quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Ignorância destrutiva do anarco-nulo



Curto e bem grosso. É espantosa a infantilidade de certas correntes que tentam, a todo custo, mesclar camadas e alinhar fulanos e sicranos no espectro político.

Falta conhecimento histórico. Falta maturidade. Falta, sobretudo, o desenvolvimento de um sentimento solidário com a cidade.

Meninos bem nascidos, que nunca trabalharam, hoje posam de anarcoiconoclastas. Consideram chique e elegante o voto nulo e o repúdio blasé a qualquer agremiação de cunho político-partidário.

O que mais choca é que neófitos que mal leram Bakunin e Malatesta ergam justificativas fora de tempo e lugar.

Muita molecaiada de calças curtas, evidentemente, não precisa de voto nenhum. Paparicadinhos pelos pais, viverão bem e luxuosamente mesmo se direita retrógrada e não-liberal consolidar seu poder na cidade.

Nessa lassidão antipática, fazem a vontade de Médici, pregam o desengajamento, o escarro sobre o direito ao voto.

Ao contrário do que se acredita, esses estetas do individualismo enxergam muito bem. E sabem, na medida, quem pode universalizar direitos na cidade e quem pode restringi-los.

Você ainda do outro lado da telinha do computer, não seja cara de pau. Sabe ou não sabe?!

Gigi Damiani e Oreste Ristori, anarquistas de verdade, gente que militou há um século nesta urbe, saberiam de que lado cerrar fileiras.

Eles sabiam entender tempo e ambientes, avaliar contextos e apoiar estrategicamente as lutas populares.

Não é o que se imagina de gente motorizada que vai subir a Augusta a partir do lado sul da Avenida Paulista, acreditando que a política pode ser pretexto para uma rave de descolados.

De um lado temos a representação partidária das lutas democráticas e populares, com todos os seus defeitos e fragilidades, mas ainda assim, a duras penas, universalizando direitos, eliminando preconceitos, incluindo e patrocinando liberdades.

Gente tomou eletrochoque, sofreu sessões de afogamento e até morreu para que tivéssemos o direito a essa reforma social, acanhada mas valiosíssima.

De outro, temos o que há de mais atrasado na sociedade brasileira. Temos José Serra e o PSDB, o partido do egoísmo, do individualismo e da restrição de direitos.

Temos os pastores radicais moralistas, o bispo que não acredita em estupro, o coronel que mata pretos e pobres e que ameça de morte jornalistas que denunciam seus crimes.

Temos ali, bem ali, o retrocesso, a homofobia, o preconceito expresso, a fala de um homem que utiliza o baiano como sinônimo de bandido.

Temos essa gente ruim que proíbe o sopão dos pobres, que persegue artistas de rua e que luta para eliminar as centrais populares de reciclagem.

Quem não vê essa diferença não merece falar em "amor", "arte" e "liberdade". Quem não vê essa diferença frauda conceitos e, no fundo, está pouco se fudendo para o futuro da cidade.

Se a solução é apenas a negação, que se mudem esses para a Serra do Caparaó e definam suas vidas à volta da fogueira, ao som de um violão, à noite, numa comuna sem mediação de referentes monetários.

Perigas, não dar certo, porém. Lá não tem videogame, não tem Todynho e não dá para contar com a carona do papis no fim da noite.

Quer fazer "amor"? Meta e dê de verdade, com ternura, mas sem fricotes. Quer ser anarquista? Vá ler sobre a Greve de 1917 e não venha nos encher os pacovás com niilismo de terceira categoria.

Não existe amor alienado. Cresce, criatura!

via walter falceta Jr.
Texto crítico sobre o apartidarismo de: Existe Amor em SP

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Da necessidade de se criminalizar a homofobia*


Em primeiro lugar, cumpre destacar que o caput do art. 5º da Carta Magna celebra o chamado princípio da igualdade formal, segundo o qual todos os seres humanos são iguais em dignidade perante a lei, sem distinções. De tal mandamento, importa dizer que o Estado não deve apenas evitar as disposições discriminadoras, mas que também deve ter uma atuação positiva no sentido de coibi-las – e outra não poderia ser a conclusão, tendo em vista o teor de seu art. 3º, III –, se necessário até mesmo por meio da lei penal (RIOS, 2011). Apenas por meio desta atuação é que a sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos descrita em seu preâmbulo pode se efetivar.

Devido a tal, a política criminal brasileira tem-se marcado pelo progressivo combate ao preconceito, seja ele racial, religioso, ou de outra natureza, de forma que a criminalização da homofobia apenas segue esta tendência (BOTTINI, 2010). Tal entendimento levou o Ministro Marco Aurélio de Mello (2007) a eloquentemente questionar “Se a discriminação racial e a de gênero já são crimes, por que não a homofobia?”.
Deve-se destacar, entretanto, que o preconceito – ou antes, os preconceitos –, ainda que ad totum rechaçados na Carta Magna, são antes de uma categoria jurídica, um constructo histórico-social, de forma que certas discriminações são mais ou menos aceitas em nossa sociedade, o que acaba por refletir no tratamento legal de determinada questão.
Neste sentido, cumpre destacar que a própria Lei Maior, no seu art. 5º, XLII, determina expressamente a criminalização do racismo, não por ser este preconceito mais grave que outros ou a igualdade étnico-racial mais importante que, por exemplo, a igualdade de gênero. Tal previsão advém de um processo histórico específico que terminou pela incorporação formal das demandas dos movimentos negros na constituinte.
A Lei 7.716/89, a chamada Lei do Racismo, se num primeiro momento tão somente concretizava tal mandamento constitucional, acabou por se tornar a base jurídica da criminalização de qualquer forma de discriminação, por meio da inserção em seu primeiro artigo da em função de procedência nacional e por religião.

Tal situação levou o criminalista Guilherme de Souza Nucci (apud VECCHIATTI, [s.d.]) a afirmar que o termo racismo contemplaria toda ideologia que prega a superioridade ou a inferioridade de um grupo em relação a outro, ao comentar o conceito jurídico-constitucional de “raça” com base na decisão do STF no caso Ellwanger (HC 82.424/RS)[1].

De tal entendimento resulta que a inserção da homofobia na Lei do Racismo, longe de ser incoerente, visa apenas à sistematização do Direito Penal por meio de um único diploma que disponha sobre a criminalização das discriminações. Assim a lei estará punindo não apenas homofobia, mas também o sexismo, a discriminação religiosa, a xenofobia, etc. com as mesmas penas previstas para os casos de segregação racial (BOTTINI, 2010).

Esta igualdade entre as penas busca a concretização do princípio da proporcionalidade, uma vez que a punição cominada a determinado delito deve situar-se em patamar similar àquela imposta a outro delito que externe semelhante danosidade social (FELDENS, 2007). Com isto, procura-se demonstrar que o Estado brasileiro além de não tolerar nenhum tipo de discriminação não faz distinção entre estas.

O montante de pena dos crimes de discriminação (tanto daqueles constantes da Lei do Racismo, quanto o da chamada injúria discriminatória – Art 140, §3º do CP), por sua vez, recebe críticas de parte da doutrina por ser excessivamente rigoroso. Luiz Regis Prado (2010) especificamente conclui que a pena da injúria discriminatória é desproporcional frente ao bem jurídico que pretende tutelar – honra –, comparando-a a punição prevista para o homicídio culposo, que tutela a vida, bem jurídico axiologicamente mais elevado.

Tais críticas, entretanto, não permitem que a homofobia seja criminalizada com penas reduzidas em relação a outras formas de discriminação, tendo em vista que isto resultaria em dois problemas: de um lado, redundaria na declaração de que a homofobia é menos grave – isto é, mais aceitável – do que outras formas de preconceito; de outro lado, se aquela pena elevada foi a punição que o legislador considerou adequada para a tutela do bem jurídico igualdade racial, liberdade religiosa, etc., faz-se mister concluir que uma pena reduzida para os crimes de ódio devido ao preconceito sexual importaria, neste sistema, em lesão ao princípio da vedação da proteção deficiente, segundo o qual o legislador pode vulnerar determinado direito fundamental ao não protegê-lo de forma suficientemente efetiva (PULIDO, 2007).

