quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Carta Aberta a Prefeitura de #Lorena




Lorena, 04 de novembro de 2013.

Assunto: Reclamação Rua Antonino Rosa Júnior


Exmo(s). Senhor (es),

Sou jornalista, historiador e professor. Recentemente, no mês de junho mudei-me de São Paulo para Lorena (depois de dez anos vivendo nesta capital) acreditando que aqui, gozando da boa qualidade de vida e tranquilidade que a cidade oferece, poderia melhor dar continuidade às minhas pesquisas em História Social, realizadas no âmbito da Universidade de São Paulo. Escolhi como minha residência uma rua próximo ao centro da cidade por entender que a grande oferta de serviços e a proximidade com o centro seriam-me de grande utilidade. A casa que aluguei situada na Rua Antonino Rosa Júnior pareceu-me ideal para meu escritório e minha biblioteca, e muito agradável por contar inclusive com uma varanda. Eu estava satisfeito com minha escolha, com a mudança de cidade, que inclusive me beneficiou com maior agilidade em minhas pesquisas. Entretanto no último mês de outubro, fui informado que haveria a mudança no fluxo de trânsito de carros na rua Comendador Custódio Vieira (rua comercial perpendicular a minha rua), e que duas quadras desta rua passariam a ter apenas uma mão. Estranhei essa mudança já que o impacto da mudança me parecia pouco significativo. Quando a mudança finalmente aconteceu, percebi que para meu espanto o fluxo do trânsito intenso da rua Comendador Custódio Vieira foi todo direcionado para a minha rua, que antes tranquila (por ser apenas residencial) passou a ter um trânsito intenso, com poluição sonora e fuligem proveniente dos carros e caminhões. Por ser inclusive uma rua de paralelepípedos agora somos submetidos a um barulho constante de carros além de uma grande trepidação que sacode janelas e vidros. 

Diante deste fato, gostaria de comunicar que a decisão talvez bem intencionada de melhorar o fluxo de carros na rua Comendador Custódio trouxe grande impacto a vida e ao bem-estar dos moradores da Rua Antonino Rosa Júnior, e ruas adjacentes, que agora são submetidos a uma barulho constante - que comprovadamente possuem consequências graves para saúde - e a poluição sonora e atmosférica. Já conversei com vários vizinhos e os impactos negativos vão desde dificuldade para dormir, nervosismo, vidros trincados - e no meu caso particular, dificuldades para me concentrar e dedicar-me ao meu trabalho. Inclusive o problema é agravado pelo fato que os motoristas passam na rua em grande velocidade, colocando em risco as crianças da vizinhança que costumavam brincar na rua. O impacto de uma mudança aparentemente simples causou um grande impacto negativo na vida de centenas de pessoas. 

Considero que a mudança no trânsito na Rua Comendador Custódio não foi significativa ao ponto de justificar tantos problemas causados aos moradores da Rua Antonino Rosa Júnior, e para as ruas adjacentes. Penso, mesmo, assim como outros cidadãos da região, que a mudança foi totalmente inútil. Além disso, considero que pelo fato de que ninguém foi consultado a mudança deu-se de forma autoritária constituindo um verdadeiro desrespeito aos cidadãos. Considero que uma cidade moderna e com uma gestão eficiente deve priorizar o bem-estar de seus cidadãos, e que como indicam as ultimas pesquisas em gestão urbana a mobilidade urbana deve estar pautada em transporte público e transporte sustentáveis como bicicletas etc. Priorizar o sistema individual motorizado é uma atitude pouco eficiente, contraproducente, e que traz um impacto negativo importante aos cidadãos (aqueles não motorizados como também para os motorizados.).(Como pode ser visto por exemplo aqui. )

Assim sendo gostaria de pedir providências para que resolvam o problema de centenas de cidadãos e moradores que não podem ter o seus direitos a paz e tranquilidade negados somente para que duas quadras de uma rua comercial tenham um melhor fluxo de automóveis. 


