segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Junto a um morto

Foto: Diego Moschkovich

Junto a um morto[1]

Guy de Maupassant

Tradução Augusto Patrini Menna Barreto Gomes

Ele estava morrendo, como morrem os cardíacos. Eu o via todos os dias se sentar, por volta das duas horas, sob as janelas do hotel, na frente do mar tranqüilo. Ele permanecia por algum tempo imóvel no calor do sol, contemplando com olhos mornos o mediterrâneo. As vezes ele dirigia seus olhar para a alta montanha com seus cumes vaporosos, que circundavam Menton; depois ele cruzava com movimentos muito lentos, suas longas pernas, tão magras que elas pareciam dois ossos, em torno dos quais flutuava o tecido da calça, e ele abria um livro, sempre o mesmo.

Assim ele não se mexia mais, ele lia, lia com os olhos e com o pensamento; todo seu pobre corpo expirando parecia ler, toda sua alma submergia-se, perdia-se neste livro ate a hora quando o ar refrescava-se o fazia tossir um pouco. Ele então se levantava e recolhia-se.

Era um alemão grande, com a barba loira, que almoçava e jantava em seu quarto e não falava com ninguém.

Uma vaga curiosidade me levava até ele. Um dia, eu me sentei ao seu lado, tendo pego também, para me dar postura, um volume de poesias de Musset.

E eu me pus a percorrer Rolla.

Meu vizinho disse-me de súbito, em bom francês: - “Você sabe alemão, senhor?”

- Não sei nada, senhor.

- É uma pena. Pois que a sorte nos colocou lado à lado, eu lhe teria emprestado uma coisa inestimável: este livro que eu tenho aqui.

- O que ele é?

- É um exemplar de meu mestre Schopenhauer, anotado por sua própria mão. Todas as margens, como você vê, estão cobertas por sua escrita.

Eu peguei o livro com respeito e eu contemplei as formas incompreensíveis para mim, mas que revelavam a imortalidade pensada do maior destruidor de sonhos que já passou sobre a terra.

E os versos de Musset explodiram em minha memória:

Você dorme contente, Voltaire e seu hediondo sorriso

Ainda faz malabarismos sobre os descarnados?

E eu comparei involuntariamente o sarcasmo religioso infantil de Voltaire a irresistível ironia do filosofo alemão cuja influencia é, não obstante, indisfarçável.

Não importa o quanto se proteste ou zangue-se, ou se indigne ou que se exaspere; Shopenhauer marcou a humanidade com o selo de seu desdém e de seu desencantamento.

Gozador desabusado, ele inverteu as crenças, as esperanças, a poesia, as quimeras, destruiu as aspirações, devastou a confiança das almas, matou o amor, abateu o culto ao Idea da mulher, arrasou com as ilusões do corações, e realizou a maior tarefa céptica que jamais havia sido feita. Ele tudo atravessou com seu sarcasmo e tudo esvaziou. E hoje mesmo, todos aqueles que o execram, parecem possuir, involuntariamente, parcelas de seu espírito.

- Você então conheceu particularmente Schopenhauer? – disse eu ao alemão.

Ele sorriu tristemente.

- Até sua morte, senhor.

E ele me fala dele, ele me conta da impressão quase sobrenatural que causava esse ser estranho a todos aqueles que se aproximavam.

Ele falou-me de uma conversa que teve o velho demolidor com um político francês, doutrinariamente republicano, que o quis conhecer e o encontrou em uma brasserie tumultuosa, sentado no meio dos discípulos, seco, reto, sorrindo com uma expressão imóvel, sarcástico e rasgando as idéias e as crenças com apenas uma palavra, como um cão que com uma mordida rasga os tecidos com os quais brinca.

Ele me repetiu as palavras deste francês, que retirando-se assustado, horrorizado e se exclamando:

- Eu pensei ter passado uma hora com o diabo.

- Ele tinha, de fato, senhor, um assustador sorriso, que nos causou medo, mesmo depois de sua morte. É uma história quase desconhecida que eu posso te contar se ela te interessa.

E ele começou, com uma voz cansada, com acessos de tosse o interrompendo a todo o momento.

*

Schopenhauer acabara de morrer, e foi decidido que nos o velaríamos em turnos, em duplas, até a manhã.

Ele estava deitando em um grande quarto, muito simples, vasto e sombrio. Duas velas queimavam na mesa do quarto.

Foi a meia noite que eu assumi meu posto, com um dos nossos camaradas. Os dois amigos que nos substituíamos saíram e nós fomos nos sentar ao pé da cama.

A sua aparência não tinha em nada mudado. Ele ria. O vinco que nós conhecíamos tão bem se mostrava nos cantos dos lábios, e nos parecia que ele abriria de novo os olhos, se mexeria e falaria. Seu pensamento, ou melhor, seus pensamentos nos envolviam, nós sentíamos como nunca a atmosfera de sua personalidade, invadidos e possuídos por ela. Sua dominação nos parecia até mesmo mais soberana agora que ele estava morto. Um mistério se misturava a potência deste espírito incomparável.

O corpo destes homens desaparece, mas eles permanecem vivos, e, na noite que segue a parada de seus corações, eu asseguro senhor, que eles são assustadores.

E, em todo caso, nós falávamos dele, nos lembrávamos de suas palavras, suas fórmulas, suas surpreendentes máximas que pareciam luzes jogadas, por meio de algumas palavras, nas trevas da Vida desconhecida.

“Eu tinha a impressão que ele ia falar” disse meu camarada. E nós olhamos, com uma inquietude beirando o medo, aquele rosto imóvel, ainda sorrindo.

Pouco a pouco nós nos sentimos desconfortáveis, oprimidos, enfraquecidos. Eu balbuciei:

“Eu não sei o que eu tenho, mas, eu te asseguro que eu estou doente.”

E nós percebemos então que o cadáver cheirava mal.

Então, meu companheiro me propôs que mudássemos para o quarto viszinho, deixando a porta aberta; e eu aceitei.