Como já mencionado, do princípio da ultima ratio extrai-se que se outras formas de sanção jurídica ou de controle social protegerem suficiente determinado bem jurídico, a criminalização é inadequada e não recomendável (BITTENCOURT, 2009). Neste sentido, cumpre assinalar que o tratamento da questão não é homogêneo no Brasil, por ausência de uma lei nacional. No entanto, existem importantes leis visando combater a discriminação em alguns Estados e Municípios, como por exemplo, as constituições de Mato Grosso, Sergipe e Pará, que expressamente proíbem a discriminação em função de orientação sexual, além de haver legislação específica em cinco Estados (RJ, SC, MG, SP, RS) e o Distrito Federal.

            No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, a Lei nº 3406/00 prevê penalidades para estabelecimentos comerciais e agentes públicos que discriminem indivíduos em função de sua orientação sexual. Para aqueles as punições podem variar de multa até a interdição do local, e para estes podem provocar até mesmo o afastamento definitivo do servidor.

            Todavia, uma lei nacional acerca do tema se impõe, uma vez que estados e municípios em nosso atual sistema federativo possuem pouca competência para lidar com questões deste gênero e sua iniciativas, embora de importância inolvidável, possuem baixa efetividade devido a sua aplicação geográfica reduzida e tratamento pontual do problema.

            Este tratamento legislativo em âmbito nacional é, ademais, premente. A violência de cunho homofóbico atinge níveis elevados no Brasil e, embora não existam estatísticas oficiais sobre o problema, os que se debruçam sobre o tema são unânimes em afirmar que o país é recordista em casos de violência contra homossexuais, travestis e transexuais (GGB,2011).

            De acordo com o Ministro Marco Aurélio de Mello (2007), o Brasil é campeão mundial em se tratando de homofobia, com mais de 100 homicídios cometidos anualmente. Segundo dados coletados pelo Grupo Gay da Bahia (2011), em 2010 foram cometidos 260 homicídios motivados por homofobia, sendo a região Nordeste a que apresenta mais casos. Já a UNAIDS – órgão da ONU para a questão da Aids – constata um assassinato homofóbico no Brasil a cada três dias.

            Os assassinatos de cunho homofóbico são, ainda assim, apenas uma das facetas do problema, pois os crimes de ódio não se resumem ao homicídio e o preconceito opera por maneiras muito mais sutis do que a violência física, oprimindo o individuo moral e psicologicamente na sua comunidade, no seu trabalho e até mesmo no seio de sua família.

            Diante deste cenário, não é demais invocar a tutela penal. Contudo, ressalva-se que esta não intenta promover a conscientização ou ensinar os valores da tolerância e do convívio, que devem ser buscados por outros meios; não lhe é própria uma função verdadeiramente pedagógica, visando apenas impedir a negação de direitos a determinados grupos sociais (BOTTINI, 2010).

Uma das críticas recorrentes feitas à criminalização da homofobia é a de que importaria na criação de “direitos especiais” ou “privilégios”, isto é, num estatuto jurídico mais protetivo à comunidade homossexual do que a outros grupos. Tal entendimento ignora o fato de que as legislações que buscam combater a discriminação das minorias – ainda que não expressamente previstas na Constituição – pretendem apenas buscar a igualdade material em situações concretamente desiguais, tendo em vista que na sociedade existem grupos privilegiados e oprimidos, que não podem ser ignorados. A promoção do principio geral da igualdade em sua esfera material pressupõe a análise das circunstâncias históricas da realidade dada (RIOS, 2006).

Outra dura crítica que estes projetos sofrem é a de que importariam em lesão ao direito de liberdade de expressão, principalmente no âmbito religioso. Estes críticos, não obstante, parecem se esquecer de que não há direito absoluto e que a proibição do discurso de ódio não inviabiliza a liberdade de opinião ou crença, pelo contrário, apenas a efetiva, na medida em que a prática das liberdades num mundo plural pressupõe seu exercício pacífico e tolerante (RIOS, 2011).

Ademais, a delimitação do direito de liberdade de expressão visa também evitar que os discursos discriminatórios – ainda que proferidos do púlpito – acabem por fomentar crimes ainda mais graves. Esta perigosa relação foi explicitada pelo ministro Ayres Britto (2011): “O homofóbico exacerba tanto o seu preconceito que o faz chafurdar no lamaçal do ódio. E o fato é que os crimes de ódio estão a meio palmo dos crimes de sangue”.

Os que tacham o PLC122/2006 de “mordaça gay” e a criminalização da homofobia de “ditadura gayzista” querem fazer parecer que existe um direito de discriminar ou condenar indivíduos unicamente em função de sua orientação sexual, assim como no passado outros discursos quiseram fazer crer que era legítimo e lícito diminuir pessoas em função de sua cor ou sexo. Todavia, tal discurso não encontra respaldo em nossa ordem jurídica e é francamente inconstitucional, sendo fundamental combatê-lo. 
          
          Por fim, cabe anotar que uma lei que criminalize a homofobia ou assegure direitos a minorias sexuais pode estar fadada a se tornar uma mera promessa se os aplicadores do direito forem eles mesmos preconceituosos. Destarte, cabe destacar que juízes, promotores, advogados, etc. muitas vezes se valem de clichês e pré-concepções sobre a homossexualidade. Tais discursos, não raro, reforçam a ideia de que as vítimas contribuíram para a perpetração da violência sofrida com sua “vida de risco” ou comportamento sexual “patológico”, “amoral”, definindo desde cedo o rumo da investigação e do processo, mesmo em casos de condenação (RAMOS; CARRARA, 2006).

* Extraído de: CARDINALI, Daniel; FREIRE, Lucas. "Orgulho e Preconceito: notas acerca do tratamento penal da homossexualidade e da homofobia". Contexto Jurídico. Rio de Janeiro: CALC/UERJ, vol. 2, n. 2, 2011, pp. 121-139
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[1] Este caso emblemático discutiu se a edição de livros anti-semitas por Siegfried Ellwanger estaria incluída no crime de racismo. A defesa sustentou que os judeusnão seriam uma raça, não estando, portanto, configurada a conduta típica. Contudo, o STF entendeu que a divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social, não havendo diferenças biológicas entre estes.


Referências

BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal: parte geral I. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, 822 p.

BOTTINI, P. C. Discriminação é a negação do pluralismo. Folha de São Paulo. Tendências/Debates.  São Paulo; 04 de Dezembro de 2010.

BRITTO, C. A. Entrevista da 2ª. Folha de São Paulo. Cotidiano, São Paulo; 04 de Julho de 2011.

FELDENS, L. “A Conformação Constitucional do Direito Penal: realidades e perspectivas. In: SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. (coords.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007,  pp. 831-855.

GGB. Assassinato de Homossexuais no Brasil – 2010. 2011. Disponível em: . Acesso em: 07/07/2011.

MELLO, M. A. “A igualdade é colorida”. Folha de São Paulo.Tendências/Debates.  São Paulo; 19 de Agosto de 2007.

PRADO, L. R. Curso de Direito Penal brasileiro. Vol. 2, 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, 816 p.

PULIDO, C. B. “O princípio da proporcionalidade da legislação penal” In: SOUZA NETO, C. P.; SARMENTO, D. (coords.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, pp. 805-830.

RAMOS, S.; CARRARA, S. “A Constituição da Problemática da Violência contra Homossexuais: a articulação entre ativismo e academia na elaboração de políticas públicas”. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: n. 16, v. 2, 2006, pp. 185-205.

RIOS, R. R. Notas Sobre o Substitutivo ao Projeto de Lei 122. 2011.Disponível em: < http://www.clam.org.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?UserActiveTemplate=_BR&infoid=8405&sid=4>. Acesso em: 14/07/2011.

