segunda-feira, 30 de junho de 2008



Léonid Andreiev (Леонид Николаевич Андреев)

« La vie nous attend et la vie est une chose effrayante et incompréhensible. Il se peut que sa force terrible et impitoyable nous broie en broyant notre bonheur, mais même en mourant je dirai une chose : j’ai vu le bonheur, j’ai vu l’homme, j’ai vécu ! »

— Léonide Andreiev (1902)

"A quoi bon posséder une âme, si l'on ose pas la jeter au feu quand on en a envie ?"
- In: Judas Iscariote

« Que va-t-il donc arriver ? Ai-je vraiment eu ce désir de me dérober, de me décharger sur quelqu'un d'autre ? plutôt de dérober en moi l'inconnu, de ne pas le troubler, d'effacer ses pas pour que ce qu'il a accompli s'accomplisse sans laisser de reste, en sorte que cela ne s'accomplit pas pour moi qui demeure au bord, en dehors de l'événement, lequel passe sans doute avec l'éclat, le bruit et la dignité de la foudre, sans que je puisse faire plus qu'en perpétuer l'approche, en surprendre l'indécision, la maintenir, m'y maintenir sans céder. Était-ce autrefois, là où je vivais et travaillais, dans la petite chambre en forme de guérite, en cet endroit où déjà, comme disparu, loin de me sentir déchargé de moi, j'avais au contraire le devoir de protéger cette disparition, de persévérer en elle pour la pousser plus loin, toujours plus loin ? N'était-ce pas là-bas, dans l'extrême détresse qui n'est même pas celle de quelqu'un, que m'avait été offert le droit de parler de moi à la troisième personne ? »

Maurice Blanchot
CELUI QUI NE M'ACCOMPAGNAIT PAS [1953
]

domingo, 29 de junho de 2008

Blanchot






« Thomas demeura à lire dans sa chambre. Il était assis, les mains jointes au dessus de son front, les pouces appuyés contre la racine de ses cheveux, si absorbé qu'il ne faisait pas un mouvement lorsqu'on ouvrait la porte. ceux qui entraient, voyant son livre toujours ouvert aux mêmes pages, pensaient qu'il feignait de lire. Il lisait. Il lisait avec une attention et une minutie insurpassables. Il était, auprès de chaque signe, dans la situation où se trouve le mâle quand la mante religieuse va le dévorer. L'un et l'autre se regardaient. Les mots, issus d'un livre qui prenait une puissance mortelle, exerçaient sur le regard qui les touchait un attrait doux et paisible. chacun d'eux, comme un œil à demi fermé, laissait entrer le regard trop vif qu'en d'autres circonstances il n'eût pas souffert [...] Il se voyait avec plaisir dans cet œil qui le voyait. Son plaisir même devint très grand. Il devint si grand, si impitoyable qu'il le subit avec une sorte d'effroi et que, s'étant dressé, moment insupportable, sans recevoir de son interlocuteur un signe complice, il aperçut toute l'étrangeté qu'il y avait à être observé par un mot comme par un être vivant, et non seulement un mot, mais tous les mots qui se trouvaient dans ce mot, par tous ceux qui l'accompagnaient et qui à leur tour contenaient eux-mêmes d'autres mots, comme une suite d'anges s'ouvrant à l'infini jusqu'à l'œil absolu. D'un texte aussi bien défendu, loin de s'écarter, il mit toute sa force à vouloir se saisir, refusant obstinément de retirer son regard, croyant être encore un lecteur profond, quand déjà les mots s'emparaient de lui et commençaient de le lire. » — (pp. 27-28)



Maurice Blanchot In:Thomas l'obscur



« Ecrire, c'est ne plus mettre au futur la mort toujours déjà passée, mais accepter de la subir sans la rendre présente et sans se rendre présent à elle, savoir qu'elle a eu lieu, bien qu'elle n'ait pas été éprouvée, et la reconnaître dans l'oubli qu'elle laisse et dont les traces qui s'effacent appellent à s'excepter de l'ordre cosmique, là où le désastre rend le réel impossible et le désir indésirable. » — (Idem. In: L'écriture du désastre, pp.108-109)

sábado, 28 de junho de 2008

ONDE ENCONTRAR A DIFERENÇA ENTRE UMA OBRA DE ARTE E UMA MERCADORIA




Teoria da mídia em Walter Benjamin

Norbert W. Bolz

Tradução de George Bernard Sperber

Na minha opinião, a resposta a esta pergunta é muito simples, a saber, não há qualquer diferença entre obra de arte e mercadoria, pelo menos a partir da perspectiva de Walter Benjamin. Usando uma redução cabível numa palestra de apenas trinta minutos, eu até diria que, segundo o ponto de vista de Benjamin, só existem obras de arte na medida em que elas estão embutidas na forma de mercadorias. E que tudo aquilo que foi produzido esteticamente antes da configuração da arte pela forma da mercadoria não tinha a qualidade específica da arte autônoma, mas tinha caráter de culto. Quer dizer que, antes da autonomia, poder-se-ia dizer também antes da constituição da arte especificamente burguesa, as práticas estéticas eram momentos de um contexto cultual abrangente. Ou seja, antes da arte, a práxis estética era práxis cultual. Assim que a arte se constitui, no sentido próprio que hoje lhe damos, ela é inseparável da forma de mercadoria. Ou seja, não há qualquer diferença entre obra de arte e mercadoria. E depois da arte burguesa - e eu quero, a seguir, formular perspectivas de uma arte pós-burguesa, tal como ela se constituía para Benjamin através da mídia moderna - depois desta arte burguesa não mais existem obras de arte no sentido tradicional, mas existe um retorno da práxis estética, ou da prática da estética.

Talvez fosse o caso de dar ainda uma breve explanação, totalmente imanente a Benjamin, desta minha tese fundamental, talvez um pouco decepcionante, de que não há qualquer diferença entre obra de arte e mercadoria. Ela não existe, pelo menos do ponto de vista metodológico, para Benjamin. O que Benjamin pesquisou, por exemplo, no século XVII, sob o título "Emblema e Alegoria", visava sempre os efeitos de um esvaziamento do mundo. Quer dizer, a alegoria esvaziara o mundo, tornara-o isento de substância, aleatório e funcionalmente aplicável em seus componentes. Este esvaziamento alegórico do mundo é ultrapassado infinitamente na nossa modernidade tardia, isto é, mais tardar desde o século XIX, por aquilo que a mercadoria oferece. Para nós, para o nosso próprio horizonte de experiências, a mercadoria produz, enquanto esvaziamento do mundo, exatamente aquilo que a maneira alegórica dc ' ver havia produzido ainda no século XVII. Num determinado trecho de seu livro sobre o drama barroco alemão, Benjamin diz, de uma forma muito bonita, "a cosmovisão alegórica faz jus a este mundo, pois ele é um mundo no qual o detalhe não tem a menor importância".

Daqui em diante, deixarei as minhas elucubrações fluírem para a teoria do cinema de Benjamin, para mostrar que Benjamin vê no cinema uma ótica aberta pela técnica, dentro da qual, sim, o detalhe tem importância. Isto é, ele mostra como, num mundo dentro do qual o detalhe não tem, na verdade, importância, há, assim mesmo, a abertura de um novo mundo, no qual o detalhe tem importância. Benjamim também fala do inferno do detalhe, onde se abrem, portanto, estruturas e formas de percepção inteiramente novas. E deste modo, o cinema se torna a síntese, o resumo de todos os questionamentos estéticos de Benjamin.

Acho que o que antecede é o bastante, enquanto exposição de uma estética dos meios de comunicação, da qual falarei a seguir. Foi difícil, para mim, ficar calado no debate anterior, quando se falou da filosofia da linguagem, porque não vejo a atualidade de Benjamin naquele campo. Eu diria que a atualidade de Benjamin se dá radicalmente no campo da estética dos meios de comunicação de massas. Benjamin não mais pensa no conceito da estética no sentido tradicional para nós, no sentido de uma teoria das belas artes, nem mesmo no sentido geral dc uma teoria das artes, mas pensa na estética a partir de sua etimologia grega, isto é, da aisthesisê, ou seja, como doutrina da percepção. E, enquanto uma tal doutrina da percepção, a estética não é um departamento entre outros, mas é para Benjamin, uma nova ciência diretriz.