Eu peguei uma vela que queimava sobre a mesa do quarto, e deixei a segunda, e nós fomos nos sentar no outro lado do cômodo de forma que de nosso lugar a cama e o morto eram claramente vistos.

Mas ele nos obsedava ainda, podia-se dizer que seu ser imaterial, desprendido, livre, todo poderoso e dominador, rondava em nosso entorno. E às vezes, o odor infame do corpo decomposto chagava a nós, penetrando-nos, enjoativo e vago.

De súbito, um arrepio nos envolveu os ossos, um barulho, um pequeno barulho tinha vindo do quarto do morto. Nossos olhares dirigiram-se imediatamente sobre ele, e nós vimos, sim, senhor, alguma coisa branca correndo sobre a cama, cair no chão sobre o tapete e desaparecer embaixo de uma poltrona.

Ficamos de pé antes de ter tempo de pensar a qualquer coisa, loucos com um terror estúpido, prontos a fugir. Depois, nós nos olhamos. Estávamos horrivelmente pálidos. Nossos corações batiam tão forte que levantavam o tecido de nossas roupas. Eu falei primeiro.

“Você viu...?”

- Sim, eu vi.

- Será que ele não está morto?

- Mas isso é impossível já que já começou a putrefação?

- O que vamos fazer?

Meu companheiro pronuncia hesitante

- “Temos que ir ver.”

Eu peguei nossa vela, e eu entrei primeiro percorrendo os olhos por toda peça sombria e seus cantos escuros. Nada mais se movia; e eu me aproximei da cama. Mas eu permanecia dominado pelo estupor e pelo medo: Schopenhauer não ria mais! Ele fazia uma careta horrível, sua boca fechada, e as bochechas profundamente fundas. Eu balbuciei:

“Ele não está morto!”

Mas o odor insuportável me subia ao nariz, e sufocava-me. E eu não me mexi mais, olhando-o fixamente, assustado como diante de uma aparição.

Então meu companheiro, tendo pegado a vela se inclina. Depois sem dizer uma palavra ele me toca o braço. Eu segui seu olhar, totalmente branca sobre o tapete, aberta como que para morder, estava a dentadura de Schopenhauer.

O processo de decomposição desprendeu as suas mandíbulas, fazendo-a cair da boca.

Eu tive realmente medo nesse dia, senhor.

E como o sol se aproximava do sol do mar cintilante, o alemão tísico levantou-se, cumprimenta-me e voltou para o hotel.


[1] Conto presente no livro Le Colporteur.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Colômbia: A política de segurança democrática não é de segurança nem é democrática; é de guerra.


Por: Lilia Solano



ALAI AMLATINA, 13/08/2009.- A preocupação com a segurança é uma velha cartada que se dá na Colômbia para defender interesses e projetos, o investimento multinacional e o agora chamado "livre mercado".

Esta estratégia militar de guerra tem no coração um plano bélico contra os movimentos sociais e a insurgência, e mantém um fio condutor com antigas agendas de guerra contra o povo - como foi o "Plan Lazo", desenhado em 1964 para alcançar a então dita pacificação do país; assim como o "Plan Andes", que em 1968 defendeu a guerra contra a guerrilha; ou o "Manual Provisório para o Planejamento da Segurança Nacional" (1974); a "Estratégia Nacional" contra a Violência de Cesar Gaviria (1991); e ainda o "Plan Colombia" de Andrés Pastrana, que permitiu uma enorme influência militar estadunidense (1998), com um investimento militar de milhões de dólares.

Em 2002, junto com Álvaro Uribe, chega o programa militar da chamada "segurança democrática", incluído o que chamaram de "guerra total", que combina a doutrina da guerra de baixa intensidade com estratégias de guerra convencional; concepções militares baseadas em manobras massivas de artilharia, armamento blindado, grandes concentrações de tropas e organização do exército em corpos, divisões, brigadas, batalhões e outra vez o uso da população civil.

Quer dizer, o que cobre o manto da "segurança democrática" é outro capítulo da guerra que nos impuseram historicamente, uma política aparentemente exitosa porque tem as seguintes conquistas que a sustentam e os resultados que a justificam:

* Firma um modelo de governo criminoso, que se apóia nas forças armadas, nos paramilitares e nos narcotraficantes, pois lhes entrega o comando dos organismos de controle, administração, justiça, embaixadas, funcionalismo público etc.

* Protege os interesses das multinacionais europeias e estadunidenses, os negócios dos grupos empresariais locais, os mega-projetos e oferece Tratados de Livre Comércio.

* Converte os massacres do Estado em falsos positivos e promove os deslocamentos em massa, violência sexual, torturas e desaparecimentos, transformados em troféus da segurança democrática.

* Despreza o acordo humanitário, a saída política negociada ao conflito armado e rechaça a paz, a soberania, a autonomia e a integração da América Latina.

* Condena líderes à detenção arbitrária e os encarcera; viola seus processos e os princípios jurídicos, como a presunção de inocência, a investigação imparcial, o direito de defesa e o julgamento justo.

* Ignora obrigações relativas à promoção e à proteção dos direitos humanos, os quais viola com absoluta impunidade.

* Criminaliza as organizações camponesas, indígenas e afrocolombianas, estudantes, representantes de movimentos populares e sociais, feministas e militantes da oposição que lhes são incômodos, aos quais chama de terroristas.

* Aprova leis como a do Desenvolvimento Rural, legalizando a contra-reforma agrária impulsionada pelo narcotráfico, o paramilitarismo e os latifundiários para por a terra a serviço do grande capital financeiro.

* Agride violentamente a meninas, mulheres, adolescentes e a população GLBT.

* Assegura polpudas recompensas e premia a quem assassina líderes sindicais.

* Provoca o êxodo de milhares de colombianos para diferentes lugares do mundo, fazendo com que muitos deles vivam em condições de desproteção e vulnerabilidade.

* Persegue intelectuais dedicados ao pensamento crítico e os chama "bloco de intelectuais da guerrilha".

* Ataca as organizações de Direitos Humanos e as desqualificam por considerá-las "agentes do terrorismo".

