Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
Programa de Pós-graduação em História Social – Departamento História – LabTeo/ Núcleo de Estudos em História da Cultura Intelectual
Bolsista FAPESP
"O historiador nunca se evade do tempo da história: o tempo adere ao seu pensamento como a terra à pá do jardineiro."
Fernand Braudel
(“A Longa Duração”. In: História e Ciências Sociais. Lisboa: Ed. Presença, 1986, p. 33.)
O historiador e filósofo alemão Oswald Arnold Gottfried Spengler (1880-1936) é atualmente um quase desconhecido, mesmo entre historiadores e filósofos. No começo do século XX, entretanto, na Europa do entre-guerras, sua obra A Decadência do Ocidente foi um verdadeiro acontecimento filosófico, cultural, historiográfico e, sobretudo, editorial.
Autor de uma explicação cíclica e vitalista da história, Spengler tentou também interpretar os rumos da cultura e da civilização europeias – sobretudo da alemã. É bastante provável que para o leitor alemão de 1918 seus escritos refletissem acertadamente o ambiente sociocultural de crise da época. A profecia de decadência e de cesarismo político, suas críticas à falta de liberdade e profundidade na vida da Democracia da República de Weimer e ao poder da mídia e do capital financeiro, pareciam completar-se no agudo quadro de crise que a Europa, sobretudo seu país, enfrentou depois da Primeira Guerra Mundial.
Escrito antes da 1ª Guerra, mesclando o pensamento de Nietzsche à metodologia de Goethe, sua obra mais importante, A Decadência do Ocidente (Der Untergang des Abendlandes),,o primeiro tomo de 1918 e o segundo de 1922, foi um sucesso editorial, na Alemanha da República de Weimar.
Sua interpretação da História é periódica e, em alguma medida, organicista. Retomando um tema comum ao pensamento alemão, estabelece uma ligação temporal entre a “Cultura” e a “Civilização”, sendo estas agora etapas temporais consecutivas e “naturais” do desenvolvimento histórico. Sendo que “Cultura” foi o termo foi associado ao nascimento, à criação, à vida, à religião, à arte, enquanto “Civilização” foi associado à expansão, ao utilitarismo, à urbanidade e, sobretudo, ao declínio e à morte.
Sua Histórica Universal estaria dividida em oito blocos culturais independentes: clássica ou antiga, egípcia, mexicana (asteca e maia), chinesa, indiana, mágica, babilônica e ocidental. A história é subdividida em três épocas com características específicas: a espiritual, a estética e a política. Essas Culturas, ou blocos culturais, distribuídas em épocas passariam por fases de desenvolvimento às quais, metaforicamente, ele deu nome de “primavera, verão, outono e inverno”.
Toda expressão da história e da cultura de um povo seriam, para Spengler, reflexo de sua alma. Para evidências de que vários aspectos de uma cultura ou civilização são reflexo de uma alma na história, ele procurou demonstrar como os aspectos artísticos, arquitetônicos, urbanos e científicos eram apenas “símbolos” de uma alma de um povo em uma fase de desenvolvimento. Para caracterizar sobretudo as Culturas Clássica e Ocidental, Spengler utilizou os adjetivos “apolíneo” e “fáustico”.
Cabe notar que em seu esquema interpretativo foi possível desenvolver um interessante método histórico-comparativo, talvez precursor da Histórica Comparada.
Posteriormente, ele foi acusado com frequencia como um dos responsáveis ideológicos da barbárie em que mergulhou a Europa, sendo praticamente varrido dos debates intelectuais, assim como dos círculos acadêmicos e historiográficos. Tornando-se quase um tabu, entretanto, Spengler ainda foi lido por intelectuais de peso como Theodor Adorno, Fernand Braudel, Arnold Toynbee, Ortega y Gasset e, mais recentemente, Jacques Bauveresse – que reconheceram sua capacidade crítica e/ou explicativa.
A leitura de Th. Adorno
Oswald Spengler, intelectual conservador, e Theodor Adorno, intelectual crítico de esquerda, mesmo que em campos políticos antagônicos parecem ter percebido de maneira semelhante vários elementos na sociedade europeia do começo do século XX. Apesar de Adorno reconhecer a originalidade da teoria da história de Spengler, sua maior atenção parece ter sido depositada juntamente nos aspectos críticos da interpretação que este fez da civilização ocidental.
Para Adorno, como para também Bouveresse, Spengler ameaça vingar-se do esquecimento, tendo razão quanto ao futuro do ocidente.
Para Adorno, o mais interessante em A Decadência do Ocidente seria:
(...) A culminação desta filosofia da história na fase que segundo Spengler será a próxima e que denomina de “cesarismo” em analogia ao Império romano. Os prognósticos mais característicos se referem ao domínio das massas, a propaganda, a arte de massas, assim como às formas de domínio político, em especial certas tendências da democracia em converter-se em ditadura.