O que temos que perceber agora é que a modernidade estruturou cada vez mais, através da tecnologia, as funções da percepção, e que faz parte de nossas experiências mais fundamentais o fato dc nossa percepção ser perpassada por aparelhos e construções. Estas construções, pelo menos segundo Benjamin, não devem ser entendidas de tal forma que obstruam a nossa visão natural do mundo. É muito mais importante ver que estes aparelhos e construções configuram de maneira fundamental - filosoficamente eu diria a priori - a nossa percepção do mundo. Onde quero chegar? Quero chegar a dizer que estes novos meios representam algo assim como um novo a priori histórico e tecnológico da percepção do mundo. Por isso, hoje, uma estética científica deve ser formulada como uma teoria da mídia.

Para que isso se torne historicamente mais plausível, vamos partir do meio diretor da própria razão ocidental, daquilo que o Sr. Witte debateu quando falou em logocentrismo: da escrita alfabética. Esta escrita alfabética sofre, ao longo do desenvolvimento da modernidade, mudanças decisivas, que poderiam ser resumidas com a seguinte frase: "A escrita se emancipa do livro". A escrita sai do livro, emigra do livro e imigra para as formas da moda, para as formas da arquitetura e, sobretudo, naturalmente, para as formas da propaganda. E por isso, estes fenômenos, moda, arquitetura e propaganda, são tão infinitamente importantes para Benjamin, justamente por poderem ser decifrados como escrita. E também por isso a moderna metrópole se apresenta a Walter Benjamin como um fluxo cristalizado de dados. Max Bense cunhou certa vez uma expressão muito marcante para este novo mundo, chamando-o de "mundo dos cartazes".

As letras da propaganda diferenciam-se das letras do livro simplesmente pelo fato de não mais poderem ser distanciadas de forma contemplativa, mas de serem penetrantes, no sentido literal da palavra. Penetram no leitor quase que fisicamente. Poder-se-ia dizer até que elas incomodam o leitor. E no fundo, a propaganda, exatamente como a moda e a arquitetura, é uma escrita que nem mesmo precisa ser lida, porque ataca fisicamente o ser humano. E o ataca naquilo que o homem faz no seu dia-a-dia, nos seus hábitos mais corriqueiros, como morar, trabalhar - enfim, em todas as atividades mais evidentes. Este é um dos pontos que poderíamos resumir com a frase da emancipação da escrita do livro.

O segundo momento decisivo para Benjamin é a técnica da reprodução da imagem. É sabido que ele escreveu uma breve história da fotografia, ou seja, a fotografia teve para ele um papel relevante. Quero chamar a atenção para um ponto importante, a saber, para o instante decisivo para a fotografia em que ela se libera de sua aura. É fácil lembrar, seja pela própria experiência, seja pela leitura de Benjamin, que as primeiras fotografias apresentavam características de aura, simplesmente pelo fato de as primeiras câmaras não possuírem objetivas muito eficientes. Por isso ocorriam estes fenômenos peculiares, fantasmagóricos, que hoje nos parecem esteticamente atraentes. Há pouco tempo foi organizada uma exposição de Henry Fox Talbot que apresentava efeitos estéticos notáveis, justamente devido a esta característica de aura das fotografias primitivas. O decisivo para Benjamin é justamente o momento da destruição desta aura das fotografias, devido ao desenvolvimento de objetivas mais eficientes e de material fotográfico melhor. Este desencantamento da fotografia fornece-nos, pois, imagens desprovidas de impressões, ricas em detalhes detetivescos da realidade. É claro que mais recentemente voltou a ser moda fazer fotografias com aura. Este ponto poderia ser tratado durante o debate, porque ele tem grande importância sistemática para mim. As fotografias que interessam a Benjamin mostram imagens de "cenários", de locais onde algo ocorreu, mas que foram esvaziados de seres humanos. Esta visão do mundo sem aura ainda não fornece, contudo, o conhecimento desse mundo.

Uma frase famosa de Bertholt Brecht, fartamente conhecida, refere-se exatamente a esta questão, e diz mais ou menos assim: "Uma foto da fábrica da AEG nada diz a respeito da realidade da AEG". É claro que isso pode ser aplicado a qualquer outra fábrica ou instituição social. Uma fotografia de uma situação econômica ou social complexa não fornece qualquer conhecimento sobre esta situação. Se, mesmo assim, a fotografia enquanto moderno meio de comunicação - talvez o primeiro deles - quiser contribuir para o conhecimento histórico, ela própria deverá tornar-se construtiva. E este "tornar-se construtivo" da fotografia leva Benjamin fundamentalmente para duas técnicas. A primeira técnica consiste em legendar as fotografias. O exemplo mais simples disso, mas talvez não o mais importante, embora possa ser compreendido mais facilmente, é o do jornal. Qualquer fotografia publicada num jornal não diz praticamente nada se não for lida a legenda com que vem acompanhada. É só a legenda que transmite, por assim dizer, o conhecimento que a imagem pretende transmitir. Há formas mais sutis de legendar fotografias, a respeito das quais voltaremos a falar. Antes disso, porém, quero explicar a segunda técnica. A fotografia cria conhecimento no momento em que não age isolada, mas quando, através de efeitos de montagem, é interligada com outras imagens. Um maravilhoso exemplo disso aparece na capa de nosso programa, onde de maneira genial ou, quem sabe, inconscientemente genial, há uma superposição de uma foto de Benjamin com um seu manuscrito. Ou seja, há um confronto entre Benjamin e um meio de comunicação moderno e o meio de comunicação mais arcaico de todos: a escrita manual. É um belo exemplo de nossa teoria.

Retomando o fio da meada, a fotografia, para se tornar um meio para a transmissão do conhecimento histórico, necessita ganhar uma função construtiva, para além da função meramente reprodutiva. É necessário dizer, pois, como o dizia a frase de Brecht, que quanto mais funcional for a existência, tanto mais difícil é sua reprodução em imagens. Brecht também cunhou outra frase famosa, ao dizer que a realidade deslizou para o funcional. Nem sei se isso pode ser traduzido de forma a ficar tão bonito como em alemão. O que ela quer dizer é que, quanto mais a nossa vida se dissolve em relacionamentos funcionais, tanto mais difícil fica retratar simplesmente esta vida ou reproduzi-la fotograficamente. Mas, quando a gente quer se fazer uma imagem do mundo, por exemplo através de uma fotografia, são mister preparativos especiais. Por isso a fotografia (e a palavra fotografia significa, literalmente, escrita feita com luz) precisa desenvolver uma técnica construtiva.

A minha tese seguinte diz que a fotografia se torna técnica construtiva exatamente na medida em que se emancipa do homem. A fotografia liberta-se do ser humano, tornando-se, assim, um meio para o conhecimento histórico. Deixarei claro o que isso significa em base a um exemplo simples. O olho natural somente nos oferece o mundo cotidiano que, para nós, não tem qualquer qualidade de conhecimento, de entendimento. O argumento de Benjamin consiste em dizer que a lente, as diversas possibilidades da lente da câmara, assim como a condução da câmara, nos libertam da ótica dos nossos olhos naturais e nos apresentam mundos, nos mostram recortes de uma espécie antifísica, contranatural, na qual se delineiam nitidamente formações estruturais às quais o nosso olho natural nunca teria acesso. Esta seria, pois, uma forma de conhecimento através de uma ótica antifísica.