* Combate a liberdade de expressão, convertendo a maioria dos meios de comunicação em antenas repetidoras do discurso oficial.

* Justifica o não cumprimento dos Convênios e Tratados Internacionais para a defesa dos Direitos Humanos assinados pela Colômbia.

* Cataloga como terroristas os países da região que não estão a serviço dos interesses estadunidenses, e, portanto, considera que sua doutrina da segurança democrática pode ser extraterritorial.

* Impõe bases militares estadunidenses para contribuir com a desestabilização da região, com a pretensão de transformar a Colômbia em uma espécie de Israel, contra o resto dos povos irmãos.

* Apaga da memória coletiva a história oculta da repressão na Colômbia e aniquila a dignidade dos povos e seu esforço por construir uma verdadeira democracia.

O que vivemos na Colômbia não é política, nem é segurança, e muito menos democrática. É uma guerra de proporções gigantescas que, em nome da "luta contra o terrorismo", pretende fazer com que ignoremos a pobreza e a miséria crescentes, o desemprego, o rearmamento de grupos paramilitares e narcotraficantes, o deslocamento forçado em níveis absurdos, a parapolítica, a delinquência organizada, a privatização dos serviços públicos, as torturas do DAS [Departamento Administrativo de Segurança] ordenadas pelos governos do momento, os assassinatos de jovens pobres por parte do exército e da polícia, a corrupção do governo e, em geral, a decomposição de um estado dedicado à criminalidade.

* Lilia Solano é professora e pesquisadora colombiana.

Tradução de Roberta Moratori

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Alma de Escritor



Cinco anos após sua morte, em 2003, o escritor chileno Roberto Bolaño tornou-se um dos mais famosos autores latino-americanos nos Estados Unidos. A tradução para o inglês de seu último romance, 2666 (originalmente de 2004, mas publicada por lá em novembro de 2008), causou um enorme frisson entre os leitores norte-americanos. O livro foi listado pela The New York Times Review como um dos melhores do ano passado e, ainda em março deste ano, levou o The National Book Critics Circle Awards de melhor ficção. Tais conquistas são raras para um autor de língua hispânica que, ironicamente, ganhou status de best seller em um país conhecido por não privilegiar traduções.



A tal “Bolañomania” – como definiu a The Economist – é o mais recente exemplo de como um escritor pode ser recriado em outro idioma. O peruano Julio Ortega, professor da disciplina Estudos Hispanoamericanos da Universidade Brown (EUA), em crítica publicada no periódico espanhol El País, ressalta o fato de a versão traduzida ter feito de Bolaño um autor diferente para os norte-americanos. “O Bolaño que se lê em inglês não é o mesmo que é lido em espanhol”, garante Ortega. “Seu texto ganha outra vida, outra função”. O crítico peruano argumenta que a tradução ressalta um aspecto mais vitalista de sua narrativa e a insere dentro de um estilo caracteristicamente yanqui, mais próximo de Jack Kerouac, o beat autor de On the Road – Pé na estrada.

A análise ressoa em outra crítica de Michael Saler, do suplemento literário da edição inglesa do jornal The Times, que atribuiu o sucesso de 2666 à expectativa de críticos e leitores do país em torno do trabalho, já que haviam sido positivamente surpreendidos com o livro anterior de Bolaño, The savage detectives (Os detetives selvagens), lançado no início de 2008. Saler também destaca a voz exuberante, informal, do autor, que ecoa à primeira vista vários clássicos norte-americanos. “Embora ele tenha citado Huckleberry Finn [personagem de Mark Twain em As aventuras de Huckleberry Finn] como uma inspiração, o livro traz a marca de On the road e The catcher in the rye (O apanhador no campo de centeio), [de J. D. Salinger]”, diz Saler, para quem são brilhantes as traduções de Natasha Wimmer, responsável por verter as duas obras de Bolaño para o inglês.

O caso de Bolaño é mais um entre tantos outros da literatura cujos holofotes são voltados para o trabalho da tradução. O próprio Ortega lembra de Edgar Alan Poe, que foi considerado um autor menor até ser traduzido por Charles Baudelaire, que, em francês, deu nova dimensão à sua obra. Em outro exemplo, Modesto Carone, um dos principais tradutores de Franz Kafka para o português, lembra que a primeira tradução do escritor checo para o espanhol, feita por Jorge Luis Borges, trouxe muito mais do estilo literário do argentino do que de Kafka. No Brasil, quando se deparou com uma tradução de A peste, de Albert Camus, assinada pelas iniciais G.R., Carone teve a certeza de conhecer o escritor por trás do texto em português e mais tarde recebeu a confirmação de que se tratava do grande Graciliano Ramos. “Era quase uma visão do Camus pelo Graciliano, mas era fantástica”, analisa Carone, também escritor e vencedor do prêmio Jabuti de 1999 com seu romance Resumo de Ana.

FIDELIDADE
Os exemplos citados, conforme salienta Carone, são excepcionais, fruto do trabalho de verdadeiros “artistas da palavra.” “As grandes traduções geralmente são feitas por escritores com pleno conhecimento de sua língua, pois o resultado da tradução só pode ser conferido no idioma de chegada. É aí que está a prova dos nove”, diz. “Ao contrário, se ele tiver apenas o domínio da língua estrangeira, na hora de verter o texto não encontra ferramentas para transmitir a complexidade do autor original.”

Mas, por estar ligado à obra de outro escritor, comprometido em transportá-la fielmente para sua língua, o tradutor não deve interferir tanto na obra original a ponto de se tornar um coautor em outra língua. “Se me considerasse uma coautora das obras que traduzo, todos os meus trabalhos seriam traduções à moda Lya Luft e não traria o mundo do autor estrangeiro para o leitor de minha língua, que é o verdadeiro objetivo”, explica a tradutora de Thomas Mann e Virginia Woolf e também escritora de romances como A asa esquerda do anjo. “O tradutor precisa desaparecer para que o autor estrangeiro apareça.”