Sem mais,

Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
historiador, jornalista e professor

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Por que o PT fracassou? Resposta a Emir Sader



Por Bernardo Corrêa em 06 de novembro de 2013

O Sr. Emir Sader desde a chegada do PT ao governo do Brasil tem se dedicado a defender o lulismo pela esquerda e da esquerda. De maneira habilidosa e, muitas vezes cínica, em sua análise justificativa as políticas de caráter liberal e pró-sistêmicas são colocadas como “necessárias” frente à herança neoliberal. As políticas sociais focalizadas são envernizadas de um vermelho ofuscante que esconde a ausência de medidas estruturais que ataquem a raiz da desigualdade social brasileira na política econômica do PT.
Recentemente lançou um artigo sinuoso intitulado Por que a extrema esquerda fracassouno qual sustenta que a “extrema” esquerda latino-americana tem sido denuncista e estaria isolada tendo como inimigos fundamentais os governos “progressistas” da América Latina, em especial no Brasil. Sua tese está assentada em três pilares: a) A conjuntura é desfavorável, marcada pela herança do neoliberalismo, logo a tarefa central da esquerda seria a luta antineoliberal; b) O governo do PT seria parte de um bloco antineoliberal no continente, criticá-lo seria fazer o jogo da direita; c) a política do PSOL (e da extrema esquerda) seria essencialmente moralista, sem um projeto alternativo e seu sucesso deve ser medido pelo termômetro eleitoral.
Em primeiro lugar, cabe fazer a diferenciação (que o Sr. Sader faz questão de não fazer) entre os governos da América Latina, produtos de situações distintas, com evoluções distintas e com direções políticas distintas. Para Sader, Venezuela, Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador e Brasil são produtos da mesma motivação antineoliberal o que temos acordo, no entanto, para nós as respostas dadas e os blocos de poder constituídos são absolutamente opostos em algumas comparações.
Se compararmos a postura do governo brasileiro frente às oligarquias agrárias e o governo venezuelano, por exemplo, veremos que enquanto Chávez editou a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário em dezembro de 2001 e apoiou-se na mobilização popular para derrotar o golpe que as oligarquias tentaram lhe impor em abril de 2002, Lula nomeou, no primeiro ano de seu mandato, um representante do latifúndio brasileiro, Roberto Rodrigues, para ser Ministro da Agricultura. Mais que isso, aliou-se política e economicamente às principais representações das oligarquias brasileiras como Sarney, Renan Calheiros e Collor de Mello para implantar um modelo de desenvolvimento agro-exportador de commodities no qual o agronegócio é o eixo. Não houve golpe, assim como não houve nenhum enfrentamento à concentração de terras no Brasil.
Declarações recentes do Movimento Sem Terra (MST) revelam ainda que a presidente Dilma não desapropriou nenhuma área para Reforma Agrária em 2013. Segundo a direção nacional do movimento “em 2010, prestes a deixar o Palácio do Planalto, o então presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva assinou 158 decretos de desapropriação de imóveis rurais. No ano seguinte, a afilhada política dele baixou a marca para 58. Em 2012, ela manteve o freio e reduziu para 28 decretos”. Esta é a realidade concreta em que estamos.
Podemos ir mais longe e perguntar: por que não foi enfrentada a dívida pública no Brasil como no Equador? Será que faz parte da luta antineoliberal entregar quase metade do orçamento da União aos serviços da dívida, financiando os banqueiros sem sequer auditá-la? Ou por que os indígenas estão sendo expulsos de suas terras no Brasil para viabilizar grandes obras de altíssimo impacto ambiental enquanto na Bolívia os povos originários decretaram seu Estado Plurinacional?