Mas, como já foi dito de início, todas as reflexões estéticas de Benjamin a respeito da mídia, tanto as que se referem à escrita como as que se referem à fotografia, desembocam numa teoria do cinema. Para Benjamin, o cinema se encontra no fim de um desenvolvimento da percepção que foi deslanchado na Alemanha lá por volta de 1800, ou seja, nos tempos do romantismo precoce. Esta evolução da percepção, que vai de 1800 até nossos dias, não é passível de ser descrita suficientemente com conceitos da modernidade clássica. Este fato pode ser verificado com as seguintes experiências marcantes. O que antes era chamado de estilo é substituído pela moda; o que era chamado de arte, ou celebrado como arte, é substituído pela propaganda. E o lugar da bela aparência é ocupado pela realidade cinematográfica. Este termo "realidade cinematográfica" é uma citação da obra de Benjamin sobre as galerias, e eu tentarei explicitá-lo um pouco. Para Benjamin, o cinema não é nada mais nada menos do que a escola de uma forma de percepção do tempo, a saber, uma percepção do tempo para a qual não há mais continuidade, para a qual não há nenhum valor no sentido clássico do termo. Todos nós nos exercitamos nesta forma de perceber o tempo toda vez que vamos ao cinema.

Talvez seja necessário dizer agora algo de fundamental para se entender tudo o que se segue: Benjamin, em princípio, não se interessa pelo conteúdo dos filmes. Ou, para formulá-lo de uma maneira mais cautelosa, o que interessa na teoria de Benjamin nada tem a ver com o conteúdo dos filmes, mas única e exclusivamente com a sua forma. Esta constatação é importante, para que não haja mal-entendidos a respeito do que segue, porque a nova percepção do tempo, este novo ritmo irregular, feito de empurrões, com as suas superposições e montagens, corresponde a um fluxo de notícias, a um fluxo de dados que é afunilado pelo princípio seletivo da sensação. Portanto, a sensação é, por assim dizer, o critério, também o critério de seleção para este novo fluxo de dados e notícias.

Muitos afirmam, afirmaram hoje mesmo, que Benjamin é marxista. Tenho minhas dúvidas a respeito. Mas há um ponto em que ele poderia ser considerado, pelo menos aqui e agora, como marxista, a saber, como alguém que concebe as máquinas modernas, tais quais Marx as descreve n'O Capital, como modelos, como protótipos para o desenvolvimento das formas de percepção. Benjamin vê, concebe o cinema como o meio em que as formas de percepção são treinadas para serem correspondentes às modernas máquinas. O cinema oferece um aprofundamento da percepção, mas não fornece, de jeito nenhum, uma interpretação do sentido. Através destes choques, produzidos pelos jatos de imagens, o cinema corresponde a uma das necessidades decisivas da modernidade, a saber, a de viver em descontinuidade. Portanto, numa perspectiva bem mais otimista que a de Adorno, Benjamin não parte do princípio de que sofremos pelo fato de não mais existir um devir, uma continuidade. Ele diz que nós, enquanto homens modernos, temos necessidade de viver em descontinuidade. Nietzsche diz algo que corresponde muito bem a esta posição, numa frase belíssima: "Gostamos dos hábitos breves". Da mesma forma que o cinema, também o jornal rompe com a continuidade da leitura. E quem há de negar que o trânsito das grandes cidades rompe com os movimentos naturais do ser humano.

Dessa forma, portanto, no cinema a gente aprende a incorporar descontinuidades e se exercita nelas. O ponto decisivo nisso tudo é o seguinte: no cinema a gente aprende a exercitar descontinuidades num estado de distração. Eu gostaria de reduzir tudo isso a uma definição: hoje em dia, perceber significa tomar os choques como rotina.

A conclusão desse raciocínio poderia ser, para uso dos intelectuais na galáxia de Gutenberg, a seguinte: o distanciamento diante da realidade, a procura permanente de uma certa perspectiva para a percepção do mundo, comportamento típico dos intelectuais e dos burgueses cultos da galáxia de Gutenberg, são substituídos integralmente pela proximidade objetiva. E com isso a crítica atinge a sua hora derradeira. Porque crítica pressupõe perspectiva, pressupõe afastamento correto e necessário para poder diferenciar, criticar, julgar com distanciamento. De fato, o crítico ainda era capaz de assumir um ponto de vista e gozava ainda da despreocupação permitida por uma observação isenta. Mas tudo isso não mais existe, em vista da realidade cinematográfica. O lugar do golpe de vista e da consciência crítica é ocupado pela tatilidade e pela proximidade. Benjamin entende o cinema como o lugar em que acorre algo que já fora prometido por um grandioso mito no nascimento da tragédia de Nietzsche, a saber, a ressurreição do espectador genuinamente estético.

Não há aqui espaço nem tempo para explicitar o nascimento da tragédia em Nietzsche. Em todo caso, para ele a grande experiência de Bayreuth consistiu não apenas em que, graças à Gesamtkunstwerk, a obra de arte integral wagneriana, haja sido possível recuperar a tragédia, retomar a Antigüidade, mas também em que a Gesamtkunstwerk tenha dado nascimento, pelo lado da recepção, a um espectador estético, que estava perdido há dois mil anos. E ele tinha se perdido pelo fato de existirem personagens como o burguês "curtidor" e o crítico intelectual. E, pelo fato de os críticos intelectuais não saberem "curtir" e os burgueses "curtidores" não saberem criticar nem serem sagazes, dois mil anos de cultura burguesa foram atrozes, do pondo de vista de Nietzsche. Ergo ele via na Gesamtkunstwerk a grande esperança para a ressurreição deste espectador antigo, genuinamente estético.

O que a nós interessa, neste momento, é verificar que Benjamin afirma a mesma coisa a respeito do cinema, e que este espectador genuinamente estético que, por assim dizer, nasce com o público cinematográfico, torna supérfluos os críticos. Isso porque o filme, diferentemente da obra de arte burguesa, não é objeto de contemplação, mas é o objeto, o instrumento, de um exercício prático. A palavra preferida de Benjamin neste contexto é "teste", pois de fato o espectador estético testa, no cinema, quer dizer, sua atitude não é crítico-intelectual nem burguesa-"curtidora", mas se torna uma síntese, na medida em que ele testa. Testa com prazer, se esta expressão for preferível.

Estou chegando ao fim das minhas reflexões com dois pensamentos a respeito da relação entre estes novos meios de comunicação de massa e a psicanálise, por um lado, e com a experiência da Guerra Mundial, pelo outro. O cinema produz uma imagem peculiar do mundo, uma imagem que é jeitosa e operacional, e não contemplativa e distanciada. É jeitosa porque dá para lidar com ela. É o resultado do fato técnico de que a câmara parte o todo do mundo das imagens em pedaços. Poder-se-ia dizer que a aparência que a câmara produz - porque o que o cinema nos apresenta não é a realidade, mas aparência - que esta aparência se torna aproveitável graças ao cinema e às suas técnicas. É a primeira aparência aproveitável. Segundo a experiência de Benjamin, não é mais possível a gente submergir, se aprofundar nas imagens do cinema. Portanto, não é mais possível comportar-se contemplativamente diante delas. O que, trocado em miúdos, significa que as imagens do cinema, a realidade cinematográfica, excluem, impedem a interiorização. Os meios técnicos de que a câmara se utiliza para penetrar na realidade e para fornecer imagens despedaçadas da realidade são fartamente conhecidos. O close-up, a câmara lenta, a trucagem, a montagem.

É necessário lembrar o que já afirmei, que Benjamin vê a emancipação da nova mídia como sendo equivalente a uma emancipação do ser humano. Esta afirmação se vê confirmada agora de forma marcante, pois o que é decisivo quanto a esta imagem do mundo, transmitida pelo cinema, é o fato dela não surgir sob a tutela de um autor ou de um diretor famoso. Estas personagens não existem realmente, são figuras cult. A Hollywood moderna tem a enorme vantagem de reduzir novamente a zero essa personagem cult do grande diretor. As figuras importantes na produção de um filme, hoje em dia, são os responsáveis pelos efeitos especiais, os especialistas em trucagem. E o que isso significa, no dia-a-dia do cinema de hoje, é que a produção de um filme se faz sob a égide da objetiva e não da consciência de um autor. O filme fornece, assim, aquilo que o próprio Benjamin chamara de "trabalho prismático". Esta expressão significa o seguinte: o nosso cotidiano é cinzento, pelo menos na Alemanha isso é perceptível de imediato. Esse cotidiano é desmembrado como um prisma pelo cinema. O cinema tem o mesmo efeito da psicanálise, só que o tem para um mundo das coisas. Eu diria até que o cinema faz a psicanálise do mundos das coisas. E é apenas o olho da câmara cinematográfica que tem esse olhar diabólico para o inferno do detalhe. Quero dizer que é dentro do detalhe, que aparentemente não tem a menor importância, que se abrem as portas de um verdadeiro inferno.