Com ela concorda o escritor e jornalista Ruy Castro, que, embora não seja tradutor por profissão, já verteu para o português obras de escritores como F. Scott Fitzgerald, Dorothy Parker e Woody Allen. Segundo ele, pelo fato de traduzir autores com os quais tem certa identificação, talvez apareçam em suas traduções elementos comuns entre o seu texto e o do estrangeiro. “Mas o que interessa é o autor, e não o tradutor”, diz Castro.

Como defendia o pensador e escritor alemão Goethe, citado por Carone, no geral há três tipos de traduções: a primeira torna a obra traduzida parte da literatura da língua para a qual foi vertida, como parece ter sido o caso de Bolaño; a segunda é a mais comum, na qual o idioma de partida e o de chegada tendem a se encontrar em um momento em comum. “Uma delas sai de si mesma e encontra a outra em um determinado ponto, resultando em algo novo”, explica Carone. E a terceira, considerada a mais utópica por ele, é a tradução que supera o original. “Embora existam traduções perfeitas de Macbeth, feitas por Manuel Bandeira, em que sentimos o drama e toda a poesia da peça, é difícil observarmos algo dessa natureza.” Para Lya Luft, a boa tradução é aquela em que o leitor não percebe que está lendo uma obra traduzida, embora saiba que é.

SUBJETIVIDADE
Porém, esse processo de transmissão da literariedade do original estrangeiro tem qualquer coisa de inexplicável, de um mistério que se aproxima da própria criação artística. Walter Carlos Costa, professor da pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) – hoje considerado um dos grandes centros da área no Brasil – diz que, assim como um autor às vezes perde o controle sobre a sua criação e deixa fluir sua narração ao gosto de seus personagens, o tradutor também pode inconscientemente ser levado por um processo pessoal de tradução. Costa ilustra sua afirmação com um exemplo do poeta concretista e tradutor Haroldo de Campos, que, embora tenha criado o conceito de “transcriação” para demarcar o salto real de um idioma para outro e, com isso, admitido uma recriação do original, adotou um processo mais literal de transmissão para o português do poema O infinito, do italiano Giacomo Leopardi. “Nessa tradução, ele seguiu muito mais o original semanticamente do que ele diz na teoria que defende. Uma coisa é a ideologia do tradutor, e outra é a forma como ele escreve”, explica Costa.

Por conta desse aspecto subjetivo da tradução que pode revitalizar o original estrangeiro, o filósofo, crítico, ensaísta e tradutor alemão Walter Benjamin chega a afirmar no texto A tarefa do tradutor [no livro Angelus Novus] que um texto literário original é apenas a primeira manifestação. A obra, de acordo com ele, só é plenamente desenvolvida após várias traduções.

Como lembra Walter Costa, Jorge Luis Borges, ao se referir às traduções em inglês de Homero – que aliás são muitas –, acreditava ser uma vantagem a ignorância do grego pois, como leitor, tinha acesso a uma verdadeira biblioteca e não somente a um livro original. Isso porque as várias versões traduzidas revelavam novos aspectos contidos na mesma obra. “Se as traduções forem muitas e de tradutores com imaginação, o resultado é mais rico”, diz Costa, citando a experiência de ler Emily Dickinson traduzida “brilhantemente” por Haroldo de Campos.

INTIMIDADE
Ainda segundo Costa, o tradutor precisa lidar com amplos aspectos do mundo do autor original, desde autobiográficos, para tornar as traduções mais ricas. Boris Schnaiderman confirma isso ao falar das traduções do russo para o português que, nos anos 1960, vinham de outras línguas e não da original, causando naturais deformações. Porém, há o caso de Rubem Fonseca. Ele tinha intimidade tão grande com o escritor judeu russo Isaac Babel que fez uma tradução primorosa do autor, contornando problemas da versão feita a partir do inglês. “É um caso excepcional, mas exemplo de que todo tradutor precisa ter muita paixão, muito envolvimento com a obra do autor que traduz”, comenta Schnaiderman, um dos mais experientes tradutores brasileiros e o primeiro a verter Os irmãos Karamázov para o português. Ao lado dos irmãos Haroldo e Augusto de Campos, ele organizou também o livro Poesia russa moderna – Nova antologia, trabalho considerado um dos mais sofisticados em língua portuguesa.

Walter Costa, ainda citando Borges, acredita que a riqueza das traduções é o fato de elas registrarem as leituras do passado e de cada uma revelar o tipo de leitura de determinada época. “Como o texto é um elemento móvel, a tradução revela coisas camufladas no original.”

Teorias como essas provavelmente justificam projetos como o do escritor mexicano Mario Bellatin, revelado no lançamento no Brasil do seu livro Flores, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo. O autor mexicano fechou com a editora Gallimard a produção de um novo romance, que será escrito em espanhol, mas lançado somente na França - em francês, claro. A ideia de Bellatin é se deparar com o próprio texto “transcriado” e então retraduzi-lo para sua língua materna, com um tradutor supervisionado por ele. O livro em francês está previsto para sair em 2011 e as versões em espanhol e em outras línguas devem ser lançadas na sequência.



BÍBLIA
Outro benefício interessante da tradução é o enriquecimento das línguas. Como lembra Carone, foram as traduções da Bíblia para o alemão, por Lutero, e para o inglês, pelo Rei James, as responsáveis por desenvolver a literatura dos dois idiomas. E mais: a própria literatura grega, ao ser traduzida para o latim, acabou se tornando patrimônio da língua latina, ainda que fossem povos culturalmente muito diferentes. “Um povo era filosófico e o outro, prático. Houve uma negociação, digamos assim, cultural através da tradução e o lucro foi geral”, conta. O “lucro geral” surge no próprio trabalho dos tradutores. Durante o processo, eles se tornam garimpeiros de expressões, palavras, construções de frases que no idioma materno melhor representem aquilo que o autor estrangeiro diz em sua cultura. É nesse momento que, mesmo não sendo autor, o tradutor precisa necessariamente ser “artista da palavra” e, por extensão, escritor.