___________.  “Por um direito democrático da sexualidade”. Horizontes Antropológicos. Porto Alegre: ano 12, n. 26, 2006, pp. 71-100.

VECCHIATTI, P. R. I. Entenda o PLC122/06. [s.d.]. Disponível em: < http://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#axzz1SOgFYIbh>. Acesso em: 11/06/2011.


terça-feira, 7 de agosto de 2012

Sobre o ambiente homofóbico na comunidade virtual do Facebook do Partido Pirata do Brasil

Diante do ambiente geral homofóbico, demonstrado no facebook por membros do Partido Pirata do Brasil, retiro-me formalmente da tentativa de debater com essas pessoas, e retiro-me de qualquer idia de construir esse partido que pelo jeito já nasce velho. Piratas que não entendem a luta LGBT, não entendem o estado Laico, e a luta contra o racismo e a luta das mulheres, assim como não entendem que não vivem na Suécia ou na Alemanha não são piratas, são outra coisa, algo que vem do passado. 

A liberdade ilimitada que defendem alguns de seus integrantes, em nosso país, um dos mais injustos do mundo é a liberdade do mais forte pisar na cabeça dos mais fracos. Eu, como homem de esquerda, e como estudioso da história, dos movimentos de direita estarei sempre do lado daqueles que são mais fracos. Não entrarei na política para defender meus privilégios de homem branco de classe média, entrei sempre para estar ao lado dos que não possuem voz, não possuem terra, e não possuem amor e justiça. 

O resto é falatório vazio ou dogma libertário que não corresponde a prática e a realidade.  Renuncio assim a coordenação LGBT SP - e participação neste partido - por acreditar que o ambiente dos piratas não oferece instrumentos para qualquer tipo de luta contra a opressão homofóbica. Espero sinceramente daqui um anos eu não veja mais um PV no Brasil, partido hoje que é instrumento de homofóbicos e fundamentalistas religiosos - e não instrumento da justiça, da liberdade e do fim da opressão (como consta em seu programa). 

Um abraço

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pirate’s Codex




O Texto a seguir é a tradução para o português a partir do Pirate's Codex, do coletivo  Pirates without Borders (Piratas sem Fronteira). Este movimento promove as ideias piratas para além das barreiras das fronteiras.
Tradução: Augusto Patrini Menna Barreto Gomes




O Código dos PiratasPirate’s Codex

I – Os piratas são livres.

Os piratas prezam a liberdade, são independentes, autônomos, e recusam toda forma de obediência cega. Eles reivindicam o direito a se informar por si mesmo; e escolher seu próprio destino e a liberdade de opinião. Os Piratas assumem a responsabilidade que induz a liberdade. 

II – Os Piratas respeitam a vida privada.

Os Piratas protegem a vida privada. Eles combatem a obsessão crescente de vigilância pelo Estado, e pela economia, pois ela impede o livre desenvolvimento do individuo. Uma sociedade livre e democrática é impossível sem um espaço de liberdade, privada e sem vigilância.  

III – Os Piratas têm espírito crítico.

Os Piratas são criativos, curiosos, e não se satisfazem com o statu quo. Eles desafiam o sistema, procuram seus pontos fracos, e encontram as formas de corrigi-lo. Os Piratas aprendem com seus erros.

IV – Os Piratas são igualitários.

Os Piratas mantêm suas promessas. A solidariedade é importante quando ela beneficia a coletividade. Os Piratas não aceitam a apatia e a indiferença no seio da sociedade, e agem quando uma coragem moral é necessária.

V – Os Piratas respeitam a vida.

Os piratas são pacifistas. Assim eles rejeitam a pena de morte, a destruição do nosso meio ambiente. Os Piratas lutam pela perenidade da natureza e de seus recursos. Não aceitam nenhuma patente sobre os seres vivos.  

VI – Os piratas são ávidos por connhecimento.

O acesso a informação, a educação, ao saber assim como aos avanços científicos deve ser ilimitado. Os piratas defendem a cultura livre e o softwere livre.

VII – Os Piratas são solidários.

Os Piratas respeitam a dignidade humana. Eles se engajam na luta por uma sociedade solidária onde os fortes defendam os fracos. Os Piratas defendem uma concepção de política feita de objetividade e com equidade.

VIII – Os Piratas são cosmopolitas.

Os Piratas fazem parte de um movimento internacional. Eles se sustentam as fontes que oferece a Internet, e consequentemente, eles pensam além das fronteiras. 




Partido Pirata do Brasil 


Comunidade no Facebook


domingo, 24 de junho de 2012

Diário da resistência popular paraguaia



Sexta-feira
Consumado o golpe de Estado contra o presidente Lugo, a população que ocupava a Plaza de las Armas começou a dispersar, aos poucos, enquanto os grupos políticos começavam a se reunir para pensar como agir nos próximos dias.
Nessa mesma noite, pouco tempo depois do presidente golpista Federico Franco ser empossado, um enviado seu foi à única TV Pública paraguaia para tentar intervir na programação e evitar que saísse qualquer informação sobre o golpe.
A TV Pública Paraguay foi criada durante o governo Lugo para diversificar o tipo de programação, as informações e análises na mídia paraguaia, já que os grandes meios de televisão e imprensa privados costumam se expressar de forma uníssona, tendo total independência em relação ao governo.
Quando o interventor "franquista" chegou à TV Pública Paraguay para opinar sobre a programação, os funcionários se recusaram a obedecê-lo e denunciaram a tentativa de interferência por parte do novo governo sobre um meio de comunicação público.
Sábado
No dia seguinte ao golpe, as ruas de Assunção amanheceram calmas, apesar do sentimento generalizado de que o ocorrido no dia anterior havia sido um golpe contra a democracia.
Por volta de uma da tarde, um grupo de enviados de Federico Franco chegaram na TV Pública Paraguay com decretos presidenciais que os nomeava os novos diretores da rede de televisão, algo completamente ilegal, já que apenas o Secretário de Comunicação pode fazer tal nomeação. Um novo embate começa. Ao longo da tarde começam a chegar à frente da sede diversos/as apoiadores/as do presidente Lugo pra tentar barrar a censura que o governo golpista tentava impor ao único meio de comunicação que não seguia a linha chapa branca. A TV Pública passa a ser o principal espaço de resistência da luta pró-democracia e uma multidão se reúne e decide manter uma vigília pra barrar novos ataques.
As 19h começa o programa "Micrófono Abierto", onde qualquer pessoa podia subir em um palanque na frente da sede e emitir sua opinião sobre o que estava ocorrendo no país. Paralelo a isso, nos estúdios, ocorria um debate sobre a importância de uma TV Pública. As imagens internas e externas se hintercalavam ao longo da transmissão. Surpreendendo a todos, as 22:30 chega a sede o presidente Lugo, faz um discurso no "Micrófono Abierto" e vai aos estúdios dar uma entrevista para os jornalistas ali presentes.
Até as 12h desse domingo a vigília continua. As paraguaias e paraguaios constituíram a Frente pela Defesa da Democracia, declaram que não reconhecem o governo golpista, vão continuar denunciando internacionalmente o golpe de estado e lutando pela democracia. Há notícias de manifestações no interior e algumas rodovias fechadas pelos camponeses. Algumas ações estão sendo planejadas para hoje a tarde e a noite algumas delegações de outros países chegam para se somar a luta. Para o povo paraguaio ainda não está totalmente claro como restaurar a democracia em seu país, mas nenhum deles mostra hesitação. Através da luta chegaram até aqui e através da luta seguirão e forjarão o seu caminho.
* Iuri Faria Codas é diretor de Movimentos Sociais da UEE-SP e está acompanhando a resistência ao golpe no Paraguai, direto da capital Assunção.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Nós, os puros




Deu-se estes dias que chegamos a uma encruzilhada inaudita. Assim, os que ousaram se alinhar ao sentimento de Luiza Erundina, de repúdio à ligação do PT e de Lula a Paulo Maluf, passaram a ser chamados de “puros”. Assim mesmo, entre aspas, para que fique claro a conotação de que, uma vez puros, são também tolos, tristes sonhadores, idealistas cuja atitude pueril não só transgride as …regras do jogo como, no fim das contas, subverte a ordem de uma guerra santa. Em meio ao jihadismo estabelecido nas eleições paulistanas, de demônios tão nítidos quanto malignos, a atitude de Erundina contra a aliança da esquerda com um bandido procurado pela Interpol, com o cúmplice ativo dos assassinos da ditadura militar, com o construtor da vala comum do cemitério de Perus, com a representação do pior da direita, enfim, tornou-se um ato de traição, de purismo político, de angelical perversão.