O último ponto. A Primeira Guerra Mundial. A minha tese é que, para Benjamin, desde a Primeira Guerra Mundial, os meios de comunicação de massa ocuparam o lugar da experiência e da memória. Memória e experiência foram destruídas, destruídas traumaticamente pelos choques da Primeira Guerra Mundial, e o seu lugar é ocupado pelos meios de comunicação de massa. E o que acontece agora, após a Primeira Guerra Mundial, não mais jaz nas profundezas da memória (não há mais nenhum Proust a ajudar-nos), mas na superfície dos arquivos iconográficos. Por isso, a Guerra Mundial é, para Benjamin, o antiépico por excelência. Nada pode ser relatado a seu respeito, porque o que a Guerra Mundial conseguiu foi transformar a vida toda em seqüências de choques. Portanto, a Guerra Mundial faz com os homens exatamente aquilo que o cinema faz com o mundo: transforma aquilo que é passível de experiência, de vivência, em seqüências de choques.

Eu defino a experiência fundamental de Benjamin com uma frase, que certamente é difícil de traduzir, mas para a qual não encontrei uma variante melhor, confiando no tradutor. A experiência fundamental de Benjamin é a de que não são mais os homens que a ela se opõem os que são capazes de lidar com a Guerra Mundial, mas apenas as máquinas que a registram.

Se me for permitido dizer uma última frase, para fazer uma ponte com o que foi debatido de início, quando se falou em teologia (e eu mesmo me sinto um pouco culpado disso, pois, por incrível que pareça, vejo uma relação entre teologia e estética da mídia), eu diria que, para Benjamin, há de fato uma tal relação, até mesmo uma relação fundamental, se eu não estiver enganado. Acho que, para Benjamin, a questão se coloca de tal forma que a situação de tudo o que é terreno, nascido na Terra, tornou-se hoje, perante a aparelhagem, tão total como outrora o era a posição religiosa do homem perante Deus. Acho que posso ver que esta fórmula, tão freqüentemente utilizada por Benjamin, de mostrar o homem despido de tudo diante da aparelhagem, designa exatamente a mesma situação em que, em tempos religiosos, estava o homem nu diante de Deus. Eu mesmo ainda não sei o que isso significa, mas talvez vocês poderão dizê-lo.

Michael de la Fontaine

Tradução de George Bernard Sperber

Com certa curiosidade vou despir agora a roupa do funcionário do Goethe-Institut, batendo à porta da República dos Sábios, dos Filósofos, na esperança de que eles me deixem entrar. Ao mesmo tempo, gostaria de pedir desculpas por continuar em alemão. Os motivos são dois. Um deles é que o meu português tem apenas três anos de idade e não vai ser suficiente para tratar deste assunto tão complexo. O outro, é que tenho ainda bem viva a lembrança das vozes de outros integrantes da assim chamada Escola de Frankfurt, como o próprio Adorno, Horkheimer e Fromm ou Herbert Marcuse. Por isso vou continuar em alemão.

É estranho, mas todos nós, quando pensamos em Walter Benjamin, pensamos também, e muito, em estética, teorias estéticas. Mas, quando revemos os escritos de Benjamin, encontramos, a bem dizer, muito poucos trabalhos que se ocupem desses temas de forma bem concreta. Porquê? Vou tentar fugir dessa dificuldade, procurando, como bom irônico, chegar à minha meta através de um desvio. Vou tentar explicar a diferença que Benjamin faz entre obra de arte e mercadoria, ou mesmo o que seria a obra de arte' a partir do desenvolvimento paralelo das teorias de Benjamin e de Adorno. É claro que ainda nos faltam muitos materiais a respeito, faltam cartas, correspondências, diários, etc., nos quais ainda não pude pôr os olhos e que ainda precisam ser vistos pela pesquisa. Quero proceder a isto através de uma série de passos.

O primeiro passo é bem pouco teórico. Ele tenta esboçar brevemente as premissas históricas, os parâmetros destes dois homens. Gostaria de formular, neste contexto, a teoria de que, quanto à sua orientação estética, Benjamin reagiu aos choques da Primeira Guerra Mundial - e que Adorno reagiu a Benjamin. Esta construção pode parecer estranha, pois que, ao longo de toda uma série de anos, pareceria que ambos levaram vidas paralelas. Ambos provinham de lares judeus bem aquinhoados, econômica e culturalmente, ambos têm uma ambição comparável. Benjamin quer ser o melhor crítico literário - digamos da Alemanha, ou, entre parênteses, da Europa - e ao mesmo tempo, não quer esquecer a carreira acadêmica. Adorno quer ser o melhor crítico musical do seu tempo e nem pensa em esquecer sua carreira acadêmica. Este jogo parece dar certo até mais ou menos 1925. Até ali pareceria que Adorno, quase dez anos mais jovem, aquele "caxias" que saltava os anos escolares, conseguiria alcançar a geração de Benjamin. Mas de repente, por causa de uma questão infeliz, ocorre uma separação entre as duas biografias. O que ocorre naquele ano? Benjamin lenta fazer sua Habilitation, digamos, sua livre-docência, em Frankfurt, com a sua tese sobre a tragédia, tão freqüentemente mencionada aqui. E, pelo menos é isso que nos é asseverado de forma plausível, é justamente um dos posteriores integrantes da Escola de Frankfurt quem o desvia de sua carreira acadêmica: Max Horkheimer. Horkheimer, naquele tempo assistente de Cornelius, a quem Benjamin apresenta sua tese, elabora um parecer prévio a respeito e aconselha Cornelius a não aceitá-la. Benjamin retira sua inscrição e, com isto, encerra sua carreira acadêmica. Benjamin continua a receber uma mesada, da mesma forma que Adorno, como era usual naquele tempo nas boas famílias da burguesia. Contudo, nos anos da inflação de 1928 e 1929, ' mesada perde poder aquisitivo. Não apenas por esta razão, Benjamin precisa reorientar sua vida.

O jovem Adorno, pelo contrário, continua na sua carreira acadêmica, faz sua Habilitation, justamente não com o professor Cornelius, então já aposentado, mas junto a um historiador da arte, e novamente as duas biografias parecem quase se encontrar. No dia fatídico, no 1o de abril de 1933, o ano que marcou o destino de muitos, de todos os intelectuais judeus da área cultural alemã, Adorno, jovem Privatdozent da Universidade de Frankfurt perde a sua venia legendi. Um dia mais tarde, Walter Benjamin resenha o livro de Adorno sobre Kierkegaard no jornal Vossische Zeitung. A última aula que Adorno ainda pôde ministrar em Frankfurt versou, justamente, sobre o livro de Benjamin acerca da tragédia.

