Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
Programa de Pós-graduação em História Social – Departamento História – LabTeo/ Núcleo de Estudos em História da Cultura Intelectual
Bolsista FAPESP
HARTOG, François. Evidencia da História: O que os historiadores vêem. Coleção História e Historiografia. Belo Horizonte: Editora Autentica: 2011.
No ano de 2005 François Hartog lançou na França o Livro “Évidence de l´Histoire: Ce que voient les historiens”. Como indica o título, o livro pretende discutir o statut da escrita histórica, a figura do historiador, e a problemática da dúvida na produção historiográfica – interrogando-se sobre textos antigos e modernos – do mediterrâneo antigo a França do fim do século XX. No âmago do livro está a questão das évidences da história. Os capítulos podem ser lidos como artigos separados, entretanto a questão da evidência histórica percorre como linha todo o livro.
Para entender as questões debatidas neste livro basta lembrar-nos do que escrevia já anteriormente o autor:
"Eu entendo por regimes de historicidade os diferentes modos de articulação das categorias de presente, passado e do futuro. Conforme a ênfase seja colocada sobre o passado, o futuro ou o presente, a ordem do tempo, com efeito, não é a mesma. O regime de historicidade não é uma realidade acabada, mas um instrumento heurístico".
Essa discussão feita pelo autor francês agora é acessível aos brasileiros, depois de seis anos de espera, finalmente uma editora brasileira publica o livro. Poderíamos aqui discutir as limitações do mercado editorial historiográfico brasileiro, entretanto este não é o objetivo desta resenha. Editado pela editora Autência na coleção História e Historiografia, o livro tem o nome em português: “Evidência da História: O que os Historiadores vêem”.
Dividido em duas partes: “Ver a antiguidade” – introduzida com uma reflexão sobre memória e história e sobre as evidências históricas no período, discute o fazer do texto histórico na antiguidade, Políbio, Heródoto, Tucídites, Oradores. Já a segunda parte, “Evidências nos Tempos Modernos”, um debate com historiadores modernos e contemporâneos (e antropólogos), e sobre as formas de se compreender e escrever a história, é introduzida por uma reflexão sobre o “olhar do Historiador e a voz história”.
Hartog reconhece que a constituição do passado pelo historiador está, indubitavelmente, ligada as visões do presente, por isso articula vários tipos e tempos historiográficos, evidenciando uma pluralidade de “regimes de historicidade”. O livro é um questionamento sobre essa pluralidade, usa como guia a visão que os vários “historiadores” têm sobre seus objetos, e reflete sobre as várias formas de se fazer e compreender a história. Talvez o tema principal, seja justamente a invenção do “ponto de vista” ou seja, o autor pretende demonstrar que cada sociedade e época estabelece sua relação com o Tempo e com o Passado. Trata-se também de identificar e refletir sobre essas formas diferentes de relação com o tempo - em períodos e historiografias diferentes - evidenciando que uma homogeneização da historiografia e da História é impossível. Como dizia Braudel: “O historiador nunca se evade do tempo da história: o tempo adere ao seu pensamento como a terra à pá do jardineiro.”
Trata-se, quem sabe, de lembrar, em tempos de crise de paradigmas que a História não é algo dado, pronto ou acabado, mas que também não é algo “entre a ficção e a ciência”, descolado do real ou pura linguagem. O autor reafirma, em vários momentos, que, para se fazer história, desde o advento da modernidade, é preciso que o historiador disponha de “evidências”, índices ou os chamados vestígios. O discurso histórico não é algo que vem pronto, mas algo que é construído ou elaborado pelo historiador, por meio de uma metodologia especifica, usando esses traços do passado; existentes e concretos no presente (evidências).
Entretanto, como Hartog deixa claro, essa busca por evidências do passado nem sempre foi regra na história. Por exemplo, alguns dos antigos, faziam dela uma busca pela verdade, mas ainda situada entre o mito e a epopéia. Assim, nem mesmo a própria História da história é algo liso, único, e permanente, mas extremamente plural e diverso, dependendo de seu tempo e cultura.
“A primeira maneira, entre outras, de questionar a evidência consiste em recuarmos a montante, em direção das primeiras escolhas, em épocas justamente em que a história não era (ainda) uma evidência.”(p. 13) (...) Quando, na seqüência, a história se torna cada vez menos uma investigação no sentido herodotiano, e cada vez mais a narrativa do que aconteceu, quando a formulação em narrativa ocupa o primeiro lugar, a questão da evidência se desloca do ver para fazer ver. Preocupado, antes de tudo, não em relação ao que dizer – os fatos existem-, mas ao como (a maneira de dizer), o historiador tem neste caso, de lidar com o enargeia do orador, que, entrementes, se tornou um conceito operatório.”(p. 14)
O livro empreende diversas reflexões sobre o “problema” evidência, a partir dos antigos, percorrendo a modernidade, refletindo sobre o “desafio estruturalista” para finalmente abordar nos últimos capítulos, já no século XX, o “desafio narrativista”. Um epílogo breve reflete sobre os escritos de Michel de Certeau, na medida em que este “não se satisfazia com um regime fragmentada, nem com um regime de suspeita generalizada.” (REVEL, 1991, P. 114)
Trata-se de uma boa reflexão metodológica e teórica, ideal para tempos de questionamentos de paradigmas.