Outro ponto destacado por Adorno, segundo este acertadamente, é como Spengler concluiu que a concentração monopolista e sua consequente, concentração de poder seriam a “morte da economia numerária”.
Para Adorno, é muito importante a forma precoce em que Spengler, ao identificar uma tendência ao “cesarismo” na civilização ocidental, elabora a tese que o habitante da cidade é um “segundo nômade” que, assim:
Não expressa somente medo e desapego, mas também a a-historicidade incipiente de um estado em que os seres humanos somente se reconhecem como objetos de processos opacos e, entre o schock repentino e o esquecimento repentino, já não são aptos para a experiência contínua do tempo. Spengler vê a conexão entre a atomização e o tipo humano regressivo, que se evidenciou por completo na ocasião das erupções totalitárias.
Em alguns momentos, parece que Adorno identifica suas próprias concepções e prognósticos naquelas desenvolvidas em A Decadência do Ocidente por Spengler.
De acordo com ele, Spengler vê acertadamente e de forma muito aguda como o estado de consciência que toma as massas na sociedade ocidental fáustica coloca-as fora do “processo de produção”. Em outras palavras, aliena-as. Para ele, Spengler percebe o caráter esvaziado do “tempo livre” que, perdendo significado, tornou-se a continuação vazia e sem significado de atos repetitivos do trabalho – arte e esporte equiparam-se assim a fenômenos de massa ocos. Para Adorno, fica evidente em Spengler que a autonomia ilimitada do espírito é impossível sob a conexão com a “unidade abstrata do dinheiro”.
Para Adorno está bastante claro que Spengler identifica, assim como ele, que as formas racionais e contemporâneas de produção tornaram-se meios de destruição, e que sua continuação “natural” seria a guerra e o aniquilamento: “os acontecimentos se passam entre os oligarcas e seus especialistas em assassinatos: não brotam das dinâmicas da sociedade, mas somente de uma administração que chega à aniquilação”.
Além disso, de acordo com Adorno, Spengler também identifica acertadamente a tendência da economia contemporânea em eliminar o mercado e a dinâmica de concorrência para instalar uma situação econômica estática e “sem crise”.
É igualmente marcante que Adorno destaque que em Spengler há uma forte crítica aos modernos meios de comunicação de massa. Tema importante para o filósofo de Frankfurt, a crítica aos meios de comunicação de massa é percebida em Spengler na identificação correta de que, usando a “liberdade de imprensa”, os barões da mídia e seus monopólios transformam-se em poder contrário à liberdade de pensamento e reflexão, um poder obliterador, contrário à liberdade e à autonomia crítica. Adorno resume a crítica de Spengler em uma frase de impacto: “Spengler profetizou Goebbels”.
Outro ponto importante de Spengler ressaltado por Adorno é o prognóstico spengleriano sobre a transformação dos partidos em organizações de massa, e o progressivo esvaziamento da democracia parlamentar em sistema de poder oligárquico partidário que progressivamente transforma-se em seu contrário, caindo inevitavelmente na ditadura. Para Adorno, fica bastante evidente que o autor de a Decadência ironicamente prognosticou o fascismo e suas formas de dominação e controle sociopolíticos.
Para Adorno, os méritos de Spengler localizam-se, assim, sobretudo em seus prognósticos sociopolíticos. No que se refere especificamente à sua Teoria da História, parte mais extensa e profunda da obra de Spengler, Adorno caracteriza-a de forma crítica como irracionalista, metafísica, determinista, fatalista e positivista. Para ele, é evidente que Spengler estetiza a imagem da História: “(...) seria possível dizer que a história do mundo se converte [em Spengler] em história do estilo: os destinos históricos da humanidade são (igual à obra de arte) o produto de sua interioridade”. Contra estoicismo lúgubre de Spengler, Adorno preconiza a utopia crítica do possível.
Retomando as críticas de Adorno à Decadência do Ocidente, podemos lembrar que recentemente o filósofo Jacques Bouveresse demonstrou, em um artigo chamado “La Vengence de Spengler”, que este pode ser identificado em muitos aspectos, sobretudo por seu irracionalismo, ceticismo e historicismo radical, como um precursor inconveniente, e hipocritamente obliterado, dos pós-estruturalistas e pós-modernos atualmente tão em voga entre alguns grupos intelectuais ocidentais.
Um comentário:
DEPOIS DOS ACONTECIMENTOS MUNDIAS MARCANTES DÃO NOTORIEDADE A CERTOS
FILOSOFOS, MAS ANTES DISSO NADA SE COMENTAM A RESPEITO DE SUAS OPINIÕES
ENTRE OUTRAS COISAS. doncevclark@hot
mail.com
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