Madrugada paulistana: as portas de aço das lojas da rua Aurora, no centro, recebem uma estranha pichação
Foto: Alair Gomes
Nunca mais Álex, teus mamilos botão-de-rosa que o primeiro resvalar de unha lacera; os dedos rápidos para dentro da minha boca, essa tua mania nunca mais.
Escancarei ontem minha raiva na rua prostituta, lá mesmo onde te encostavas, lagarto lento e venenoso. Em dez portas de aço pintadas de branco deixei o jato preto de spray — O MICHÊ ÁLEX VIU JESUS? JESUS É NEGRO? —, e agora as butiques de roupa de novela lembram, depois das seis, o teu comércio ladino, mesmo quando lá não te encontras. ÁLEX VIU JESUS? Pintei para leres quando passares, como dizias na tua língua sulina, para lembrares que foste, és e serás puta barata.
Teu colega de calçada, que te trouxe pra São Paulo, cantou tudo na primeira espremida. Depois se jogou pra cima de mim (esse nojento nunca!, Álex) e pediu um troco para bater rango. Rindo, o sacana atirou na minha cara: o pastor do tempra bordô te tirou da rua e está te dando boa-vida.
Caralho, Álex! Justo aquele preto-bíblia que eu peguei duas vezes te azarando na esquina da praça? O nojento te botando pra dentro do carro comprado com a grana dos irmãos, adesivo no vidro traseiro para impressionar otário: EU ESTOU COM JESUS, E VOCÊ?, com desenho de dedo apontado como pinto em riste.
E eu, não dava tudo o que você pedia? Motel na estrada para lembrar a roça de onde saíste, uísque rótulo preto, jaco de couro e tênis imaculado todo mês. Até a coroa de ouro para o dente estragado, e aquelas revistas com loiras rampeiras da Dinamarca também. Devias enrolar e enfiar no cu, pelo menos uma vez, porque eu lembro bem, Álex, gostavas, comigo pelo menos gostavas, de avançar a mão por toda a parte e demorar em tudo. A pálpebra adormecendo sobre os olhos de esmeralda clara, e era tudo sempre como na primeira vez. Sorrias derretido e cantavas, no teu sotaque, o meu atraso, que tinhas dispensado a bichona do BMW porque, lembraste!, era o meu dia, e toda essa baba que eu escutava devoto. Afeição de cadela vadia, brincavas de gozar. Porém melhor fingidor que muito artista.
Álex, o de ar desamparado, nunca viu filme de James Dean, só porrada chinesa, mas o cigarro do puto colado no lábio frouxo. Macho-fêmea, doce-amargo, escuta olhando o teto e diz que precisa tempo para pensar. Três vezes por semana, e eu sempre esperando ouvir dizer que a maldita, que a polícia, que a tia do Rio… Mas o negro safado, Álex, sinceramente eu nunca imaginei. De repente o milagre, a revelação: você viu Jesus e ele te deu a bênção. O preto exorcista mandando entregar na quitinete a TV estéreo e a pizza quatro formaggio. Tá na cara, Álex, esse tarado vai dizer que está com Jesus e pedir sem camisinha, e ainda vai comer teu rabo de porcelana chinesa. Bem feito, alguém te algemar e te faturar, e a esta altura você já sabe que é melhor relaxar e pedir creme. Você preso nos quatro cantos da cama, o negro quatro vezes mais forte suando acre no teu dorso, o suor escorrendo e penetrando junto, pela primeira vez, você berra como bezerro desmamado, mas a barba dele arranca a seda da tua nuca, e aí vai ser pancada pura. Tomara, e então nunca mais serás Álex, comigo também nunca mais, mesmo se amanhã, no telefone, Álex, nunca mais
conto de Alvaro Machado
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