Muito mais parecidos estão Brasil e Argentina em sua política, mas nas eleições recentes da Argentina, na qual a “extrema” esquerda teve um crescimento importante, Emir Sader prefere não falar. Fala dos elementos progressivos da política externa do governo brasileiro (reconhecidos pelo PSOL, como no caso de Honduras), mas cala sobre a exportação dos interesses econômicos de construtoras como Odebrecht e Camargo Correa para os países mais pobres da América Latina, atuando como defensor internacional dos interesses da burguesia nacional. Cala também sobre a exportação da política “light” do PT e do Foro de São Paulo a Ollanta Humala no Peru, retirando o conteúdo de enfrentamento tão necessário àquele país, para garantir um ambiente de estabilidade para os grandes negócios capitalistas na região. Esconde propositalmente que quando Chávez e o povo venezuelano derrotaram o golpe da direita, o PT não quis trazê-lo ao Fórum Social Mundial em 2003. Aliás, Chávez naquela ocasião foi a Porto Alegre por convite da então Deputada Federal Luciana Genro e dos “radicais do PT”, futuros dirigentes do PSOL. Lula foi a Davos dar conselhos aos organismos multilaterais do capital.
Sader rapidamente responderia, não foi possível apresentar medidas anticapitalistas, pois a conjuntura era desfavorável e talvez o Brasil fosse o mais desmobilizado dos países citados. Mas o que dizer após as Jornadas de Junho? Por que o governo petista não apresentou nenhuma medida de caráter mais estrutural após os grandes levantes que sacudiram o Brasil? Enquanto o movimento nas ruas exigia “saúde e educação padrão FIFA”, o PT dedicou-se a propalar a falácia de que se tratava de um “golpe da direita”. Enquanto a população, indignada pela deterioração dos serviços públicos começada por FHC e seguida pelo lulismo, estava nas ruas exigindo uma transformação das instituições políticas rumo a uma democracia real, o governo do PT através de seu Ministro da Justiça, oferecia a Força Nacional para endossar a política de repressão e criminalização de governos neoliberais como o de Alckimin em São Paulo e Cabral no Rio de Janeiro. Quem faz o jogo da direita? Em que armadilhas caiu o PT? Será que estamos presenciando o resultado da conversão transformista que o transformou em partido da ordem?
Nossa hipótese é que sim. Por isso, a política anticorrupção nada tem de moralista, pois a corrupção é o mecanismo de imbricação dos interesses econômicos e políticos. Não à toa, o “mensalão” foi uma operação para aprovar uma reforma da previdência de cariz absolutamente neoliberal, favorecendo aos fundos de pensão (incluindo alguns com participação de dirigentes do PT), um dos mecanismos mais perversos do mercado financeiro, ainda mais quando se trata de dinheiro destinado às aposentadorias dos trabalhadores. Foi, ainda, o mecanismo de constituição da base governista no Congresso Nacional. Como sabemos, há muitos deputados à venda na base dos partidos, e o PT – para garantir uma governabilidade cômoda e inofensiva aos interesses do capital – aceitou comprar. Este é o papel de um partido que em seu manifesto inicial dizia-se nascer “da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política”? Não à toa o PSOL começou a nascer naquele episódio.
Por último, o Sr. Emir Sader decreta o “fracasso da extrema esquerda” pelos índices eleitorais, aos moldes da velha tradição social-democrata, que confunde força eleitoral com maioria social. O critério de análise fundamental que Sader, capturado pela acomodação petista esquece, é que o Estado Burguês legitima sua dominação com as eleições e não acaba com ela por esta via. Apesar de o PSOL ter crescido muito eleitoralmente desde sua fundação, é a luta de classes que define os rumos da dominação política e econômica e, portanto, o desenvolvimento de alternativas de esquerda, combativas com vocação para a transformação social, aliás, como foi o nascimento do PT nos anos 80.
Agora, a luta de classes esquentou no Brasil, grandes mobilizações exigiram mudanças mais profundas e como respondeu o governo “progresssita” do PT? Defendendo a ordem e os negócios daqueles que além de aliados políticos se tornaram financiadores de campanha. Viraram até mesmo “exemplos bem-sucedidos a ser seguidos”, como nas palavras de Dilma referindo-se a Eike Batista.
O verdadeiro bloco de poder no Brasil, sustentado e promovido pelo PT, tem hegemonia da classe dominante e nenhuma luta por parte do PT em seu interior para impor os interesses da maioria do povo. Se for verdade que o governo progressista brasileiro, como se refere Sader, foi produto de uma onda de descontentamento e esperança de mudanças, depois de privatizar, corromper, terceirizar e legitimar a repressão, quem realmente fracassou em seus objetivos?
Bernardo Corrêa é sociólogo da Fundação Lauro Campos e presidente do PSOL Porto Alegre.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

