sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O casamento gay e a omissão dos candidatos

Elecciones en Brasil y derechos LGBT


POR BRUNO BIMBI


Embora a Argentina, vizinha ao lado, e Portugal, que faz parte da família, tenham aprovado neste ano o casamento igualitário, a discussão sobre os direitos civis dos homossexuais não foi seriamente considerada pelos candidatos à presidência do Brasil. Os três concorrentes que pontuam nas pesquisas fizeram todo o possível para fugir das perguntas sobre o assunto.

E não é que eles sejam tão conservadores ou acreditem mesmo na discriminação, que nem o Levi Fidelix — afinal, tanto Serra quanto Dilma pertencem, pela sua trajetória de vida e formação política, à turma dos que sentiriam vergonha de dizer aos amigos que têm preconceito de gay. E a Marina, embora evangélica, é uma mulher negra, de esquerda, que nasceu pobre e foi analfabeta até a adolescência, o que tornaria absurdo que ela defendesse qualquer tipo de discriminação. E, acima de tudo, ela é do Partido Verde!

Mas mesmo assim, os candidatos se omitiram. Quando perguntados sobre o casamento gay, responderam sobre a “união civil”. E se alguém replicasse, contestavam em uníssono: “O casamento diz respeito à religião”, embora todos eles saibam — e se não souberem, deveriam — o que a Constituição Brasileira estabelece: “O casamento é civil” (226 § 1). O casamento religioso pode ter efeito civil, mas não é a mesma coisa.

Portanto, quando se fala em direitos civis (que é o único que está em discussão, já que ninguém está reivindicando o direito a se casar na igreja) a única forma de garantir a igualdade aos casais do mesmo sexo é acabando com a exclusão no acesso ao casamento civil. A resposta ficaria mais óbvia se falássemos dos negros, que também sofrem o preconceito, como os gays. Algum político democrático defenderia que quando um negro se casa, seu casamento fosse chamado pela lei com outro nome, por exemplo, “união estável de negros”? Imaginem um candidato à Presidência da República explicando para a população negra deste país: “Gente, é a mesma coisa, vai ter herança e plano de saúde! Deixa a palavrinha pra lá!”?

O que Dilma, Serra e Marina precisam que alguém lhes explique é que não existe a ‘quase igualdade’: ou se é igual ou não se é. E nós, lésbicas e gays, queremos ser.

Em todos os países onde a discussão do casamento igualitário chegou ao parlamento, a direita e os extremistas religiosos defenderam a alternativa da “união civil” — que eles nunca tinham proposto quando o casamento não estava sendo discutido. Antigamente, eles defendiam a fogueira, depois passaram a aceitar que nós continuássemos vivos, mas nos chamavam de doentes e desviados e não aceitavam que a lei nos reconhecesse direito algum. Acontece que agora isso é politicamente incorreto. A última carta que eles têm, e dessa não abrem mão, é impedir a igualdade simbólica.

Eles não são tolos e entendem o valor dos símbolos. Se permitirem o casamento gay, o preconceito contra nós passará a ter data de vencimento neste século, porque as crianças se educarão sabendo a lei nos reconhece até o direito a nos casarmos. Seremos iguais perante a lei e não haverá nenhuma norma juridicamente aceita que legitime o tratamento preconceituoso contra nós na vida social.

O que me surpreende é que a proposta de estabelecer direitos diferentes, com diferente nome, para homo e heterossexuais — que na Europa e até mesmo na Argentina é patrimônio da direita — seja partilhada no Brasil até por alguns políticos que se dizem de esquerda:

— Qual é o problema de não chamar as uniões homossexuais de casamento? — perguntou o candidato verde Alfredo Sirkis aos militantes do seu partido, discursando em defesa de Marina Silva.

Talvez a resposta que o primeiro ministro português José Sócrates deu aos oposicionistas na Assembleia da República possa ajudá-lo: “Falemos claro: o que acontece é que essa proposta [a “união civil”] mantém a discriminação, e uma discriminação tanto mais ofensiva quanto, sendo quase inútil nos seus efeitos práticos, é absolutamente violenta na exclusão simbólica, porque atinge pessoas na sua dignidade, na sua identidade e na sua liberdade. Srs. Deputados, em matéria de dignidade, de identidade e de liberdade, pela minha parte, não aceito ficar a meio caminho”.

O caminho da “união civil” é o caminho da segregação, como os restaurantes para negros e os restaurantes para brancos. Mesmo se os restaurantes para negros fossem igualmente bonitos e tivessem um ótimo cozinheiro, alguém duvida de que seria uma ofensa? Não só uma ofensa aos negros, mas à democracia.

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O autor é argentino, jornalista, ativista da FALGBT e aluno do curso de mestrado em Letras na PUC-Rio. Foi um dos responsáveis da campanha pelo matrimônio igualitário na Argentina e é autor de um livro sobre a história da nova lei, que será publicado em dezembro pela editora Planeta. Atualmente, está finalizando sua dissertação de mestrado, que trata da controvérsia linguística a respeito da palavra ‘matrimônio’.

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