Esse processo é bem ilustrado por uma experiência pessoal do paraibano Paulo Bezerra, um dos melhores tradutores de Fiódor Dostoiévski para o português, vencedor do prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) em 2008 pela tradução direta do russo de os Os Irmãos Karamázov. Bezerra se deparou com a impossibilidade de traduzir literalmente a expressão russa “meu olho, meu diamante”, pois a frase “perdia o sentido” em português. Ele passou então a procurar uma expressão mais exata. Encontrou várias e, entre elas, o famoso, mas batido, “ver para crer”. Por fim, adotou uma sentença encontrada no Nordeste, na fala de sua irmã: “Ver de perto para contar de certo”. “O tradutor torna-se um escritor quando é obrigado a usar os recursos da língua de maneira criadora. Trazer para o idioma de chegada o sentido do original, ainda que as formas estejam diferentes. Esse sentido o tradutor traz de uma história pessoal. E demonstra a riqueza da língua portuguesa”, fala Bezerra.


Outro exemplo interessante é o de Leiko Gotoda, uma das pioneiras no Brasil em traduzir do japonês. São dela as versões em português de obras como Musashi, de Eiji Yoshikawa, e Caçando carneiros, de Haruki Murakami. Por se tratar de uma língua escrita com ideogramas – desenhos que representam imagens e ideias inteiras através de símbolos –, obriga uma intensa pesquisa no cotidiano da cultura de origem para levantar aspectos, mesmo que correspondam a apenas uma pequena menção dentro do original. Leiko só não enveredou pela carreira de escritora, no sentido de criação de uma obra própria, pela falta de segurança e dificuldade de criar histórias. “Apesar de não poder ser criativa no sentido de escrever um romance meu, acho que consigo ser criativa no sentido de construir bem um texto.”

FERTILIZAÇÃO
A proximidade entre o trabalho o do tradutor e o do escritor é tão grande que não raro pode se notar a evolução estilística de alguns autores à medida que realizam traduções. Carone cita Guimarães Rosa, para quem “a tradução é como uma enchente do Nilo, que fecunda suas duas margens.” Não é à toa que Lya Luft vê como paralelas sua carreira de tradutora e a de escritora – já traduzia desde criança textos em alemão, sem deixar de escrever coisas próprias, levando ambas as atividades concomitantemente ao longo da vida.

Segundo Walter Costa, atualmente há teses acadêmicas que procuram dissecar o desenvolvimento da linguagem de grandes escritores brasileiros a partir das traduções realizadas por eles, “como fica evidente com Manuel Bandeira, Machado de Assis e Clarice Lispector.” “Ao realizar uma tradução, o escritor, com sensibilidade vai renovando o estoque de formas, ganhando novos procedimentos literários, assimilados de forma consciente ou inconsciente.”

“O tradutor de literatura deve ser escritor ou ter uma grande paixão literária. Ele pode não ter livro publicado, mas deve ter alma de escritor, pela sensibilidade que lhe é exigida e para poder se imaginar como escritor”, sentencia Lya Luft. Há qualquer coisa de semelhante em Natasha Wimmer. Por algum motivo, ainda na faculdade, ela decidiu não ser escritora de ficção, mas queria ficar o mais perto possível dos livros. A tradução se tornou o melhor caminho. ©


DIÁLOGO CULTURAL

Um dos maiores sucessos infanto-juvenis de todos os tempos será analisado do ponto de vista das várias traduções, elaboradas com a finalidade de documentar como um único livro consegue incendiar a imaginação de jovens no mundo todo e sintonizá-los em torno de uma única obra. Tudo isso focado na importância do papel do tradutor. Trata-se da série Harry Potter, da escritora inglesa J. K. Rowling. Entre 7 e 8 de setembro, tradutores do título para diversas culturas se reunirão em Paris, na França, na conferência Globalização Via Localização – Um Diálogo Cultural Através das Traduções de Harry Potter, com o patrocínio da Unesco. Do Brasil – e do português-, a convidada é Lia Wyler, que tem uma experiência bastante particular com os livros do jovem bruxo. Como ela explica, a cultura brasileira já é permeada no cotidiano de referências culturais norte-americanas que, por sua vez, tem padrões derivados da Inglaterra. Assim, em seu caso, sempre foi possível conservar diferenças para destacar que se trata de autor estrangeiro escrevendo para seus conterrâneos. “As crianças inglesas tomam chá e, mesmo acompanhado de bolinhos, continua sendo chá a qualquer hora. Já as crianças brasileiras tomam café com leite e bolinhos, uma refeição chamada de lanche, de merenda. Mesmo assim mantenho chá, que é um dado cultural inglês conhecido”, conta Lia.

Alguma diferença, segundo ela, pode acontecer em ditos populares, muitas vezes inventados por Rowling. “Mantenho o conteúdo intacto, mas mudo alguma palavra para manter o ritmo característico dos ditados populares.” Um exemplo está na frase rimada em inglês "jinx by twilight undone by midnight”. Em tradução livre seria “feitiço ao anoitecer desfaz à meia-noite”, mas foi traduzida como “feitiço ao anoitecer desfaz ao amanhecer” para justamente manter o ritmo.

A manutenção de dados específicos da cultura inglesa de forma literal não torna, no entanto, o trabalho mais fácil. De acordo com Lia, a grande dificuldade está em trabalhar com um texto no qual a autora dá novos significados a palavras de uso corrente, encenando sua trama em um universo paralelo, que exige um profundo conhecimento da cultura do Reino Unido, seus padrões de comportamento, crenças e costumes de seus distintos grupos sociais e dos vários registros em que eles se expressam. “Além disso, em todos os volumes há dezenas de decalques de notícias de jornal, avisos escolares, livro de feitiçaria medieval, irradiação de jogos, cartas oficiais de adultos para crianças e entre elas mesmas, que contribuem para dar maior verossimilhança à trama”, comenta Lia.