A proximidade entre os dois teóricos era, naquele tempo, ainda bastante grande. Lendo-se o livro de Adorno sobre Kierkegaard, encontra-se uma descrição bastante pormenorizada do intérieur, que também pode ser encontrada no livro de Benjamin sobre o barroco e que depois escapa rapidamente ao alcance das categorias e da metalinguagem, fugindo para as galerias parisienses. Benjamin, impedido de continuar sua carreira acadêmica, torna-se um grande viajante. Conhece Paris, Moscou - e fica fascinado com Paris. Segundo fontes fidedignas, ele se apaixona por uma jovem comunista, bastante bem apessoada; conhece Brecht e, em Paris, encontra o surrealismo, então ainda muito vivo e virulento, que descreve mais tarde, em 1929, num trabalho publicado na Zeitschrift für Sozialforschung. Ele se defronta com o surrealismo não apenas de forma crítica, como poderíamos crer, mas vê uma nítida seqüência entre o dadá e o surrealismo - e Paris, a cidade com suas galerias e, como ele mesmo diz, de forma tão bela, com a escritura que emigra para a cidade. Benjamin encontra, portanto, em Paris, em Moscou, as principais correntes que mais tarde marcarão sua obra. Mas, naquele momento, após 1933, não se junta a nenhuma escola nem a nenhum grupo que se houvesse apropriado da determinação do que seria arte. Em 1935 ocorre o grande encontro dos escritores livres, na aliança da Frente Popular, do qual nasceria a revista Das Wort. Esta revista emigra posteriormente para Moscou e acende, após a grande exposição de 37 sobre a arte degenerada, em 1938, o grande debate sobre o expressionismo, dentro do qual tratava-se de decidir o que seria realismo e o que partidarismo. Da mesma forma, Benjamin também não faz parte integral apenas do segundo grupo, que se ocupa das artes, do Instituto de Pesquisas Sociais. É verdade que em 1936 aparece na Zeitschrift für Sozialforschung o seu primeiro texto programático sobre "A Obra de Arte no Tempo de sua Reprodutibilidade Técnica". Mas o passo paralelo, o de apresentar, junto com o texto programático, um texto material, "Paris, Capital do Século XIX", chamado por ele ainda de "A Capital do Século XIX", é brecado pelo pessoal de Frankfurt.

No segundo passo, gostaria de tratar deste ponto, de por que este livro inocente, "A Obra de Arte no Tempo de sua Reprodutibilidade Técnica", provocou tanta celeuma na turma de Frankfurt, a ponto deles terem torpedeado seu desenvolvimento posterior. Lendo-se os conceitos diretores do ensaio sobre a obra de arte, ou seja Kultwert (valor cultual), uma palavra que soa muito estranha aos ouvidos alemães, e Austellungswert (valor de exposição), outra palavra que, neste contexto, também me é totalmente desconhecida, como conceitos para cobrir os de Gebrauchswert (valor de uso) e Tauschwert (valor de troca), da análise marxista das mercadorias, poderá entender-se melhor o fato de que neste ensaio programático não é anunciado apenas e simplesmente o fim da arte por causa do fim da aura, mas é expresso algo de novo e de peculiarmente revolucionário. Isso também pode ser explicitado pelo emprego do conceito de "massa". Pode-se afirmar que o conceito de massa sempre foi, durante a década de 20, um conceito que cobria o de classe proletária, de população urbana proletarizada, e não apenas o de massa inocente, usual em Edgar Allan Poe. E é justamente neste ponto que se acende o debate com referência a este artigo, na carta de Adorno, no conceito de massa e de arte de massas. Adorno, cheio de dúvidas quanto ao que poderia ser massa e arte, lembrando-se nitidamente de Hanns Eisler e de sua Gebrauchskunst (arte utilitária, poder-se-ia tentar traduzir), nega-se a compartilhar o ponto de vista marxista-revolucionário de Benjamin. Mas ele necessita de dois anos para desenvolver o seu projeto contrário, que também, e também nisso ele se parece com Benjamin, se apresenta em dois níveis.

Não obstante haver sido bloqueado o trabalho material de Benjamin, "Paris, Capital do Século XIX", Adorno se permite ambos os passos. Um primeiro, sobre "O Caráter Fetichista na Música e a Regressão do Ouvir" e um segundo, que chegaremos a conhecer mais tarde, apenas após o fim da guerra, a "Filosofia da Música Nova".

Na obra sobre o caráter de fetiche da música e a regressão do ouvir, Adorno explicita no exemplo da suave música de entretenimento que vem pelo rádio os primeiros elementos daquilo que foi formulado na década de 40 com o conceito da indústria cultural. Objetos estandardizados de uso satisfazem de forma imediata as necessidades difusas dos consumidores. Estes se identificam totalmente com a aparelhagem, e uma linha leva do caráter de fetiche da mercadoria para a sociedade como gaiola ideológica.

No livro "material" de Benjamin retido durante muito tempo e publicado tarde demais, "Paris, Capital do Século XIX", surpreende-nos hoje a carga política explosiva então nele contida. Mas a cidade enquanto tal, enquanto sua redefinição como intérieur, como espaço interno da massa, como matriz de dinamismo social, isto era algo que ia de encontro em muito às posições teóricas da Escola de Frankfurt. Ao vermos os pedaços, vemo-nos levados a afirmar que para Benjamin se tratava de muito mais do que uma definição da cidade como um novo intérieur, metaforizado na imagem das galerias. Na minha opinião, temos a ver aqui com um retorno da caverna platônica, só que desta vez não mais como caverna primitiva e natural, mas como espaço social artificial.

Por este motivo fico grato a Norbert Bolz pelo fato de ter tocado no conceito wagneriano de Gesamtkunstwerk, de obra de arte total. Mas sou da opinião de que de uma maneira totalmente oposta, para Walter Benjamin a cidade ou a galeria é o retorno da caverna de Platão, pois não é uma obra de arte integral, nascida da criatividade de algum gênio, mas é obra artificial produzida deforma coletiva.

Com essa posição, Benjamin desaparece de nosso campo visual, embora ainda esteja presente no campo das publicações. (Lembro até de uma publicação, por ocasião do 55o aniversário de Horkheimer, em que ainda apareceu um texto póstumo, um texto pequeno de Benjamin, que fez com que nos perguntássemos onde é que vivia esse tal de Benjamin.) No fim da década de 40, Adorno e Horkheimer desenvolveram finalmente a teoria da indústria cultural, dentro da qual, bem no sentido da sistemática hegeliana de senhor e vassalo, é ressaltada novamente a posição do indivíduo burguês.

Se eu agora tivesse que resumir, eu diria que não, que em Benjamin não há diferença entre arte e mercadoria. Mas nós teríamos de verificar o que resulta desta homologia, por um lado o retorno da caverna de Platão, cujas paredes técnicas estão cheias de escrita ou, pelo menos, poderiam ser interpretadas como escrita, e, pelo outro, a gruta wagneriana, na qual mora Adorno, como cisnes artificiais e a música do ocaso dos deuses. Hoje podemos decidir em qual dos dois lados da teoria apostamos, no lado da massa, à qual pertencemos ou não pertencemos, ou no lado do indivíduo burguês.

NORBERT W. BOLZ é professor na Freie Universitat Berlim.

MICHAEL DE LA FONTAINE é diretor do Instituto Goethe em Santiago, Chile.


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Fonte: revista da USP, especial sobre W. Benjamin

Reconnaissance et justice

par Axel Honneth

Quiconque a suivi de manière attentive l’évolution de la philosophie politique lors de ces dernières années a été témoin de processus théoriques par lesquels l’évolution de concepts centraux s’est accompagnée d’une transformation des orientations normatives. Jusque vers la fin des années quatre-vingt, la prédominance du marxisme en Europe et la large influence de Rawls aux Etats-Unis assuraient l’existence d’un principe directeur d’une théorie normative de l’ordre politique sans qu’il ne puisse y avoir de doute à ce propos ; malgré toutes les différences de détail, tout le monde s’accordait sur l’exigence d’éradiquer les injustices sociales ou économiques, qui ne pouvaient être justifiées sur la base de fondements raisonnés. A la place de cette idée influente de justice, qui était politiquement l’expression de l’ère de la social-démocratie, s’est installée depuis longtemps déjà une idée nouvelle qui, de prime abord, semble beaucoup moins facile à appréhender de façon univoque. L’éradication de l’inégalité ne représente plus l’objectif normatif, mais c’est plutôt l’atteinte à la dignité ou la prévention du mépris, la « dignité » ou le « respect », et non plus la « répartition équitable des biens » ou « l’égalité matérielle » qui constituent


Bernard Baudin
ses catégories centrales. Utilisant une formule choc qui devait rapidement devenir paradigmatique, Nancy Fraser a qualifié ce changement de passage de l’idée de « redistribution » à l’idée de « reconnaissance ». Tandis que le premier concept est associé à l’idée de justice, qui vise la mise en place de la justice sociale à travers la redistribution des biens, conçus comme vecteurs de liberté, le second concept définit les conditions d’une société juste ayant pour objectif la reconnaissance de la dignité individuelle de tout un chacun2.
Dans la suite de mon exposé, je souhaite esquisser les contours d’une théorie de la justice qui parte du fait social et moral de la nécessité de la reconnaissance sociale. Je procéderai en trois étapes. Dans un premier temps, j’essaierai d’expliquer pourquoi il est nécessaire de faire un lien entre la justice et la reconnaissance. Dans un second temps je me pencherai sur la justification de cette thèse et, pour terminer, j’aborderai la question de l’application concrète de cette théorie dans la réalité sociale d’aujourd’hui.