A saída do Capitalismo já começou


Introdução de André Gorz[1] ao Manifesto Utopia: “Mas então, disse Alice, se o mundo não tem nenhum sentido, o que nos impede de inventar um?”
Editora Paragon/Vs

Traduzido do francês por Augusto Patrini[2]



André Gorz

A questão da saída do capitalismo nunca deixou de ser atual. Ela está colocada em termos e com uma urgência radicalmente novos. Por seu desenvolvimento mesmo, o capitalismo atingiu um limite tanto interno como que externo, que ele é incapaz de ultrapassar, e que o torna um sistema morto vivo, que sobrevive se camuflando por subterfúgios a crise de suas categorias fundamentais: o trabalho, o mérito, e o capital.
Esta crise do sistema tem como fato marcante que a massa dos capitais acumulados não é mais capaz de se valorizar pelo crescimento da produção e pela ampliação do mercado. A produção não é mais o bastante lucrativa para poder valorizar os investimentos produtivos adicionais. Os investimentos de produtividade por meio da qual cada empresa tenta restaurar seu nível de lucro têm como efeito a liberação de formas de consumo assassinas que se traduzem, entre outros efeitos, pela redução competitiva dos efetivos, terceirização, desalocação e precarização dos empregos, a baixa das remunerações, e assim, em escala macro-econômica, a baixa do volume de trabalho produtor de mais-valia, e a baixa do poder de compra. Ora, quanto menos as empresas empregam trabalho e cada vez mais taxa de capital fixo por trabalhador é substancial, maior é a taxa de exploração, quer dizer de sobre-trabalho e sobre valorização produzida por cada trabalhador deve ser mais elevada. Há nesta elevação um limite que não pode ser indefinidamente recuada, mesmo se as empresas se transfiram para a China, para as Filipinas ou para o Sudão.
Os números atestam que este limite já foi atingido. A acumulação produtiva de capital produtivo não para de regredir. Nos Estados-Unidos, as 500 firmas do índice Standard & Poor´s dispõem, em média, de 631 bilhões de reservas liquidas, a metade dos benefícios das empresas americanas provêm de operações nos mercados financeiros. Na França, o investimento produtivo das empresas do CAC 40 não aumentam, mesmo quando seus benefícios explodem. A impossibilidade de valorizar os capitais acumulados pela produção do trabalho explica o desenvolvimento de uma economia fictícia fundada na valorização de capitais fictícios. Para evitaruma resseção que desvalorizaria o capital excedente (sobre-acumulado), os poderes financeiros habituaram-se a incitar os consumidores ao endividamento, a consumir sua renda futura, seus ganhos financeiros futuros, a alta futura de seus imóveis, enquanto que a Bolsa capitaliza primeiro o crescimento futuro, os lucros futuros das empresas, as compras futuras dos consumidores, os ganhos que fariam os cortes e as reestruturações impostas pelos LBO[3], das empresas que ainda não tenham colocado em prática a precarização, a super-exploração e a terceirização do seu pessoal.
O valor fictício (das Bolsas) dos ativos financeiros dobrou em um espaço de tempo de aproximadamente seis anos, passando de 80 000 à 160 000 bilhões de dólares (ou seja, três vezes o PIB mundial), criando para os Estados-Unidos um crescimento econômico fundado no endividamento interior e exterior, o qual cria em seus domínios uma liquidez da economia mundial e o crescimento da China, dos países vizinhos, e por efeito colateral, da Europa.
A economia real tornou-se um apêndice das bolhas financeiras. É necessário, imperativamente, um novo fluxo de capital para a bolha financeira não exploda – e uma alta continua do preço imobiliário para que não destrua-se a bolha dos certificados de investimentos imobiliários por meio da qual os bancos atraíram poupança dos indivíduos prometendo-lhes mil maravilhas – pois a explosão destas bolhas ameaçaria o sistema bancário com falências em cascata, e a economia real de uma depressão prolongada (a depressão japonesa dura quinze anos). “ Nós caminhamos na beira de um abismo”, escrevia Robert Benton. Aí está, por que, nenhum Estado ousa tomar para si o risco de se alienar ou de inquietar os poderes financeiros. Não há nada a esperar de decisivo dos Estados nacionais que, em nome do imperativo da competitividade, abdicaram passo à passo no curso dos últimos trinta anos aos seus poderes para entregá-los a um quasi-Estado supranacional que impõe leis feitas sob medida para o benefício do capital financeiro mundial, de que ele é a emanação. Estas leis, promulgadas pela OMC, OCDE, FMI impões na fase atual o “tudo-é-mercadoria”, quer dizer a privatização dos serviços públicos, o desmantelamento da proteção social, a monetarização dos magros restos das relações não comerciais. Tudo acontece como se o capital, após ter ganho a guerra que ele decretou a classe operária em meados dos anos setenta, tratasse de eliminar todas relações sociais que não sejam relações comprador/vendedor, quer dizer aquelas que não reduzem os indivíduos em seres consumidores de mercadorias e vendedores de seu trabalho ou de outra “prestação de serviço” considerada como “trabalho”, independentemente