Fonte: Revista da Cultura

Sobre traduções: http://cultura.updateordie.com/revista-da-cultura/2009/08/10/a-dificil-arte-da-traducao-de-obras-literarias/

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Ressuscite-me



Por Ecos


Ao som de Strange Fruit:Antony And The Johnsons (Live)


Por mais que procure não encontro. Pois que. Buenos Aires se habita em dentro de mim, e tuas/vossas pontas, luzes. Grita-me uma saída. Um alento, um suspiro. Por que ainda me dói um pouco, perdi-me para sempre na gosma das coisas-tolas. Em vossos braços, homens, cinco mil apóstolos. Ressoa-me na boca uma milonga escassa e branda. Terrível. Crava-me tonta. Um poço. Mata-me aos poucos, lenta.

Dói-me aquele olhar crepuscular pelos cantos. As vossas indiferenças sem pudor. A vossa piedade sem amor. Não me submeto nem personifico as vossas máscaras, nego. Cerco-me. Perco-me. Nesta incomunicabilidade. Nada mais transcende. Mãos suadas em meu corpo-em-minha carne. Cindo-me, encho-me de espinhos e morro. Renasço fera. Acuada cheia de dor. Cindido, esquizofrênico, precipito-me fera. Abismo. Gosma branca de G.H. Morro. Afago-me felino em nossas fantasmagorias todas. Dói-me tanto, lamina fria: vos cinco apóstolos. Que me seduzem, e que me fazem cheio de garras. São estas as labaredas frias a queimar-me por dentro, atravessam-me. Morro para ressurgir como máscara, que quer sangue, vossa gosma de barata partida; meio-viva, meio-morta. Precipito-me em um abismo de sangue. Oh, mãos suadas, beijos ternos. Salvem-se de mim.

Un an après le pic pétrolier


Un an après le pic pétrolier

Richard Heinberg : « La croissance mondiale a atteint ses limites »

Il y un an, le baril de pétrole atteignait le prix record de 147 dollars. Le monde entier se tourna alors vers l’Arabie Saoudite —traditionnel producteur d’appoint— pour lui demander d’augmenter sa production afin de répondre à la demande en stabilisant les prix. Mais le Royaume en fut incapable car ses puits s’assèchent. Cet événement marque la fin d’une période. Dans un enchaînement dramatique, la prise de conscience que la croissance économique serait désormais limitée par la raréfaction de l’énergie fossile, fit s’effondrer les investissements, la demande en pétrole et son prix.

Richard Heinberg, auteur reconnu pour ses travaux sur la déplétion des ressources, examine cet événement historique, ses conséquences pour l’activité humaine et les perspectives d’avenir dans une interview exclusive accordée au Réseau Voltaire.

Réseau Voltaire : Selon la plupart des médias, l’origine de la crise financière est à chercher à l’intérieur même du système financier. Cette explication vous satisfait-elle, ou bien, comme vous l’avez suggéré de manière prémonitoire dans Pétrole : La fête est finie ! [1], le manque de confiance vis-à-vis de la reprise de la croissance, celle-ci reposant sur une production de pétrole à bon marché, serait-il également un facteur essentiel ?

Richard Heinberg : En 2008 s’est produite la plus importante flambée des prix de l’énergie jamais connue. Historiquement, les flambées du prix de l’énergie ont toujours conduit à une récession. Dès lors, il était raisonnable d’envisager une grave récession pour le premier trimestre 2008. En fait, la récession a commencé un peu plus tôt et s’est avérée plus profonde et plus persistante qu’aucune autre au cours des dernières décennies. Cela vient du fait qu’un krach financier était devenu plus ou moins inévitable à cause de l’existence d’une multitude de bulles dans l’immobilier et les marchés financiers.

L’impact de la crise sur l’industrie aéronautique et sur les constructeurs d’automobiles et de poids lourds est largement dû aux prix de l’énergie. La chute des valeurs immobilières et l’augmentation du nombre des hypothèques ne sont pas tant liées au pétrole.

Néanmoins, à un niveau d’analyse avancé, l’aspiration de notre société à une croissance économique perpétuelle est basée sur l’hypothèse que nous aurons toujours à disposition des volumes croissants d’énergie à faible coût pour alimenter nos machines de production et de distribution. Cette aspiration à la croissance s’est institutionnalisée à travers des niveaux de dette et de survalorisation toujours croissants. C’est ainsi que, lorsque les volumes d’énergie disponibles ont commencé à stagner ou à décliner, le château de carte du monde financier s’est complètement écroulé.

Malheureusement, la crise reste largement incomprise par les dirigeants du monde entier. Ils prétendent qu’elle a une origine uniquement financière ; ils prétendent également qu’elle est transitoire. Ils croient que, si nous soutenons suffisamment les banques, la croissance économique redeviendra positive et tout ira bien. En fait, notre système financier actuel ne peut pas être amené à fonctionner dans un monde où les ressources énergétiques s’amoindrissent. Nous avons besoin d’une économie qui puisse subvenir aux besoins primaires de l’humanité sans augmenter notre rythme de consommation des ressources. Cela nécessitera la création de systèmes monétaires et d’institutions financières basés sur autre chose que la dette, les intérêts et la titrisation.

Réseau Voltaire : Pensez-vous que la spéculation sur les marchés de l’énergie va s’accélérer malgré l’épisode de l’année dernière ? Si cela était le cas, quelle serait la meilleure solution selon vous pour que le serpent ne se morde plus la queue ?

Richard Heinberg : La spéculation des contrats à terme de l’énergie n’est pas efficace dans l’effort collectif pour s’adapter aux baisses chaotiques des marchés en temps de combustibles fossiles à bas prix. Sans la mise en place de contrôles des contrats à terme, nous n’éviterons pas des écarts encore plus grands dans les prix des hydrocarbures, c’est ce que nous avons vu au cours de ces dix-huit derniers mois. Quand le prix des hydrocarbures s’envole, l’économie est gravement touchée, encore une fois, nous venons de le constater. Quand le prix s’effondre, les investissements dans la production d’énergie sont délaissés.