Ato contínuo, os mesmos que dias antes haviam comemorado a chegada da deputada do PSB à campanha de Fernando Haddad passaram, de uma hora para outra, a demonizá-la, curiosamente, pelo viés de um purismo atávico e infantil. Erundina, a louca idealista, a tresloucada individualista capaz de destruir os planos de redenção da esquerda por causa de uma foto, uma imagem de nada, um instantâneo sem relevância nem simbolismo, apenas o registro banal de um líder da resistência a se confraternizar com chefe da escória. Ah, os puros, como são tolos! Justo quando deles se exige fortaleza e dedicação, aparecem esses sonhadores cheios de escrúpulos e regramentos éticos.

De toda parte, então, passaram a rugir leões do pragmatismo político, militantes de uma realpolitik feroz, implacável, a pregar a irrelevância dos puros, dos tolos da ética, quando não de sua influência nefasta sobre os jovens e, claro, do enorme desserviço prestado à democracia e ao admirável mundo novo que se anuncia. Os puros, dizem, nunca ganham eleições. E se não o fazem, portanto, que não atrapalhem os que as querem ganhar a qualquer custo. É preciso impedi-los, portanto, de se mostrar em público. É preciso calá-los, desqualificá-los, torná-los ridículos, patéticos em sua fraqueza.

Nem que para isso seja preciso transformar em traidora uma brasileira digna, com 40 anos de vida pública inatacável, uma heroína da resistência, uma política que passou a vida levando assistência a favelas e cortiços, uma parlamentar que dedica seus mandatos a defender a democratização da comunicação e o resgate da memória dos que foram seqüestrados, torturados e mortos pelo regime ao qual serviu Paulo Maluf. Este mesmo Maluf contra o qual os puros, os tolos e os sonhadores da política, vejam vocês, tem a ousadia de se voltar.


LEANDRO FORTES

Jornalista, professor e escritor, autor dos livros 'Jornalismo Investigativo', 'Cayman: o dossiê do medo' e 'Fragmentos da Grande Guerra', entre outros. Sua mais recente obra é 'Os segredos das redações'. É criador do curso de jornalismo on line do Senac-DF e professor da Escola Livre de Jornalismo.

fonte: www.cartacapital.com.br/blogdoleandrofortes/brasil/nos-os-puros

Texto de Leandro Fortes

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Chac Mool de Carlos Fuentes




Carlos Fuentesescritor mexicano  nascido em 11/11/1928 no Panamá — onde seu pai era diplomata — estudou na Suíça e nos Estados Unidos. Tendo em vista a profissão de seu pai, morou em Quito, Montevidéu, Rio de Janeiro, Washington, Santiago e Buenos Aires. Na sua adolescência regressou ao México, onde se radicou até 1965. Graduado em Direito na Universidade Autônoma do México e no Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra, tendo sido delegado do México perante os organismos internacionais sediados em Genebra. Foi embaixador do México na França. Nos últimos anos, o escritor tem se dedicado a dar aulas em Princeton, Harvard, Columbia e Cambridge. É catedrático nas principais universidades da europa, doutor honoris causa pelas Universidades de Harvard, Cambridge, Essex, Miami, Chicago e outras mais. Dentre os prêmios recebidos, destacamos: Prêmio Miguel de Cervantes, Legião de Honra francesa, Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras, Prêmio à Latinidade, Prêmio Biblioteca Breve, Prêmio Rómulo Gallegos e muitos outros mais.

Alguns de seus livros de maior destaque: La región transparente; La muerte de Artemio Cruz; Cumpleãnos; Tierra nuestra; Cristóbal Nonato; Valiente mundo nuevo, El espejo enterrado; Diana o la cazadora solitaria e Inquieta Compañia.

Carlos Fuentes morreu aos 83 anos, em 15 de maio de 2012, um dia após ser premiado com o título de doutor honoris causa pela Universidade das Ilhas Baleares pela qualidade e extensão de sua obra.




O texto acima foi extraído do livro "Chac Mool y otros cuentos",  e consta da antologia "Contos latino-americanos eternos", Editora Bom Texto - Rio de Janeiro) - 2005, pág. 97, organização e tradução de Alicia Ramal.





Chac Mool

Carlos Fuentes


Faz pouco tempo, Filiberto morreu afogado em Acapulco. Aconteceu na Semana Santa. Apesar de ter sido mandado embora do emprego na Secretaria, Filiberto não pôde resistir à tentação burocrática de ir, como todos os anos, à pensão alemã, comer o chucrute adocicado pelos suores da cozinha tropical, dançar o Sábado de Aleluia no La Quebrada e se sentir "gente conhecida" no escuro anonimato vespertino da praia de Hornos. Claro, já sabíamos que na sua juventude tinha nadado bem; mas agora, aos quarenta, e tão abatido como se encontrava, tentar atravessar, à meia-noite, o extenso trecho entre Caleta e a ilha da Roqueta!... Frau Müller não deixou que fosse velado, apesar de ser um freguês antigo, na pensão; pelo contrário, essa noite organizou um baile no terraço sufocado, enquanto Filiberto esperava, muito pálido dentro de sua caixa, que saísse o caminhão matutino do terminal, e passou lá, acompanhado de caixas e fardos, a primeira noite da sua nova vida. Quando cheguei, muito cedo, para cuidar do embarque do féretro, Filiberto estava embaixo de um túmulo de cocos: o motorista disse que o colocássemos rapidamente sob o toldo e o cobríssemos com lonas, para não espantar os passageiros, e que por favor não trouxéssemos azar à viagem.

Saímos de Acapulco na hora da brisa da manhã. No percurso até Tierra Colorada nasceram o calor e a luz. Enquanto comia ovos e chouriço, abri o cartapácio de Filiberto, que tinha apanhado no dia anterior, junto com outros pertences, na pensão dos Müller. Duzentos pesos. Um jornal velho da cidade de México. Volantes de loteria. A passagem de ida — só de ida? E o caderno barato, de folhas quadriculadas e capas de papel mármore.

Arrisquei-me a ler o caderno, apesar das curvas, do fedor a vômito e de um certo sentimento natural de respeito pela vida privada do meu defunto amigo. "Recordaria — sim, começava assim — nosso cotidiano labor no escritório; talvez soubesse, no final, por que foi rebaixado, esquecendo seus deveres, por que ditava ofícios sem sentido, nem número, nem "Sufrágio Efetivo Não Reeleição". Por que, enfim, foi afastado, esquecia a pensão, sem respeitar as hierarquias.