do pouco que ela seja tarifada. O “todos-somos-comerciantes”, o “tudo-é-mercadoria” como formas exclusivas de relação social, seguidas da liquidação completa da sociedade, o que Margaret Thatcher tinha anunciado como projeto. O totalitarismo do mercado se explicitou como estrategia de dominação. Desde então que a globalização do capital e dos mercados, e a ferocidade da concorrência entre capitais particulares exigiam que o estado não fosse mais o garantidor da reprodução da sociedade, mas garantidor da competitividade das empresas, suas margens de manobra em matéria de política social estando condenadas a diminuir, os custos sociais eram denunciados como estorvos a livre concorrência, e entrave para a competitividade, o financiamento publico deveria ser então aliviado pela privatização.
O “todos-somos-comerciantes” desferia ataques ao que os britânicos chamam de commons e os alemães de Gemeinwesen, quer dizer a existência de bens comuns indivisíveis, inalienáveis, inconfiscáveis, incondicionavelmente acessível a todos. Contra a a privatização dos bens comuns, os indivíduos têm a tendência em reagir com ações comuns, unidas por apenas um objetivo. O Estado tem a tendencia de impedir, e em muitos casos impedir e reprimir esta união de todos, cada vez mais rigidamente, que agora ele não possui mais margens suficientes para apaziguar as massas pauperizadas, precarizadas, despojadas de direitos adquiridos. Cada vez mais sua dominação torna-se mais precária, mais as resistências populares ameaçam de se radicalizar, e mais a repressão é acompanhada por políticas que direcionam os indivíduos, uns contra os outros e designam os bodes expiatórios sobre os quais concentrar seu ódio.
Se percebemos-se o espírito deste senário, os programas, os discursos e os conflitos que ocupam o centro da cena política parecem derisórios e deslocados em relação ao mecanismos da realidade. As promessas e os objetivos colocados como prioritários pelos governantes e pelos partidos aparecem como diversões irreais, que mascaram o fato que o capitalismo não oferece nenhuma perspectiva, se não aquela de uma degradação continua das condições de vida, do agravamento da crise, passando por degradações econômicas cada vez mais longas, com curto e fracos períodos de recuperação. Não há nenhum “melhor” a ser esperado, se julgamos o melhor segundo os critérios habituais: não haverá “desenvolvimento” sob a forma do aumento do emprego, do salário e da segurança social. Não haverá mais “crescimento” de cujos os frutos possam ser socialmente redistribuídos e utilizados para um programa de transformações sociais que transcendam os limites e a lógica do capitalismo
A esperança colocada, há quarenta anos, nas “reformas revolucionárias” que nasceram do interior do sistema sob pressão das lutas sindicais, que acabaram por transferir para a classe operária os poderes arrancados do capital, esta esperança não existe mais. A produção necessita cada vez menos de trabalho, e distribui cada vez menos poder de compra com cada vez menos ativos; elas não são mais concentradas em grandes indústrias, e nem lá mais se concentra a força de trabalho. O emprego é cada vez mais descontinuo, disperso em prestadores de serviço externo, sem contato entre eles, com um contrato comercial em vez de um contrato de trabalho. As promessas e os programas de “retorno” ao pleno emprego são miragens cuja a função é somente manter o imaginário salarial e comercial, quer dizer, a idéia que o trabalho deve necessariamente ser vendido a um empregador e os bens de subsistência comprados com o dinheiro ganho; de outra forma dito: que não há salvação fora da submissão as necessidades do consumo de mercadorias; que não há vida, não há sociedade além da sociedade da mercadoria e do trabalho mercantil, além e fora do capitalismo.
O imaginário comercial e o reino da mercadoria impedem a qualquer um imaginar a possibilidade de sair do capitalismo, e impedem conseqüentemente o “querer sair”. Também há tanto tempo que permanecemos prisioneiros do imaginário salarial e mercantil, que o anticapitalismo e a referência de uma sociedade além do capitalismo torna-se abstratamente utópica, e as lutas sociais contra as políticas do capital permaneceram lutas defensivas que, no melhor dos casos, poderão frear, mas não impedir a deterioração das condições de vida.
A “reestruturação ecológica” somente vai agravar a crise do sistema. É impossível evitar uma catástrofe climática sem romper radicalmente com os métodos e a lógica econômica que são empregados há 150 anos. Se prolongamos a tendência atual, o PIB mundial será multiplicado pelo fator 3 ou 4 no ano 2050. Ora, segundo o relatório do Conselho sobre o Clima da ONU, as emissões de CO2 deverão diminuir em 85% até esta data para limitar o reaquecimento climático em 2o C, as conseqüências serão irreversíveis, e não controláveis.
