Há coisas que assustam pelo seu inusitado ou inesperado. Outras assustam porque, além de surpreendentes, são indicadoras de situações preocupantes. O caso da aluna Geisy, da Uniban, faz parte dessa segunda leva. Um vestido curto, um salto alto e um andar rebolado quase provocam o linchamento de uma estudante. Dias depois, a vítima é transformada em ré e quase acaba expulsa da universidade.
Uma moça põe um vestido ousado, talvez não exatamente próprio para quem vai assistir a uma aula. Teria uma festa depois? Não vem ao caso. A situação que merece análise é: Por que um vestido curto e um possível caminhar provocante suscitam a reação brutal sofrida pela moça? Outra indagação é: Por que uma universidade, que deveria ser um lugar de ensino, penaliza a jovem e vai na contramão do século que pretende instruir?
Vamos começar pelo que é "próprio" para ir à aula. É possível hoje dizer o que é moda? Ou o que é adequado para ir a este ou àquele lugar? Dá para restringir o que hoje se entende por expressão e extensão da personalidade da pessoa? Claro que não se espera que alguém vá de traje de banho... mas um vestido?
Não. Não foi a impropriedade da roupa, mas o desejo, o medo e a raiva que a roupa despertou -igualmente, mas por motivos diferentes- em homens e mulheres. A inveja e o reprimido provocaram a mesma reação.
O caso da universidade Taleban é complexo, na medida em que junta machismo máximo com burrice aguda. A decisão pela expulsão, mesmo que revogada, explica com extrema clareza a situação que nós mulheres ainda vivemos.
Uma simples pergunta evidencia o machismo: Seria essa a reação da universidade se se tratasse de um rapaz se vestindo de maneira "inadequada", com coxas à mostra ou dorso nu?
A burrice é que, se a universidade já havia pecado com o desleixo com a segurança da estudante, a primeira reação a tornou símbolo do atraso. Também financeiramente é um desastre para a instituição -quem vai querer estudar em tal lugar? Sem falar que, se o juiz não for do mesmo ramo Taleban, propiciará reparação financeira maior à aluna. Agora, com a expulsão revogada, é preciso esperar os próximos passos.
A universidade, negando seu papel educador e a princípio expulsando a aluna, "completara o serviço" dos estudantes. A violenta indignação da sociedade civil e das organizações de defesa das mulheres -estas com algum atraso- mostrou como parcela importante da população já tem a percepção da gravidade do que ocorreu.
Ficou evidenciado, e isso é o que indignou tantas pessoas, o quanto esse tipo de preconceito ainda está entranhado na sociedade. A agressão à jovem, a atitude da universidade Taleban, foi tudo muito assustador.
Sobrou um pseudoconsolo: aqueles que dizem que mulheres, nos dias de hoje, não têm mais do que reclamar ficarão caladinhos alguns dias. Poucos dias, pois o tamanho da montanha a ser escalada, como pudemos todos verificar, é enorme.
Não avançamos no número de mulheres na política -aliás, estamos entre os piores na América Latina. Continua a enorme desigualdade de salários para o mesmo trabalho e... quem é mulher tem sempre uma história para contar sobre o que ocorre no cotidiano, seja entre quatro paredes, seja na rua. E não são boas histórias.
A desqualificação da estudante, feita primeiro pelos seus pares e depois pela universidade, evidencia por que as mulheres têm tanta dificuldade em trilhar o caminho do poder, seja ele político, seja empresarial. Não é à toa que, no ranking das cem "Melhores & Maiores" empresas brasileiras publicado pela revista "Exame", nenhuma mulher ocupa o cargo de presidente.
Universidades como essa e desrespeito à liberdade da mulher produzem resultados que excluem mais da metade da população -o gênero feminino- dos seus direitos plenos.
Nós acreditamos que, assim como este é o século do Brasil, também é o século no qual as mulheres adquirirão, de fato e na prática, direitos iguais. Enquanto shows de autoritarismo continuarem a acontecer sem indignação da sociedade, será difícil atingir ambas as metas.
