso amar a vida mais que seu sentido. É por isso que somente a própria vida, pode nos redimir do mundo. Sem isso morremos em vida, e cada instantes somados, acumulados, tornam-se um fardo e um dia pesam em demasia. Assim, é, que tudo em silêncio para, e então é a morte mesma, viva e poderosa nos invade – e por fim, talvez, nos redime de toda dor, toda tristeza e melancolia, libertando-nos de nós mesmo e desse mundo-rato sem clemência e nem amor.