Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, onde animais inteligentes inventaram o conhecimento. Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da “história universal”: mas também foi somente um minuto. Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. — Assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. Houve eternidades em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Mas se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos então que também ela boia no ar com esse páthos e sente em si o centro voante deste mundo. Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro daquela força do conhecimento, não transbordasse logo um odre; e como todo transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre seu agir e pensar.
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Fábula
— H. L. Mencken
No cristianismo, nem a moral nem a religião têm qualquer ponto de contado com a realidade. São oferecidas causas puramente imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, “livre arbítrio” — ou mesmo o “não-livre”) e efeitos puramente imaginários (“pecado”, “salvação”, “graça”, “punição”, “remissão dos pecados”). Um intercurso entre seres imaginários (“Deus”, “espíritos”, “almas”); uma história natural imaginária (antropocêntrica; uma negação total do conceito de causas naturais); uma psicologia imaginária (mal-entendidos sobre si, interpretações equivocadas de sentimentos gerais agradáveis ou desagradáveis, por exemplo, os estados do nervus sympathicus com a ajuda da linguagem simbólica da idiossincrasia moral-religiosa — “arrependimento”, “peso na consciência”, “tentação do demônio”, “a presença de Deus”); uma teleologia imaginária (o “reino de Deus”, “o juízo final”, a “vida eterna”). — Esse mundo puramente fictício, com muita desvantagem, se distingue do mundo dos sonhos; o último ao menos reflete a realidade, enquanto aquele falsifica, desvaloriza e nega a realidade. Após o conceito de “natureza” ter sido usado como oposto ao conceito de “Deus”, a palavra “natural” forçosamente tomou o significado de “abominável” — todo esse mundo fictício tem sua origem no ódio contra o natural (— a realidade! —), é evidência de um profundo mal-estar com a efetividade… Isso explica tudo. Quem tem motivos para fugir da realidade? Quem sofre com ela. Mas sofrer com a realidade significa uma existência malograda… A preponderância do sofrimento sobre o prazer é a causa dessa moral e religião fictícias: mas tal preponderância, no entanto, também fornece a fórmula para a décadence…
— Friedrich Nietzsche
Os que não padecem desta neurose (religiosidade) talvez não precisem de intoxicante para amortecê-la. Encontrar-se-ão, é verdade, numa situação difícil. Terão de admitir para si mesmos toda a extensão de seu desamparo e insignificância na maquinaria do universo; não podem mais ser o centro da criação, o objeto de eterno cuidado de uma Providência beneficente. Estarão na mesma posição de uma criança que abandonou a casa paterna, onde se achava tão bem instalada e tão confortável. Mas não há dúvidas que o infantilismo está destinado a ser superado. Os homens não podem permanecer crianças para sempre; têm de, por fim, sair para a vida “hostil”.
— Sigmund Freud
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