I. Reconnaissance et justice


Dans les travaux que j’ai menés jusqu’à présent, j’ai fait usage de l’idée normative de la reconnaissance principalement dans un sens purement descriptif ; il s’agissait de défendre la thèse selon laquelle les attentes morales formulées réciproquement par les sujets sociaux portent sur la reconnaissance sociale par autrui de leurs aptitudes, autrui conçu à la fois comme entité générale et différente. Les implications de ce constat socio-moral sont développées dans deux directions, la première portant sur la socialisation morale des sujets et la seconde sur l’intégration morale de la société. Pour ce qui concerne la théorie de la socialisation des sujets, nous avons de bonnes raisons de supposer que la genèse de l’identité individuelle passe généralement par des stades d’intériorisation de schémas standardisés de reconnaissance sociale : l’individu apprend à se percevoir comme membre particulier et à part entière de la société en prenant progressivement conscience de besoins et de capacités propres constitutives de sa personnalité à travers les modèles de réaction positive de ses partenaires d’interaction. Dans ce sens, chaque sujet social est, de manière élémentaire, dépendant d’un univers fait de formes de comportements sociaux réglés par des principes normatifs de reconnaissance réciproque; la suppression de telles relations de reconnaissance a pour conséquence des expériences du mépris ou de l’humiliation, ce qui n’est pas sans conséquences néfastes sur la formation de l’identité de l’individu. Dans la direction opposée, celle d’un concept adéquat de société, il résulte de cette imbrication étroite entre reconnaissance et socialisation que nous ne pouvons représenter l’intégration sociale qu’en tant que processus d’inclusion réglé par des formes de reconnaissance : dans l’optique de leurs membres, les sociétés sont uniquement considérées comme des entités sociales légitimes dans la mesure où elles sont en mesure d’assurer des relations fiables de reconnaissance réciproque à tous les niveaux3. Dans cette optique, l’intégration normative des sociétés ne peut se faire que par le bais de l’institutionnalisation de principes de reconnaissance définissant à travers quelles formes de reconnaissance mutuelle les membres peuvent être intégrés dans l’ensemble de la vie sociale.

Si nous nous laissons guider par ces prémisses théorico-sociales, la conséquence qui selon moi s’impose, est qu’une éthique politique ou une morale de la société doit être conçue de façon à recouper la qualité des relations de reconnaissance assurées par la société : la justice ou le bien-être d’une société se mesure à son degré d’aptitude à garantir des conditions de reconnaissance mutuelle dans lesquelles la formation de l’identité personnelle et ce faisant, l’épanouissement individuel, pourront se réaliser dans des conditions suffisamment bonnes. Bien sûr, il ne faut pas se représenter une telle orientation vers le normatif en en tirant la simple conclusion que la cohabitation sociale idéale découle d’exigences fonctionnelles objectives. Bien plus, les exigences d’intégration sociale peuvent uniquement être comprises comme des indications de principes normatifs d’une éthique politique dans la mesure où elles se reflètent elles-mêmes dans les attentes de comportements sociaux de sujets socialisés. C’est lorsque cette condition préliminaire est remplie – et un grand nombre d’indices mentionnés auparavant abondent à mon avis dans ce sens – qu’une telle orientation me semble justifiée. Dans ce cas, notre choix des principes fondamentaux d’orientation de notre éthique politique n’est pas guidé simplement par des intérêts empiriques mais plutôt par les comportements d’attente relativement stabilisés que nous pouvons saisir comme des « dépôts » subjectifs d’impératifs d’intégration sociale. Peut-être n’est-il pas tout à fait faux de parler ici d’« intérêts quasi-transcendantaux » de l’espèce humaine et peut-être est-il même justifié de parler à ce propos d’un intérêt à « l’émancipation » dirigé vers l’abolition des dissymétries sociales et des formes d’exclusion.

Cela dit, l’expérience nous a également montré que le contenu de telles attentes de reconnaissance sociale pouvait se modifier sous le coup de la transformation structurelle des sociétés. C’est uniquement de par leur forme que ces attentes se présentent comme des constantes anthropologiques alors que leur orientation et leur destination renvoient au type d’intégration sociale qui s’est établi au sein d’une société. Ce n’est ici pas le lieu adéquat pour défendre la thèse plus poussée selon laquelle la transformation structurelle normative des sociétés doit être renvoyée à l’impulsion donnée par la lutte pour

la reconnaissance4. D’une manière générale je peux parfaitement m’imaginer qu’il soit au moins possible, en regardant l’évolution sociale, de parler d’un progrès moral dans le sens où l’exigence de reconnaissance renferme toujours un changement de valeurs qui, dans le cadre de la mobilisation, veille à tenir compte de raisons et d’arguments difficilement réfutables, ce qui aboutit à long terme à une augmentation de la qualité de l’intégration sociale. A des fins d’argumentation, il est nécessaire ici de souligner que l’intérêt fondamental qu’il y a à être socialement reconnu est toujours modelé par les principes normatifs liés aux structures élémentaires de la reconnaissance mutuelle au sein d’une formation sociale donnée. La conclusion en est qu’aujourd’hui une éthique politique ou une morale de la société devrait être axée sur les trois principes de reconnaissance qui règlent, dans nos sociétés, quelles sont les attentes légitimes susceptibles d’être reconnues par les autres membres de la société. En conséquence, ce sont les trois principes fondamentaux que sont l’amour, l’égalité et la contribution à la société (Leistung) qui, pris ensemble, déterminent ce que l’on devrait comprendre aujourd’hui par l’idée de justice sociale.


II. Egalité et réalisation individuelle


De manière indirecte, j’ai déjà fait précédemment allusion à ma manière d’imaginer la justification normative de l’idée selon laquelle le point de référence d’une conception de la justice sociale doit trouver son ancrage dans la qualité des relations de reconnaissance mutuelle au sein d’une société. Pour les sociétés modernes, je pars ce faisant de la prémisse que l’égalité sociale consiste à permettre à tous les membres de la société de se forger une identité individuelle. Pour moi, cette formulation revient à dire que le véritable but recherché lorsque l’on parle de l’égalité de traitement de tous les sujets dans nos sociétés doit être la possibilité pour tous de réalisation individuelle. La question qui se pose est cependant de savoir à partir d’un tel point de départ (libéral), s’il est possible d’en arriver à la conclusion que c’est la qualité des conditions de reconnaissance sociale qui doit constituer le cœur d’une éthique politique ou d’une morale de la société. Mon idée est, ici comme je l’ai déjà évoqué, que nous devrions généraliser nos connaissances relatives aux conditions sociales de la formation de l’identité dans une conception qui prenne la forme d’une théorie de la moralité de type égalitaire. Dans une telle conception, nous exprimions quelles conditions nous considérons comme impératives pour donner à chaque individu la même chance de réaliser pleinement sa personnalité individuelle. (…)

A la différence du premier Rawls, je suis convaincu que le fait d’avancer moult arguments de nature théorique ne peut pas remplacer la démarche consistant à regrouper l’ensemble de nos connaissances pour les généraliser et développer une conception de la vie bonne qui soit toujours tangible et actuelle5. Nous pouvons élaborer cette théorie à la lumière de l’ensemble des connaissances dont nous disposons mais nous ne pouvons pas caresser l’espoir de parvenir un jour à lui donner un caractère exhaustif à travers des données empiriques ou des suppositions théoriques. C’est pour cela que la théorie de la reconnaissance, dans la mesure où elle peut désormais être comprise comme une conception téléologique de la justice sociale, prend aussi la forme d’une esquisse de la vie bonne à caractère hypothétique et général. En utilisant toutes les connaissances qui se recoupent, cette ébauche fait un relevé des formes de reconnaissance réciproque dont ont besoin les sujets afin de se forger une identité la plus intacte possible.