"Hoje fui acertar o assunto da minha pensão. O bacharel, amabilíssimo. Saí tão feliz que resolvi gastar cinco pesos numa confeitaria. É a mesma que freqüentávamos quando jovens e aonde agora não vou mais, porque me lembra que aos vinte anos podia me dar a mais luxos do que aos quarenta. Naquela época estávamos todos num mesmo plano, teríamos rejeitado com energia qualquer opinião pejorativa a respeito dos nossos colegas; de fato, lutávamos por aqueles que na casa eram questionados pela sua baixa extração ou falta de elegância. Eu sabia que muitos deles (talvez os mais humildes) chegariam longe e aqui, na escola, iam se forjar as amizades duradouras, em cuja companhia cursaríamos o mar bravio. Não, não foi assim. Não houve regras. Muitos dos humildes ficaram por ali, muitos chegaram acima do que podíamos prognosticar naquelas fogosas, amáveis tertúlias. Outros, que parecíamos prometer tudo, ficamos na metade do caminho, destripados num exame extracurricular, isolados por uma vala invisível dos que triunfaram e dos que nada atingiram. Enfim, hoje tornei a sentar-me nas cadeiras modernizadas — também há, como barricada de uma invasão, uma máquina de refrigerantes — e pretendi ler expedientes. Vi muitos antigos colegas, mudados, amnésicos, retocados de luz de neon, prósperos. Com a confeitaria que quase não reconhecia, com a própria cidade, tinham ido se cinzelando num ritmo diferente do meu. Não, já não me reconheciam; ou não queriam me reconhecer. No máximo — um ou dois — uma mão gorda e rápida sobre o ombro. Oi, velho, como vai! Entre eles e mim interferiam os dezoito buracos do Country Club. Disfarcei-me atrás das papeladas de oficio. Desfilaram na minha memória os anos das grandes ilusões, dos prognósticos felizes e, também, todas as omissões que impediram sua realização. Senti a angústia de não poder levar as mãos ao passado e juntar os pedaços de algum quebra-cabeça abandonado; mas a arca dos brinquedos vai sendo esquecida e, no final, quem saberá para onde foram os soldadinhos de chumbo, os cascos, as espadas de madeira? As fantasias tão queridas não passaram disso. E, no entanto, houve constância, disciplina, apego ao dever. Não era suficiente, ou sobrava? Em algumas ocasiões me assaltava a lembrança de Rilke. A grande recompensa da aventura da juventude deve ser a morte; jovens, devemos partir com todos nossos segredos. Hoje, não teria que voltar o olhar para as cidades de sal. Cinco pesos? Dois de gorjeta.

"Pepe, além da sua paixão pelo direito mercantil, gosta de teo­rizar. Ele me viu sair da catedral, e juntos nos encaminhamos para o palácio. Ele é incréu, mas isso não lhe basta; em meio quarteirão teve que fabricar uma teoria. Que se eu não fosse mexicano, não adoraria a Cristo e — Não, olha, parece evidente. Chegam os espanhóis e te propõem adorar um Deus morto feito um coágulo, com um lado ferido, cravado numa cruz. Sacrificado. Ofertado. Que coisa mais natural do que aceitar um sentimento tão próximo a todo teu cerimonial, a toda tua vida?... Imagina o contrário, que o México tivesse sido conquistado por budistas ou por maometanos. Não é concebível que nossos índios venerassem um indivíduo que morreu de indigestão. Mas um Deus a quem não basta que se sacrifiquem por ele, mas que inclusive se entrega para que lhe arranquem o coração. Caramba! Xeque-mate a Huitzilopochtli! O cristianismo, no seu sentido cálido, sangrento, de sacrifício e liturgia, se torna um prolongamento natural e novo da religião indígena. Os aspectos caridade,amor e o outro lado do rosto, no entanto, são rechaçados. E tudo no México é isso: é preciso matar os homens para poder acreditar neles.

"Pepe conhecia minha inclinação, quando jovem, por certas formas da arte indígena mexicana. Eu coleciono estatuetas, ídolos, vasos. Meus fins de semana passo em Tlaxcala ou em Teotihuacán. Talvez por isso ele goste de relacionar todas as teorias que elabora para meu consumo com esses temas. Na verdade procuro uma réplica razoável do Chac Mool há muito tempo, e hoje Pepe me informa sobre um lugar na Lagunilla onde vendem um deles em pedra e que parece ser barato. Vou no domingo.

"Um engraçadinho pintou de vermelho a água do garrafão no escritório, com a conseqüente perturbação das atividades. Fui obrigado a informar o diretor, que se limitou a rir muito. O culpado aproveitou-se da circunstância para fazer sarcasmos à minha custa o dia inteiro, todos em torno da água. Ch...

"Hoje, domingo, aproveitei para ir à Lagunilla. Encontrei Chac Mool na barraca que Pepe me indicara. Trata-se de uma peça belíssima, de tamanho natural, e apesar de o marchand me assegurar sua autenticidade, eu duvido. A pedra é corrente, mas isso não diminui a elegância da postura ou a solidez do bloco. O vendedor desleal esfregara molho de tomate na barriga do ídolo para convencer os turistas da sangrenta autenticidade da escultura.

"O transporte para casa me custou mais do que a aquisição da peça. Porém já está aqui, no momento, no porão, enquanto reorganizo meu quarto de troféus, a fim de lhe dar acolhida. Essas figuras precisam do sol vertical e fogoso; esse foi seu elemento e condição. Perde muito meu Chac Mool na escuridão do porão; ali,ela é uma simples forma agonizante, e sua expressão parece me cobrar que estou lhe negando a luz. O comerciante tinha uma lâmpada que iluminava verticalmente a escultura, recortando todas as suas arestas e proporcionando-lhe uma expressão mais amável. Vou ter que imitar seu exemplo.

"Amanheci com o encanamento de água com defeito. Incauto, deixei correr da cozinha a água, que transbordou, correu pelo chão e chegou até o porão, sem que eu percebesse. O Chac Mool resiste à umidade, mas minhas malas sofreram. Tudo isso, num dia de muito trabalho, me obrigou a chegar tarde ao escritório.

"Chegaram, por fim, para consertar o encanamento. As malas, tortas. E o Chac Mool, com lama na base.

"Acordei à uma da manhã: tinha ouvido um gemido terrível. Pensei em assalto. Só imaginação.

"Os gemidos noturnos têm continuado. Não consigo identificar a causa, estou nervoso. E, infelizmente, o encanamento voltou a dar problemas, e as chuvas que não param alagaram o porão.

"O bombeiro não aparece; estou desesperado. Do Departamento do Distrito Federal melhor nem falar. É a primeira vez que os ralos não dão conta da água das chuvas que acaba entrando no meu porão. Os gemidos pararam: vai uma coisa pela outra.

"O porão foi seco, e Chac Mool está coberto de lama. Ficou com uma aparência grotesca, porque toda a massa da escultura pare­ce agora sofrer de erisipela verde, exceto os olhos que permaneceram de pedra. Vou aproveitar o domingo para raspar o musgo. Pepe aconselhou-me mudar para um apartamento, morar num andar alto, para evitar essas tragédias aquáticas. Mas não posso deixar este casarão, com certeza é muito grande para uma pessoa só, um pouco lúgubre na sua arquitetura porfiriana. Porém é a única herança e lembrança dos meus pais. Não consigo me imaginar olhando para uma sinfonola no porão, e uma loja de decorações no térreo.

"Fui raspar o musgo do Chac Mool com uma espátula. Parecia já estar fazendo parte da pedra; foi um trabalho de mais de uma hora, e só às seis da tarde consegui acabar. Não se distinguia muito bem na penumbra; quando terminei o trabalho, toquei com a mão os contornos da pedra. Cada vez que a tocava, o bloco parecia amolecer. Não podia acreditar: já estava ficando como uma massa. Esse mercador de Lagunilla me enganou. Sua escultura pré-colombiana é de puro gesso, e a umidade vai acabar com ela. Joguei por cima uns panos; amanhã vou levá-la para o quarto de cima, antes que sofra uma deterioração total.

"Os panos caíram no chão, incrível! Voltei a apalpar o Chac Mool. Ele endureceu, mas a consistência da pedra não volta. Não quero escrever isto: há no seu torso algo parecido à textura da carne; ao apertar-lhe os braços sinto-os como se fossem de borracha, percebo que algo circula por essa figura reclinada... À noite desci novamente. Não resta nenhuma dúvida: Chac Mool tem pêlos nos braços.