A desaceleração é então um imperativo de sobrevivência. Mas ela supõe uma outra economia, um outro estilo de vida, uma outra civilização, outras relações sociais. Em sua falta, a desaceleração corre o risco de ser imposta a força, com restrições, racionamentos, e alocações de fontes características de um socialismo de guerra. A saída do capitalismo se imporá então de uma forma ou de outra. A reprodução do sistema é assombrada ao mesmo tempo por seus limites internos e externos engendrados pela pilhagem e pela destruição de uma das duas “principais fontes de onde provêm toda riqueza”: a terra. A saída do capitalismo já começou sem que ainda se tenha desejado-a conscientemente. A questão é então somente com que forma e com que cadência ela vai acontecer.
A instauração de um socialismo de guerra, ditatorial, centralizador, tecnocrático, seria uma conclusão lógica, somos tentados a dizer “normal” - de uma civilização capitalista que na preocupação de valorizar massas crescentes de capital, procedeu ao que Marcuse chama de “dessublimação repressiva”, quer dizer a repressão das “necessidades superiores”, para criar metodicamente necessidades crescentes de consumo individual, sem se preocupar com as condições de sua satisfação. Ela é aludida desde o começo da questão que está na origem das sociedades: a questão entre a relação das necessidades e as condições que tornam sua satisfação possível: a questão é a forma como gerenciar os recursos limitados de maneira que eles sejam suficientemente duráveis para cobrir a necessidade de todos; e inversamente a procura por um acordo geral sobre o que será suficiente para cada um, de maneira que as necessidades correspondam aos recursos disponíveis.
Nós chegamos então ao ponto onde as condições não existem mais para permitir a satisfação das necessidades que o capitalismo nos deu, inventou, impôs, persuadiu a ter, para poder fazer escoar as mercadorias que ele nos ensinou a desejar. Para nos ensinar a renunciar a isto, a eco-ditadura parece a muitos ser o caminho, o mais curto. Ela seria a preferência daqueles que sustentam o capitalismo e o mercado para apenas serem capazes de criar e redistribuir as riquezas, e que preveria uma reconstituição do capitalismo sob novas bases depois das catástrofes ecológicas tenham recolocado o “medidor” no zero, provocando o anulamento das dividas, e do crédito.
Portanto uma via totalmente diferente é possível. Ela leva a uma extinção do mercado e do salariado pelo desenvolvimento da auto-produção, da disponibilização comum, da gratuidade. Encontramos os exploradores e os pesquisadores desta via nos movimentos dos softwares livres, da rede livre (freenet), da cultura livre que com licença CC (Créative Communs) torna livre ( e livre: free em inglês, ao mesmo tempo, significa acessível, utilizável por todos, e gratuito) do conjunto dos bens comuns culturais – conhecimentos, programas, textos, musicas, filmes, etc – reproduzíveis em um número ilimitado de cópias por um custo negligenciável. O passo seguinte seria logicamente a produção “livre” de toda vida social, começando-se por subtrair do capitalismo certos flancos suscetíveis de serem auto-produzidos localmente por cooperativas comunais. Este gênero de subtração da esfera mercantil é compreendida por bens culturais onde ela foi batizada de “auto-cooperating”, um exemplo clássico é a Wikipedia que está em processo de “auto-cooperar” a Enciclopédia Britânica. A extensão deste modelo aos bens materiais tornou-se cada vez mais fraca graças a baixa dos meios de produção e a difusão dos saberes técnicos requisitados para a sua utilização. A difusão de competências informáticas, que fazem parte da “cultura do cotidiano” sem terem sido ensinadas, é um exemplo entre tantos outros. A invenção dos fabbers, também chamados digital fabricators ou factories in a box – trata-se de uma espécie de ateliês flexíveis transportáveis e instaláveis em qualquer lugar – obra da auto-produção local, com possibilidades preticamente ilimitadas.
Produzir aquilo que nós consumimos e consumir aquilo que nos produzimos é a via real da saída do mercado: ela nos permitiria perguntar-nos de que realmente temos necessidade, e em que quantidade e em qual qualidade, e de redefinir pela concertação tendo em conta o meio-ambiente e as matérias primas, a norma do suficiente que a economia de mercado tenta de toda forma abolir. A auto-redução do consumo, sua auto-limitação – o self-restreint – e a possibilidade de reencontrar o poder sobre nossa forma de viver, passam por isso.
É mais provável que os melhores exemplo de praticas alternativas de ruptura com o capitalismo nos venham do sul do planeta, julgando-se a criação no Brasil nas favelas mas não somente das “novas cooperativas” e dos “pontos de cultura”. Claudio Prado, que dirige o departamento da “cultura numérica” no ministério da Cultura, declarou recentemente: “O “job” é uma espécie em via de extinção... Nós esperamos pular essa fase sem valor do século XX para passar diretamente do século XIX para o século XXI.” A auto-produção e a reciclagem de computadores, por exemplo, são sustentadas pelo governo: Trata-se de favorizar “a apreciação das tecnologias pelo usuário dentro do objetivo da transformação social”. Tão bem, que três quertos de todos os computadores produzidos no Brasil em 2004/5 foram autoproduzidos.
Setembro 2007