III. Principes normatifs

de la justice sociale


Même si ces raisonnements ont tracé les grands traits du statut normatif de la théorie de la reconnaissance face au problème de la justice, la tâche considérable consistant à déterminer les principes directeurs de la justice sociale reste cependant à accomplir. La question de savoir comment les principes correspondants peuvent intervenir dans l’évaluation de conflits sociaux requiert également, au minimum, l’esquisse d’un début de solution.

Jusqu’ici, j’ai esquissé mon raisonnement jusqu’au point où il apparaît de manière claire pourquoi une morale de la société doit se référer à la qualité des relations de reconnaissance sociale. D’après mon analyse, l’argument décisif réside dans la thèse largement fondée selon laquelle la possibilité pour le sujet de réaliser son autonomie individuelle dépend des conditions préalables dont il dispose pour développer un rapport à soi intact à travers l’expérience de la reconnaissance sociale. C’est le lien avec cette conception éthique qui permet l’introduction d’un élément temporel dans le projet d’une morale de société, à mesure que la structure des relations de reconnaissance change de manière durable au cours du processus historique. Ce que les sujets peuvent respectivement considérer comme étant les dimensions de leur personnalité pour lesquelles ils sont en droit d’attendre légitimement une reconnaissance sociale se mesure au mode normatif de leur inclusion dans la société et ainsi, au degré de différenciation des sphères de reconnaissance. On peut par conséquent aussi interpréter la morale de société qui y correspond comme étant une forme de l’articulation normative de ces principes, qui, dans une formation sociale donnée, règlent la manière dont les sujets doivent se reconnaître réciproquement. Cette fonction qui n’est pour l’instant qu’affirmative, et peut-être même conservatrice, correspond à la représentation selon laquelle aujourd’hui, une théorie de la justice doit comprendre trois principes de même valeur, que l’on peut concevoir sans exception comme principes de reconnaissance. Afin de pouvoir réellement user de leur autonomie individuelle, il revient de manière égale à chaque sujet d’être reconnu, selon le type de relation sociale, dans ses besoins, dans son égal accès aux droits et dans sa contribution à la société. Comme le laisse entendre une telle formulation, le contenu de ce que l’on qualifie de « juste » se mesure chaque fois en fonction du type de relation sociale que les sujets entretiennent entre eux: s’il s’agit d’une relation caractérisée par la référence à l’amour, c’est le principe du besoin qui prévaut, tandis que dans les relations se référant au droit, c’est le principe d’égalité qui vient en priorité et que dans les relations de type coopératif, on applique le principe de la rémunération. A la différence de David Miller, qui part d’un pluralisme comparable entre trois principes de justice (need, equality, desert), la tripartition que je propose ne résulte ni d’un simple accord avec les résultats de la recherche empirique sur la justice, ni de la différence socio-ontologique de modèles de relations, mais de la connaissance des conditions historiques de la formation de l’identité personnelle : c’est parce que nous vivons dans un ordre social où les individus ont la possibilité de développer une identité intacte grâce à l’attention affective, l’accès égal aux droits et, enfin, l’estime sociale, qu’il semble approprié, au nom de l’autonomie individuelle, de faire des trois principes de reconnaissance qui y correspondent, le cœur normatif d’une conception de justice sociale. Une autre différence, par rapport à l’approche de David Miller, réside dans le fait qu’il aimerait que ces trois principes ne soient compris que comme des principes de redistribution, réglant en fonction des sphères spécifiques la manière dont les biens estimés doivent être répartis, alors qu’en ce qui me concerne, je cherche à appréhender les trois principes avant tout comme des formes de reconnaissance, de sorte que des conceptions spécifiques et des considérations morales soient à chaque fois obligatoirement associées. Ce n’est que lorsque ces types de respect moral ont à la fois des conséquences sur la répartition de certains biens que je parlerais également, au sens indirect du terme, de principes de redistribution.

Malgré ces différences, les points communs essentiels qui existent entre ces deux approches ne doivent cependant pas être oubliés. Sans recourir à des hypothèses téléologiques ou à des présuppositions éthiques, David Miller part lui aussi d’une certitude, à savoir que l’idée moderne de justice sociale doit être décomposée en trois facettes désignant chacune un des points de vue à partir duquel les individus doivent être traités de la même manière6. Il fait une distinction entre les principes de besoin, d’égalité et de rémunération, à la manière de celle que j’ai faite en parlant précédemment de la différenciation entre les trois principes basés sur la reconnaissance de l’amour, de l’égalité juridique et de l’estime sociale. Dans les deux cas, il ne faut pas être étonné de voir apparaître en deux endroits à la fois le terme d’« égalité », parce que cela touche à deux niveaux de la conception de la justice: à un niveau supérieur, cela signifie que tous les sujets gagnent de la même manière à être reconnus selon le type de relation sociale, dans leurs besoins, dans leur autonomie juridique ou dans leur contribution à la société ; à un niveau inférieur, c’est le principe de l’autonomie juridique qui joue, ce qui implique l’égalité de traitement entre tous et revêt ainsi, au sens strict, un caractère égalitaire7. On peut donc, au nom d’une égalité de niveau supérieur, pour l’exprimer de manière paradoxale, faire valoir, en fonction de la sphère prise en considération, soit l’utilisation du principe d’égalité juridique, soit celle des deux autres principes de reconnaissance qui ne sont pas égalitaires au sens strict du terme.


Le rôle critique d’une conception de la justice basée sur la théorie

de la reconnaissance


Mais la question décisive concerne certainement le problème de savoir comment une telle conception de la justice basée sur la théorie de la reconnaissance peut, au-delà de la simple tâche affirmative, jouer également un rôle critique et progressif8. En effet, la controverse entre Nancy Fraser et moi-même, porte essentiellement sur la question de savoir dans quelle mesure, à l’aide d’une telle théorie, il est possible de s’exprimer de manière normative sur l’orientation que devrait prendre autant que possible le développement des confrontations sociales actuelles. Jusqu’ici, il n’était question que du rôle affirmatif que devrait pouvoir jouer la conception de la justice esquissée, dans la mesure où elle tente de garder en tête la pluralité irréductible des principes de justice dans la modernité: nous sommes ici en présence de trois principes indépendants de reconnaissance, spécifiques à des sphères – c’est ce que j’ai voulu mettre en lumière – qui doivent être validés en tant que modèles standards distincts de justice, lorsque les conditions intersubjectives de l’intégrité personnelle de tous les sujets doivent être protégées. Certes avec une telle faculté de différenciation, que l’on pourrait peut-être qualifier avec Michael Walzer de « Art of separation », de justice immanente, on n’a encore rien dit sur le rôle critique qu’une telle conception de justice devrait pouvoir jouer lorsqu’il est question de l’évaluation morale des luttes sociales.

Dans ce second cas, il ne s’agit plus simplement d’expliciter dans leur pluralité les principes de justice existants et ancrés dans le social, mais de la tâche beaucoup plus ardue de développer des critères normatifs à partir du concept pluriel de justice, à l’aide desquels des développements actuels peuvent être critiqués à la lumière de potentialités futures. Quiconque ne veut pas s’empêtrer dans une actualité à courte vue partant des buts visés par les mouvements sociaux actuellement les plus influents ne parviendra pas à développer de tels critères en lien avec des formulations sur le progrès moral des sociétés dans leur ensemble. En effet, l’évaluation des confrontations actuelles exige une appréciation du potentiel normatif contenu dans certaines revendications visant un changement, qui ne promettent pas seulement des améliorations à court terme, mais laissent espérer également un relèvement durable du niveau moral de l’intégration sociale. Il est nécessaire, alors, d’inscrire la théorie de la justice, esquissée jusqu’ici à grands traits, dans le cadre englobant d’une conception du progrès, qui est en mesure de rendre compte de l’évolution de la constitution morale des sociétés. Ce n’est qu’à partir de là que l’on peut voir, avec un fondement qui n’est pas seulement relativiste, dans quelle mesure certaines exigences sociales gagnent à pouvoir être justifiées de façon normative.