"Nunca me tinha acontecido uma coisa dessas. Enrolei os as­suntos do escritório, passei uma ordem de pagamento que não estava autorizada, e o diretor teve que me chamar a atenção. Talvez até tenha sido indelicado com meus colegas. Vou ter que ver um médico, saber se é a minha imaginação ou delírio, o que é, e talvez me desfazer desse maldito Chac Mool."

Até aqui a caligrafia de Filiberto era a antiga, a que tantas vezes vi na forma, nos memorandos, larga e oval. A da entrada de 25 de agosto, no entanto, parecia escrita por uma outra pessoa. Umas vezes como de criança, separando com esforço cada letra; outras, nervosa, até se diluir no incompreensível. Passaram-se três dias sem nada, e a história continua:

"Tudo é tão natural; e logo se crê no real... mas isto é real, mais do que já foi acreditado por mim. Se é real um garrafão, e mais ainda, porque percebemos melhor sua existência, ou existir, se um gozador pinta a água de vermelho... Real e efêmero absorver o fumo do cigarro, real imagem monstruosa num espelho de circo, reais não são todos os mortos, presentes e esquecidos?... Se, por acaso, um homem atravessasse o paraíso num sonho, e lhe dessem uma flor como prova de que tinha estado lá, e se, ao acordar, ele encontrasse essa flor na sua mão... então, o quê?... Realidade: certo dia quebraram-na em mil pedaços, a cabeça foi para lá, a cauda para cá e nós não conhecemos mais que uma das partes soltas do seu grande corpo. Oceano livre e fictício, só real quando fica preso no rumor dum caracol marinho. Até três dias atrás, minha realidade o era até ter-se apagado hoje; era movimento reflexo, rotina, memória, cartapácio. E depois, como a terra que um dia treme para nos recordar seu poder, ou como a morte que chegará um dia, me recriminando o esquecimento de toda a vida, apresenta-se outra realidade: sabíamos que estava ali, assustadora; agora sacode-nos para se fazer viva e presente. Pensei, novamente, que se tratava de pura imaginação: o Chac Mool, mole e elegante, tinha mudado de cor numa noite; amarelo, quase dourado, parecia mostrar-me que era um deus, por enquanto frouxo, com os joelhos um pouco menos tensos que anteriormente, com o sorriso mais benévolo. E ontem, por fim, um despertar sobressaltado, com essa certeza espantosa de que há duas respirações na noite, de que na escuridão batem mais pulsos do que o próprio. Sim, ouviam-se passos na escada. Pesadelo. Voltar a dormir... Não sei quanto tempo tentei dormir. Quando voltava a abrir os olhos, ainda não tinha amanhecido. O quarto cheirava a horror, a incenso e a sangue. Com o
olhar negro, percorri a recâmara, até me fixar em dois orifícios de luz piscante, em duas flâmulas cruéis e amarelas.

"Quase sem fôlego, acendi a luz.

"Ali estava Chac Mool, erguido, sorridente, ocre, com sua barriga encarnada. Deixaram-me paralisado os dois olhinhos quase oblíquos, bem junto ao cavalete do nariz triangular. Os dentes inferiores mordiam o lábio superior, imóveis; só o brilho do panelão quadrado sobre a cabeça anormalmente volumosa, denunciava vida. Chac Mool avançou em direção à minha cama; então começou a chover."

Lembro que pelo final de agosto, Filiberto foi despedido da Secretaria, com uma recriminação pública do diretor e rumores de loucura e até de roubo. Nisso não acreditei. O que pude ver foram uns ofícios irracionais, perguntando ao oficial maior se a água podia ser cheirada, oferecendo seus serviços ao secretário de Recursos Hídricos para fazer chover no deserto. Não sabia o que pensar sobre tudo isso; achei que as chuvas, excepcionalmente fortes nesse verão, tinham enervado meu amigo. Ou que a vida naquele casarão antigo ,estava lhe provocando alguma depressão moral, com a metade dos quartos fechados e empoeirados, sem empregados nem vida familiar. As notas seguintes são de fins de setembro:

"Chac Mool consegue ser simpático quando quer... 'um glub-glub de água encantada'... Conhece histórias fantásticas sobre a monção, as chuvas equatoriais e o castigo dos desertos; cada planta sai da sua paternidade mítica: o salgueiro é sua filha transviada; os lótus, suas crianças mimadas; sua sogra, o cacto. O que não consigo suportar é o cheiro, extra-humano, que emana dessa carne que não é carne, das sandálias flamantes da velhice. Com riso estridente, Chac Mool revela como foi descoberto por Le Plongeon e colocado fisicamente em contato com homens de outros símbolos. Seu espírito viveu no cântaro e na tempestade, com naturalidade; outra coisa é sua pedra, arrancada do seu esconderijo maia no qual jazia; é artificial e cruel. Creio que Chac Mool nunca perdoará isso. Ele sabe da iminência do fato estético.

"Tive que providenciar saponáceo para ele lavar o ventre por onde o mercador, pensando ser ele asteca, passou molho ketchup. Não me pareceu gostar da minha pergunta sobre seu parentesco com Tlaloc, e, quando fica bravo, seus dentes, que já são repulsivos, se afinam e brilham. Os primeiros dias, desceu ao sótão para dormir; a partir de ontem, dorme na minha cama.

"Hoje começou a temporada da seca. Ontem, da sala onde durmo agora, ouvi os mesmos gemidos roucos do princípio, seguidos de ruídos terríveis. Subi; entreabri a porta do quarto: Chac Mool estava quebrando os abajures, os móveis; quando me viu, pulou em direção à porta com as mãos arranhadas, e apenas consegui fechar e correr para me esconder no banheiro. Pouco depois desceu, ofegante, e pediu água; deixa o dia todo as torneiras abertas, não fica um centímetro seco dentro da casa. Eu preciso dormir muito bem agasalhado, e tenho pedido a ele para não molhar mais a sala.

"Chac inundou hoje a sala. Exasperado, disse-lhe que ia devolvê-lo ao mercado de Lagunilla. Tão terrível quanto sua risadinha — horrorosamente diferente de qualquer risada de homem ou de animal­ foi a palmada que me deu, com esse seu braço carregado de pesados braceletes. Tenho que reconhecer: sou seu prisioneiro. Minha idéia original era bem diferente: eu dominaria Chac Mool, como se domina um brinquedo; era, por acaso, um prolongamento da minha segu­rança na infância; mas a infância — quem falou isso? — é o fruto comido pelos anos, e eu não tinha percebido... Pegou minhas roupas e veste a bata quando começa a lhe brotar o musgo verde. Chac Mool está acostumado a que lhe obedeçam, desde sempre e para sempre; eu, que nunca tive que mandar, só posso me dobrar diante dele. Enquanto não chover — e o seu poder mágico? — viverá colérico e irritadiço.

"Hoje decidi que de noite Chac Mool sai da casa. Sempre, ao escurecer, canta uma toada ruidosa e antiga, mais velha que próprio canto. Logo cessa. Bati várias vezes na sua porta e, como não respondesse, tive a coragem de entrar. Eu não tinha retornado ao quarto desde o dia em que a estátua tentou me agredir: está em ruínas, é ali que se concentra aquele cheiro de incenso e sangue que tem flutuado pela casa. Mas atrás da porta, há ossos de cachorros, de ratos e de gatos. Tudo isso de rouba durante a noite para se sustentar. Isso explica os latidos espantosos das madrugadas.

"Fevereiro, seco. Chac Mool vigia meus passos; tem-me obrigado a telefonar para urna pensão para que diariamente me entreguem urna marmita. Mas o dinheiro levado do escritório já está acabando. Aconteceu o inevitável: a partir do dia primeiro, desligaram a água e a luz por falta de pagamento. Mas Chac Mool desco­briu urna fonte pública a dois quarteirões daqui; todos os dias eu faço dez ou doze viagens em busca de água, e ele me observa do terraço. Diz que se eu tiver a intenção de fugir vai me fulminar: também é Deus do Raio. O que ele não imagina é que estou sabendo das suas escapulidas noturnas... Corno falta luz, vou me deitar às oito. Já deveria estar acostumado ao Chac Mool, mas faz pouco tempo, na escuridão, topei com ele na escada, senti seus braços gelados, as escamas de sua pele renovada e me deu vontade de gritar.