L’OPEC s’est efforcée d’aider à amortir les écarts de prix en augmentant ou en diminuant la production et garder ainsi le prix du baril plus stable qu’il ne l’aurait été sans intervention. Mais l’OPEC est en train de perdre sa capacité déjà limitée à agir de la sorte, car la plupart des nations qu’elle regroupe voient leur production diminuer et n’ont que peu ou pas du tout de capacité de production supplémentaire. L’Arabie Saoudite est l’unique producteur d’appoint important, et un État ne peut vraiment pas, à lui seul, équilibrer les taux de production pour le monde entier plus longtemps.

La seule solution viable est celle d’un accord international pour le rationnement de la production et de la consommation, comme je l’ai proposé dans mon livre The Oil Depletion Protocol [2].

Réseau Voltaire : Que pensez-vous du nombre croissant de scientifiques qui remettent en cause la responsabilité de l’Homme dans le changement climatique ? Au sein de l’ASPO (Association pour l’étude des pics de production de pétrole et de gaz naturel), certains, comme M. Jean Laherrère, sont très sceptiques…

Richard Heinberg : Je ne suis pas sûr que le nombre de scientifiques remettant en cause la responsabilité humaine dans le changement climatique augmente ; selon moi, c’est plutôt le contraire. Oui, je sais que M. Jean Laherrère, que je respecte énormément, a soulevé de nombreuses questions à ce sujet. En tant que géologue, sa réflexion s’articule en millions d’années, et le climat de la Terre est en effet très variable sur de telles échelles de temps. C’est pourquoi je peux comprendre qu’il puisse se demander si, ce que nous constatons aujourd’hui, est dû ou non à des processus climatiques résultant de modifications des radiations solaires, de l’excentricité de l’orbite terrestre (les fameux paramètres de Milankovitch) et des courants océaniques. Néanmoins, les climatologues ont poussé très loin leurs recherches sur les effets probables des facteurs autres que le carbone et ont conclu qu’ils ne peuvent pas, à eux seuls, expliquer le réchauffement qui se produit actuellement.

Fondamentalement, je me range à l’avis de la plupart des climatologues, qui concluent que nous, humains, exerçons une pression sur un système instable par nature (l’atmosphère, le climat) et que nous le poussons à son point de rupture en y injectant d’énormes quantités de gaz à effet de serre supplémentaires.

Réseau Voltaire : Que vous inspire cette hypothèse : le projet international de bourse du carbone n’est qu’un moyen pour l’élite financière de se maintenir à flot et pour les pays riches financièrement et pauvres en ressources naturelles celui de s’arroger le droit de consommer les réserves encore disponibles de combustibles fossiles en échange d’argent, tout en privant de leur droit au développement les Etats pauvres financièrement mais riches en ressources naturelles ? En d’autres termes, le fond du problème n’est pas tant « Allons-nous consommer les dernières réserves d’hydrocarbures ? » (c’est indubitablement le cas, à moins de ne plus s’en remettre à la croissance économique), mais bien « Qui va les consommer ? ».

Richard Heinberg : En ce qui concerne les programmes internationaux de bourse du carbone, je suis circonspect pour plusieurs raisons, dont le fait qu’ils vont entraîner la création d’un énorme marché de contrats dérivés qui nécessitera une régulation ferme si nous voulons éviter les bulles et les krachs financiers de grande ampleur. Plafonner les émissions de carbone est nécessaire, mais il y a peut-être de meilleures méthodes pour mettre en œuvre ces limitations plutôt qu’en créant de nouveaux types de produits dérivés. Ce qui pourrait fonctionner, par exemple, c’est un système de rationnement qui engage la totalité des citoyens, tel que les quotas d’émissions de carbone (TEQ, Tradeable Energy Quotas).

La fin des hydrocarbures venue, ils ne seront plus utilisés que par ceux qui pourront les acheter. Parfois, cela se produit indirectement : pour produire et exporter ses marchandises à bas prix, la Chine brûle du charbon pour le compte de l’Amérique du Nord et de l’Europe.

Mais, dans tous les cas, le développement basé sur la consommation de combustibles fossiles n’est plus un chemin vers la richesse et la sécurité, comme cela fut le cas au début du vingtième siècle. Aujourd’hui, c’est devenu un piège. Cela ne crée plus qu’une dépendance à des ressources de plus en plus rares et coûteuses. L’économie des pays pauvres se portera bien mieux s’ils réussissent à se tenir éloignés de ce piège.

Je me rends compte qu’il est plus facile pour un simple journaliste de s’exprimer que pour un chef d’État dont le peuple se voit refuser les profits de l’ère moderne. Pourtant, c’est bien l’une des dures réalités de ce siècle encore jeune.

Réseau Voltaire : Quelle devrait être la priorité en matière de prise de décision officielle ? Se préparer à la crise de l’énergie ou au changement climatique ?

Richard Heinberg : Par de nombreux aspects, les solutions aux deux problèmes sont identiques : réduire la dépendance aux énergies fossiles et augmenter la production d’énergies alternatives.

Malgré tout, certaines propositions pour résoudre la crise climatique sont absurdes au regard des limites d’approvisionnement en combustibles fossiles. Prenons un exemple, celui de la récupération et du stockage du carbone émis par les centrales thermiques fonctionnant au charbon. C’est un projet qui nécessiterait un investissement énorme et des décennies de mise en œuvre ; en même temps, le prix du charbon montera en flèche ; c’est un aspect du problème qui n’a que très peu été pris en compte dans les coûts prévisionnels de ce « charbon propre ». A priori, moins de vingt ans nous séparent du pic de production mondiale de charbon, comme je le dis dans mon dernier livre Blackout [3]. Il serait alors plus raisonnable d’investir des capitaux plus modérés pour développer la production d’énergies renouvelables plutôt que de déployer une infrastructure vaste et coûteuse destinée à maintenir une consommation ininterrompue d’un combustible en raréfaction, coûtant de plus en plus cher et émettant de grandes quantités de carbone.

Réseau Voltaire : Envisagez-vous une augmentation du nombre de conflits autour des ressources énergétiques ? Si oui, comment l’expliquez-vous ?