A reação da universidade diante da avalanche de repreensões e possíveis sanções deixa claro que a indignação e a reação públicas ainda conseguem mudar rumos.
*MARTA SUPLICY foi prefeita da cidade de São Paulo pelo PT (2001-2004) e ministra do Turismo (2007-2008). Artigo reproduzido do jornal Folha de S. Paulo (10/11/09)
Vamos começar pelo que é "próprio" para ir à aula. É possível hoje dizer o que é moda? Ou o que é adequado para ir a este ou àquele lugar? Dá para restringir o que hoje se entende por expressão e extensão da personalidade da pessoa? Claro que não se espera que alguém vá de traje de banho... mas um vestido?
Não. Não foi a impropriedade da roupa, mas o desejo, o medo e a raiva que a roupa despertou -igualmente, mas por motivos diferentes- em homens e mulheres. A inveja e o reprimido provocaram a mesma reação.
O caso da universidade Taleban é complexo, na medida em que junta machismo máximo com burrice aguda. A decisão pela expulsão, mesmo que revogada, explica com extrema clareza a situação que nós mulheres ainda vivemos.
Uma simples pergunta evidencia o machismo: Seria essa a reação da universidade se se tratasse de um rapaz se vestindo de maneira "inadequada", com coxas à mostra ou dorso nu?
A burrice é que, se a universidade já havia pecado com o desleixo com a segurança da estudante, a primeira reação a tornou símbolo do atraso. Também financeiramente é um desastre para a instituição -quem vai querer estudar em tal lugar? Sem falar que, se o juiz não for do mesmo ramo Taleban, propiciará reparação financeira maior à aluna. Agora, com a expulsão revogada, é preciso esperar os próximos passos.
A universidade, negando seu papel educador e a princípio expulsando a aluna, "completara o serviço" dos estudantes. A violenta indignação da sociedade civil e das organizações de defesa das mulheres -estas com algum atraso- mostrou como parcela importante da população já tem a percepção da gravidade do que ocorreu.
Ficou evidenciado, e isso é o que indignou tantas pessoas, o quanto esse tipo de preconceito ainda está entranhado na sociedade. A agressão à jovem, a atitude da universidade Taleban, foi tudo muito assustador.
Sobrou um pseudoconsolo: aqueles que dizem que mulheres, nos dias de hoje, não têm mais do que reclamar ficarão caladinhos alguns dias. Poucos dias, pois o tamanho da montanha a ser escalada, como pudemos todos verificar, é enorme.
Não avançamos no número de mulheres na política -aliás, estamos entre os piores na América Latina. Continua a enorme desigualdade de salários para o mesmo trabalho e... quem é mulher tem sempre uma história para contar sobre o que ocorre no cotidiano, seja entre quatro paredes, seja na rua. E não são boas histórias.
A desqualificação da estudante, feita primeiro pelos seus pares e depois pela universidade, evidencia por que as mulheres têm tanta dificuldade em trilhar o caminho do poder, seja ele político, seja empresarial. Não é à toa que, no ranking das cem "Melhores & Maiores" empresas brasileiras publicado pela revista "Exame", nenhuma mulher ocupa o cargo de presidente.
Universidades como essa e desrespeito à liberdade da mulher produzem resultados que excluem mais da metade da população -o gênero feminino- dos seus direitos plenos.
Nós acreditamos que, assim como este é o século do Brasil, também é o século no qual as mulheres adquirirão, de fato e na prática, direitos iguais. Enquanto shows de autoritarismo continuarem a acontecer sem indignação da sociedade, será difícil atingir ambas as metas.
A reação da universidade diante da avalanche de repreensões e possíveis sanções deixa claro que a indignação e a reação públicas ainda conseguem mudar rumos.
*MARTA SUPLICY foi prefeita da cidade de São Paulo pelo PT (2001-2004) e ministra do Turismo (2007-2008). Artigo reproduzido do jornal Folha de S. Paulo (10/11/09)
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