"Se não chove rápido, o Chac Mool vai se converter novamente em pedra. Tenho reparado que sente dificuldades para se mexer; às vezes fica encostado durante horas, paralisado, apoiado na parede e parece ser, de novo, um ídolo inerme, por mais deus da tempestade e do trovão que seja considerado. Mas esses repousos lhe proporcionam novas forças para me humilhar, me arranhar corno se pudesse arrancar de mim algum líquido da minha carne. Já não acontecem mais aqueles intervalos amáveis durante os quais me contava antigas histórias; creio perceber nele urna espécie de ressentimento concentrado. Também há outros indícios que me preocupam: os vinhos da adega estão quase acabando; Chac Mool acaricia a seda da bata; deseja urna empregada na casa, fez-me ensiná-lo a usar sabonete e loções. Há inclusive algo de velho no seu rosto que antes parecia eterno. Isto pode ser minha salvação: se Chac cai em tentações, se ele se humaniza, provavelmente todos os seus séculos de vida se acumulem num instante e ele caia fulminado pelo poder adiado do tempo. Mas também penso numa coisa terrível: o Chac não gostará que eu assista à sua queda, não aceitará uma testemunha... é possível que ele deseje me matar.

"Aproveitarei hoje a excursão noturna de Chac para fugir. Partirei para Acapulco; vamos ver o que se pode fazer para arrumar trabalho e aguardar a morte de Chac Mool; sim, está próxima; está com cabelos brancos, inchado. Eu preciso pegar sol, nadar e recuperar forças. Sobram-me quatrocentos pesos. Irei à pensão Müller, que é barata e confortável. Que Chac Mool fique dono de tudo: quero ver quanto dura sem meus baldes de água."

Aqui termina o diário de Filiberto. Não quis pensar mais na sua história; dormi até Cuernavaca. Dali para o México tentei dar coerência ao escrito, relacionar aquilo com excesso de trabalho, com alguma causa psicológica. Quando, às nove da noite, chegamos ao terminal, ainda não podia explicar-me a loucura do meu amigo, Contratei uma caminhonete para levar o féretro à casa de Filiberto,e posteriormente organizar o enterro.

Antes de conseguir introduzir a chave na fechadura, a porta se abriu. Apareceu um índio amarelo, de bata, com cachecol. Sua aparência não podia ser mais repulsiva; exalava um cheiro de perfume barato, queria cobrir as rugas com o rosto cheio de pó; tinha a boca enlameada de batom mal aplicado, e o cabelo dava a impressão de estar tingido.

— Desculpe... não sabia que Filiberto tivesse...

— Não faz mal; sei de tudo. Diga aos homens que levem o cadáver para o porão.



De: Projeto Releituras

quarta-feira, 9 de maio de 2012

A Universalidade de uma Opinião


A universalidade de uma opinião, tomada seriamente, não constitui nem uma prova, nem um fundamento provável, da sua exactidão. Aqueles que a afirmam devem considerar que: 1) o distanciamento no tempo rouba a força comprobatória dessa universalidade; caso contrário, precisariam de evocar todos os antigos equívocos que alguma vez foram universalmente considerados verdade: por exemplo, estabelecer o sistema ptolemaico ou o catolicismo em todos os países protestantes; 2) o distanciamento no espaço tem o mesmo efeito: caso contrário, a universalidade de opinião entre os que confessam o budismo, o cristianismo e o islamismo os constrangerá. 
O que então se chama de opinião geral é, a bem da verdade, a opinião de duas ou três pessoas; e disso nos convenceríamos se pudéssemos testemunhar como se forma tal opinião universalmente válida.
Acharíamos então que foram duas ou três pessoas a supor ou apresentar e a afirmar num primeiro momento, e que alguém teve a bondade de julgar que elas teriam verificado realmente a fundo tais colocações: o preconceito de que estes seriam suficientemente capazes induziu, em princípio, alguns a aceitar a mesma opinião: nestes, por sua vez, acreditaram muitos outros, aos quais a própria indolência aconselhou: melhor acreditar logo do que fazer controles trabalhosos. 

Desse modo, dia após dia cresceu o número de tais adeptos indolentes e crédulos: pois, uma vez que a opinião já contava com uma boa quantidade de vozes do seu lado, os que se seguiram o atribuíram ao facto de que ela só podia ter conquistado tais votos graças à consistência dos seus fundamentos. Os que ainda restaram foram constrangidos a concordar com o que já era considerado válido por todos, a fim de não serem considerados cabeças irrequietas que se rebelam contra opiniões universalmente aceitas, nem garotos intrometidos que querem ser mais inteligentes do que o mundo inteiro. 

A essa altura, o consenso tornou-se uma obrigação. A partir de então, os poucos que têm capacidade de julgar precisam calar, e os que podem falar são aqueles completamente incapazes de ter opinião e julgamento próprios, são o mero eco da opinião alheia: contudo, são também defensores tanto mais zelosos e intransigentes dela. Pois, naquele que pensa de outro modo, odeiam menos a opinião diferente que ele professa do que o atrevimento de querer julgar por conta própria, experiência que eles mesmos nunca fazem e da qual, no seu íntimo, têm consciência. Em suma, muitos poucos sabem pensar, mas todos querem ter opiniões: o que mais lhes resta a não ser, em vez de criá-las por conta própria, aceitá-las totalmente prontas de outros? Uma vez que assim sucede, quanto poderá valer a voz de cem milhões de pessoas? Tanto quanto um facto histórico que se encontra em cem historiadores, mas que depois se comprova ter sido transcrito por todos, um após outro, motivo pelo qual, no fim de contas, tudo reflui ao depoimento de um único homem. 

Arthur Schopenhauer, in 'A Arte de Ter Razão'

segunda-feira, 7 de maio de 2012

1917, l’année des occasions perdues



François-Georges DREYFUS
Historien

Pourquoi écrire un ouvrage consacré à une année de la Grande guerre ?

C’est la question que l’on peut se poser à la lecture du titre de l’ouvrage que je viens de publier, 1917, l’année des occasions perdues. Cette année 1917 est une année capitale, non en raison des batailles qui s’y déroulent, mais par l’impact des événements non militaires qui s’y développent. 1917, en effet, ce sont les deux Révolutions russes, l’entrée en guerre des États-Unis, l’apparition d’un foyer national juif en Palestine, l’essor de l’anti-occidentalisme de la pensée allemande et la naissance de ce qu’on a appelé la "Révolution conservatrice" ; 1917, enfin, c’est l’année des tentatives de paix qui avorteront par suite de l’inexpérience et la maladresse de leurs auteurs, l’empereur Charles Ier d’Autriche et le pape Benoît XV. Ce double échec va entraîner la prolongation de la guerre et son quota de morts supplémentaires. Il est vrai que l’anticléricalisme de la France et de l’Italie, l’antipapisme de l’Américain Wilson, le poids de la Franc-Maçonnerie seront des éléments non négligeables de l’échec de ces tentatives de paix. On comprend dès lors pourquoi 1917 est l’année des occasions perdues.
La tentative de Charles Ier a échoué en raison de l’inexpérience du jeune successeur de François-Joseph qui a accédé au trône le 21 novembre 1916. Charles n’a pas su garder secrètes ses relations avec le gouvernement français, relations dans lesquelles ses beaux-frères, les princes de Bourbon-Parme jouaient un rôle essentiel. Il ne s’est pas méfié de la prégnance allemande soutenue par une partie de son entourage. Il est vrai que, du côté français, de telles démarches impliquaient la mise à l’écart de l’Italie, ce à quoi la plupart des milieux de notre pays se refusaient, quelles que fussent les difficultés, militaires et diplomatiques, que l’Italie en guerre créaient à l’Entente (1). Quant à la tentative de paix du pape Benoît XV, préparée par Mgr Pacelli, alors nonce à Munich, et lancée à un moment où le Reichstag allemand se prononce pour "une paix sans annexion", elle va se heurter à l’opposition du président américain Wilson qui se refuse tant à discuter avec le régime impérial allemand qu’à voir un pape arbitrer les relations internationales. Woodrow Wilson qui entre en guerre en tant qu’ "associé" de l’Entente veut affirmer l’accès des États-Unis au concert international, détruire l’équilibre européen, pour lui substituer un ordre international affaibli que les États-Unis pourront contrôler. En août 1917, il y a quatre mois que les États-Unis sont en guerre, il n’y a pas un soldat américain sur le front : que le Pape pût paraître comme l’arbitre des relations internationales, voilà ce que l’antipapiste Wilson ne pouvait accepter.