Richard Heinberg : Nous devons nous y attendre. Les hommes se sont toujours battus pour les ressources essentielles. Aujourd’hui, alors que les ressources énergétiques en hydrocarbures ayant alimenté la société moderne deviennent rares et chères, il est prévisible que le nombre des conflits pour le contrôle de ces ressources augmente. Sachant cela, les décideurs politiques au niveau national se doivent d’anticiper les lieux où de tels conflits sont susceptibles d’éclater ; ils doivent aussi chercher à les éviter. Avant tout, le seul moyen d’y parvenir est de réduire la compétition pour l’accès à ces ressources en diminuant la dépendance là où c’est possible (certaines ressources, comme l’eau, nous sont indispensables) et en parachevant des accords sur la limitation de la production et de la consommation d’énergies fossiles à l’aide de protocoles concertés de gestion de la pénurie.

Bien sûr, il faudrait pour cela un changement radical dans les positions des chefs d’État. Aujourd’hui, leur réflexion tourne uniquement autour de la question d’avoir l’avantage de la compétitivité ; schématiquement, ils cherchent davantage à sortir victorieux des conflits énergétiques plutôt qu’à les éviter. Cette manière de penser est de plus en plus dangereuse à mesure que la population mondiale croît et que les ressources se réduisent.

Réseau Voltaire : Selon vous, quel rôle joue l’augmentation des prix des énergies fossiles, des fertilisants et des pesticides dans la crise alimentaire actuelle ?

Richard Heinberg : A première vue, certains aspects de la crise alimentaire ne semblent pas directement liés à la dépendance aux énergies fossiles. Par exemple, les pénuries d’eau se multiplient à cause de l’irrigation ; pourtant, la plupart du temps, elles sont la conséquence du changement climatique, qui lui-même est dû aux émissions de carbone issues des combustibles fossiles. Ensuite, il y a l’érosion des sols, le plus souvent causée par les méthodes modernes de production agricole intensive qui impliquent l’utilisation de tracteurs et autres engins agricoles alimentés en gazole. L’uniformité génétique des semences constitue un autre facteur : les plantes deviennent plus vulnérables face aux parasites et ont alors besoin de plus de pesticides contenant des hydrocarbures. Si l’on suit les chaînes de causalité qui aboutissent à ces menaces hétérogènes sur notre système alimentaire, presque toutes tendent à émerger d’une même source.

De manière générale, notre système alimentaire moderne, basé sur la consommation d’énergies fossiles, souffre d’une grave vulnérabilité à plusieurs niveaux et cette vulnérabilité trouve avant tout son origine dans notre dépendance vis-à-vis de ces énergies. L’inévitable réduction de l’approvisionnement en carburant pour les tracteurs sera néfaste pour les agriculteurs ; de plus, les composés chimiques utilisés dans l’agriculture deviendront de moins en moins abordables. Les coûts élevés du pétrole vont rendre l’échange de produits alimentaires sur de grandes distances plus onéreux. Le changement climatique et la sécheresse vont amoindrir les capacités de rendement des semences.

Nous nous trouvons devant une crise alimentaire entièrement prévisible, dont les causes sont évidentes. Les politiques à mettre en œuvre sont elles aussi évidentes : nous devons engager la réforme de notre système alimentaire dans son ensemble de manière à réduire notre dépendance aux énergies fossiles.

Réseau Voltaire : Pourriez-vous nous présenter en quelques mots les objectifs du travail que vous et vos collègues menez au Post Carbon Institute (Institut de l’Après-Carbone) et quel a été son impact jusqu’à aujourd’hui ?

Richard Heinberg : Actuellement, nous réunissons une pléiade de chercheurs qui partagent la même vision de la crise mondiale et qui expriment un intérêt à travailler en collaboration avec les programmes d’éducation. Nous considérons que nous vivons un moment historique qui rend nécessaire de repenser en profondeur nos postulats à propos de la croissance économique, de la consommation d’énergie, du système alimentaire, du changement climatique et de la démographie ; des questions qui s’entrecroisent, mais qui sont rarement abordées de manière systématique par les décideurs politiques.

En même temps, le Post Carbon Institute travaille en étroite collaboration avec les Initiatives de transition (Transition Initiatives, transitiontowns.org) ; il s’agit d’un réseau de communautés citoyennes qui promeut l’économie de l’après-pétrole. Tant que les réformes politiques nécessaires ne seront pas imaginées, adoptées, expérimentées et promues par les individus et les communautés, les chefs d’État continueront à traîner les pieds.

Nous estimons que la crise économique actuelle constitue un tournant fondamental dans notre histoire. L’économie mondiale a incontestablement atteint ses limites en matière de croissance. Maintenant, tout dépend de notre volonté à collaborer et à nous adapter à ces limites.

Nous partageons l’idée qu’en définitive, une vie meilleure est possible sans énergies fossiles et sans croissance continue en matière de démographie et de consommation. Mais la transition entre le paradigme actuel d’une croissance basée sur les combustibles fossiles et celui d’une société stable basée sur les énergies alternatives a toutes les chances d’être une parenthèse difficile. L’humanité y arrivera, d’une manière ou d’une autre : la déplétion des ressources en est la garantie. Ce que nous souhaitons, c’est tout simplement rendre cette transition plus facile, plus équitable et plus vivable pour tous ceux qui sont concernés.

Traduction Nathalie Krieg pour le Réseau Voltaire

Les articles de cet auteur

Richard Heinberg est l’auteur de Pétrole, la fête est finie !. Cet ouvrage de référence est recommandé par le Réseau Voltaire et diffusé par correspondance par la Librairie du Réseau.

[1] Pétrole : La Fête est finie ! Avenir des sociétés industrielles après le pic pétrolier, Editions Demi-Lune, Collection Résistances, 2008, traduit par Hervé Duval.

[2] Lire le texte de la proposition de protocole. L’ouvrage auquel R. Heinberg fait référence n’est disponible qu’en anglais : Richard Heinberg et Colin Campbell, The Oil Depletion Protocol, New Society Publishers, 2006.

[3] Disponible en anglais : Richard Heinberg, Blackout : Coal, Climate and the Last Energy Crisis, New Society Publishers, 2009.