[1] André Gorz, nascido Gerhard Hirsch, (Viena, fevereiro de 1923 — Vosnon, 22 de setembro de 2007) foi um filósofo austro-francês, também conhecido pelo pseudônimo Michel Bosquet.
Como jornalista, ajudou a fundar em 1964 o semanário Le Nouvel Observateur. Apoiador de Sartre na versão existencialista do marxismo depois da guerra, rompeu com ele após o Maio de 68. Passou a se interessar por ecologia política e tornou-se um de seus principais teóricos. Seu tema central foi o trabalho: liberação do trabalho, justa distribuição de trabalho, trabalho alienado, etc. Ele também defendeu a Renda Básica de Garantia (ou Renda básica de cidadania), que tem no Senador Eduardo M. Suplicy seu principal defensor no Brasil.
Autor da obra "Metamorfoses do Trabalho", na qual analisa, entre outras questões, a relação do Cálculo Contábil com a Racionalidade Econômica.
André Gorz cometeu sui
cídio no dia 24 de Setembro de 2007, aos 84 anos, porque sua mulher, Doriane, estava acometida de doença incurável, e segundo o próprio Gorz, não seria possível para ele viver um segundo sequer nesse mundo sem a presença e a companhia de sua amada.
[2] Augusto Patrini, tradutor: apatrini@terra.com.br
(11) 79851918
[3] Um leveraged buyout (LBO), também conhecido como highly-leveraged transaction, refere-se a uma transação onde um se adquire o controle acionário de empresa e uma parcela signifcativa do pagamento é financiado através de dívida.Esta estratégia normalmente passa por criar um veículo (empresa) com relativamente pouco capital que procede à compra da empresa alvo endividando-se pelo montante da compra. De seguida, após a aquisição, o veículo e a empresa alvo são fundidos numa só empresa, pelo que na prática a empresa adquirida acaba por assumir a dívida usada para a comprar, e o investimento total dos compradores, muitas vezes firmas de Private Equity, se resume ao capital do veículo, um montante muito inferior ao custo da compra da empresa alvo; são usuais rácios de 30% equity/70% dívida, mas na prática esta distribuição pode chegar até próxima de 0% equity/100% dívida.