Naturellement, 1917, ce sont les deux révolutions russes, celle qui emporte le Tsar, en mars, apparaît à l’Ouest de l’Europe - naturellement peu porté à croire les informations fournies par leurs diplomates - comme un renforcement de l’Entente. Ce n’est pas le cas, au contraire ; le peuple russe souhaite deux choses : la paix qui évitera la disparition de plusieurs millions d’hommes, et le partage des terres. Face à ces revendications, le gouvernement provisoire du prince Lvov, puis de Kerenski est, faute d’expérience et de jugement, incapable de mettre en place une politique novatrice. Divisé entre les habituelles tendances de la gauche, il est incapable de résister au populisme qu’apporte un Lénine rentré en Russie par la grâce de l’État major allemand. C’est lui qui mène à la paix tant attendue par le peuple russe. Il paraît évident que si l’arbitrage de Benoît XV avait réussi, le léninisme ne l’aurait pas emporté et son influence délétère ne se serait pas répandue dans le monde. Il est intéressant de souligner l’influence du léninisme sur la pensée allemande. Souvent antioccidentale (avec Sombart (2), elle subit la marque de Lénine et sait concilier socialisme et nationalisme. C’est le cas, en particulier, chez Thomas Mann (1875-1955), dans Considérations d’un apolitique (1918) ou chez Oswald Spengler (3), notamment dans Prussianité et Socialisme (1919), qui vont conduire à l’apparition du mouvement "Révolution conservatrice" (Die Konzervative Revolution), une des matrices du National-socialisme hitlérien (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei, Parti ouvrier allemand national-socialiste). 

1917, c’est aussi l’année où se prépare la disparition de deux grands empires multiethniques. L’Autriche-Hongrie, seul État à même de freiner le pangermanisme en Europe centrale, est condamnée à disparaître par la volonté du Grand Orient de France agissant sous l’influence d’intellectuels maçons tchèques, tels Thomas Masaryk (1850-1937) et Édouard Benes (1884-1948). Ils poussent à la création d’une État tchécoslovaque dont les peuples, quand ils seront vraiment libres de le faire, demanderont la disparition (4). Le second empire est l’Empire ottoman (5) où s’opposent Turcs et Arabes auxquels la déclaration Balfour (6) apportera un troisième élément constitué d’un "Foyer national juif" - ce malgré l’opposition catégorique des communautés israélites française et britannique. Ce foyer répond à un double objectif : faciliter l’exercice du pouvoir britannique au Moyen-Orient et rassurer les Juifs des États-Unis dont la majeure partie vient de la Russie qu’ils ont fuie, à cause des pogroms.

Ce qui marque le plus cette année 1917, c’est l’absence de toute sagesse politique dans les milieux aux affaires de presque tous les États. Il n’est pas inintéressant de constater qu’en 1917 le Reich a trois chanceliers et la France quatre présidents du Conseil. Pour des raisons politiciennes, le Parlement français siège en permanence et les chefs de gouvernement comme les ministres soumis à d’incessantes interpellations n’osent pas réagir fermement. La chute du gouvernement Briand, le 17 mars, à la suite d’un incident entre le général Lyautey, ministre de la Guerre, et la Chambre, en est la meilleure démonstration. Le gouvernement français a été incapable d’organiser de saines relations avec le chef d’État major de l’armée. On arrive à se débarrasser de Joffre, mais on fait appel, pour lui succéder, à celui que Joffre a désigné, Nivelle. Celui-ci lance, le 16 avril, l’offensive du Chemin des Dames qui est un échec dramatique causant en quelques jours plusieurs dizaines de milliers de morts. C’est alors, le 15 mai, que pour lui succéder, on fait appel à l’officier que soutenait Briand, le général Pétain. En quelques semaines, Pétain rétablit l’ordre dans une armée qui, profondément marquée par l’échec sanglant du Chemin des Dames, s’est laissée entraîner dans des mutineries. Commandant en chef, le général Pétain, proche du soldat en raison de sa situation d’avant-guerre (il commandait le 33e RI d'Arras), fait confiance aux combattants et apporte des améliorations sensibles à leurs conditions de vie. Sa stratégie, plus modeste que celle de ses prédécesseurs, porte ses fruits. Il rétablit le moral des armées, leur permettant de résister aux assauts de 1918. C’est de ce moment que date la popularité de Pétain considéré dans tous les milieux comme un général républicain. Cela explique l’importance de son rôle tant dans l’entre-deux-guerres que durant la période 1940-1944 (7). 

1917, on le voit, est une année clef de la Première guerre mondiale. Outre la prolongation des combats qui entraînera la mort d’un million supplémentaire de combattants, c’est en 1917 que se précise le déclin politique, diplomatique et économique de l’Europe, ainsi que sa balkanisation. 1917 est à l’origine des mouvements autoritaires, puis totalitaires des années 1920-1930, comme de l’engrenage qui conduira à la Seconde guerre mondiale. 

(1) France, Angleterre, Russie ont signé la Triple Entente en août 1907 ; elle fait pendant à la Triple Alliance, Allemagne, Autriche-Hongrie, Italie. L’Italie neutre au début de la guerre se joint à l’Entente en avril 1915.
(2) Werner Sombart (1863-1941), économiste et sociologue allemand, chef de "la Jeune école historique" - Die Jüngere Historische Schule - à laquelle on peut rattacher notamment Max Weber (1864-1920).
(3) Oswald Spengler (1880-1936) philosophe. Son œuvre majeure, Le Déclin de l'Occident, rédigée avant 1914, ne fut publiée qu'en 1918.
(4) La Tchécoslovaquie, née le 28 octobre 1918 de la défaite des empires centraux, a été dissoute après la réunification de l'Allemagne. Tchèques et Slovaques échouent sur la constitution d’un État commun début 1992. Les élections de juin 1992 voient la victoire des formations politiques séparatistes. La séparation s'opère à l'amiable. La République tchèque et la République slovaque naissent officiellement le 1er janvier 1993.
(5) Entré en guerre contre les pays de l'Entente le 1er novembre 1914, en tant qu'allié de l'Allemagne.
(6) La Déclaration Balfour, lettre ouverte adressée à lord L. W. Rothschild le 2 novembre 1917 par A. J. Balfour, ministre du Foreign Office, dans laquelle le Royaume-Uni se déclare en faveur de l'établissement d'un foyer national juif en Palestine.
(7) On a tendance aujourd’hui à faire du maréchal Pétain l’âme d’un complot contre la République. Si c’était le cas, on comprend mal pourquoi il entre au gouvernement Doumergue, au lendemain du 6 février 1934, pourquoi Daladier l’appelle (en vain) à être son vice-président du Conseil en septembre 1939. C’est Paul Reynaud qui réussit à le convaincre de l’assister en mai 1940. Au surplus, quand il est nommé ambassadeur de France auprès de Franco, le 2 mars 1939, L’Humanité et Le