Malheureusement, le temps qui m’est imparti pour mon exposé me laisse à peine le celui d’esquisser les contours d’une telle conception du progrès. J’ai certes sans cesse donné jusqu’ici dans ma réplique des indications éparses quant à la nécessité et la possibilité tout à la fois, d’une conception du développement des rapports sociaux de reconnaissance, mais je ne peux livrer ici qu’un résumé sommaire, dont la fonction essentielle doit être de permettre au concept de la justice basé sur la théorie de la reconnaissance de fournir des jugements normatifs justifiés sur des confrontations sociales du temps présent. Dans le passage où j’ai exposé succinctement les rapports de reconnaissance dans les sociétés capitalistes libérales9, j’ai dû naturellement partir d’une série d’hypothèses implicites concernant l’orientation morale du développement social. En effet, leurs principes internes ne peuvent être considérés comme le point de départ légitime et justifié d’un projet d’éthique politique qu’à condition qu’il s’agisse, dans l’ordre social renouvelé, d’une forme moralement supérieure d’intégration sociale. Comme tous les théoriciens de la société attachés à une approche interne partant de la légitimité de l’ordre social moderne, qu’il s’agisse de Hegel, de Marx ou de Durkheim, j’ai dû également, dans un premier temps, partir de l’hypothèse d’une supériorité morale de la modernité, dans la mesure où je suppose que sa constitution normative est le résultat d’un développement dans le passé doté d’une visée. Je n’ai fait qu’évoquer en passant les critères qui me permettaient de décrire la différenciation de trois sphères de reconnaissance distinctes comme relevant d’un progrès moral: avec la formation de trois sphères distinctes, tous les membres du nouveau type de société ont une chance accrue de parvenir à un degré supérieur d’individualité car ils peuvent expérimenter leur propre personnalité à travers les différents modèles de reconnaissance. Maintenant, si ces convictions d’arrière-plan sont explicitées, on obtient deux critères, qui pris ensemble, peuvent justifier l’idée d’un progrès dans les rapports de reconnaissance : d’un côté nous avons affaire à un processus d’individualisation, donc à une augmentation des chances d’articulation légitime des différents aspects de la personnalité, et de l’autre côté, à un processus d’inclusion sociale, à savoir une intégration croissante de sujets dans l’univers des membres à part entière de la société. Il est facile de constater à quel point ces deux critères sont liés de manière interne aux prémisses théoriques et sociales d’une théorie de la reconnaissance, dans la mesure où ils esquissent deux possibilités de surcroît de reconnaissance sociale : si l’intégration sociale s’opère par le biais de l’établissement de rapports de reconnaissance, à travers lesquels les sujets obtiennent une approbation sociale pour certains aspects de leur personnalité et deviennent ainsi membres de la société, la qualité morale de cette intégration sociale peut alors s’améliorer grâce à une augmentation des aspects reconnus de la personnalité ou par l’inclusion des individus, en résumé, soit par individualisation, soit par croissance de l’inclusion sociale. L’essentiel de cette amélioration qualitative réside avant tout dans le fait que, avec le découplage entre reconnaissance juridique et estime sociale au niveau le plus basique, cette idée parvienne en même temps à percer et par conséquent que tous les sujets doivent disposer des mêmes chances de parvenir à l’épanouissement individuel à travers la participation à des rapports de reconnaissance.


Evaluation des progrès moraux


Ainsi, avec quelques mots-clé, on a justifié pourquoi l’infrastructure morale des sociétés modernes capitalistes libérales peut être considérée comme le point de départ légitime d’une éthique politique. Vient alors la question de savoir comment évaluer les progrès moraux au sein de telles sociétés. Il est évident que la solution à ce problème ne peut se trouver que dans le cadre de ce modèle d’égalité tripolaire, qui est apparu comme réalité normative avec la différenciation des trois sphères de reconnaissance : ce qui doit être désormais appelé « juste » sera estimé, selon les sphères, soit par rapport à l’idée de réponse à un besoin affectif, d’égalité des droits ou d’équité dans la rémunération, et les paramètres du progrès moral au sein du nouvel ordre social ne peuvent être définis que par rapport aux trois principes. C’est par l’idée de « valeur de surplomb » (Geltungsüberhang) que cela prend la signification déjà mentionnée dans le cadre de la présentation des trois sphères de reconnaissance. Par la suite, je peux, dans un second temps, montrer que la fonction critique d’une conception de la justice basée sur la théorie de la reconnaissance ne doit pas se limiter à la revendication juridique de ces « valeurs de surplomb » spécifiques aux sphères, mais qu’elle doit au contraire englober également l’examen de la délimitation des frontières entre les sphères de valeur. Il est vrai que je dois ici aussi me contenter de maigres explications.

Comme je l’ai dit jusqu’à présent, les progrès au sein des rapports sociaux de reconnaissance s’accomplissent

le long des deux dimensions de l’individualisation et de l’inclusion sociale : soit de nouveaux aspects de la personnalité s’ouvrent à la reconnaissance réciproque, de telle sorte qu’augmente la proportion de l’individualité socialement confirmée, soit un surplus de personnes est intégré aux rapports de reconnaissance existants, de sorte que s’élargit le cercle des sujets se reconnaissant réciproquement. Avec le nouvel ordre tripartite de reconnaissance, apparu avec la société capitaliste moderne, on ne sait cependant plus très bien, en effet, si ce (double) critère de progrès peut encore trouver une application. En effet, les trois sphères de reconnaissance sont respectivement caractérisées par des principes normatifs, dont les critères internes déterminent ce qui peut être tenu pour « juste » ou « injuste ». Sur ce point, je suis d’avis que seule l’idée auparavant esquissée peut nous aider à progresser, à savoir que chaque principe de reconnaissance possède respectivement une « valeur de surplomb » spécifique, dont la signification normative s’exprime dans les faits par une lutte incessante pour son application adéquate et son interprétation. Il est ainsi possible à tout moment, au sein de chaque sphère, d’amorcer à nouveau une dialectique morale du général et du particulier, qui fait valoir un point de vue particulier (besoin, conditions de vie, contribution à la société) par référence au principe général de reconnaissance (amour, droit, prestation) et qui n’a pas encore été raisonnablement prise en considération. C’est cette « valeur de surplomb » des principes de reconnaissance face à la facticité de leur interprétation sociale, auquel se rattache la théorie de la justice esquissée, qui peut être hissée en tant que fonction critique: face aux pratiques dominantes d’interprétation, elle fait valoir qu’il existe à ce jour des états de faits particuliers et négligés, dont la considération morale exigerait l’élargissement respectif des sphères de reconnaissance. A vrai dire, une telle critique ne parvient à gagner un point de vue lui permettant de faire la différence entre des formes fondées ou non fondées du particulier, qu’après avoir traduit le critère général de progrès, auparavant esquissé, dans la sémantique des sphères de reconnaissance respectives : une exigence raisonnable et légitime se reconnaît ici par la possibilité de comprendre les conséquences de sa mise en place possible comme un gain en individualité ou en inclusion sociale.

Même si ces formulations peuvent rappeler de loin la philosophie de l’histoire de Hegel, elles ne doivent être utilisées que pour rendre compte des conditions théoriques dans lesquelles le concept de justice basé sur la théorie de la reconnaissance puisse aujourd’hui jouer un rôle critique. L’identification de prétentions morales justifiées, qui semble nécessaire pour une telle tâche, n’est possible que si l’on a tout d’abord mis des termes sur les principes de justice, en référence desquels une prétention peut être légitimement élevée. Dans mon modèle, cela correspond à l’idée selon laquelle nous avons affaire, dans notre société, à trois principes de reconnaissance fondamentaux dotés respectivement d’une « valeur de surplomb » normative qui leur est spécifique et qui permettent de revendiquer des différences ou des états de faits restés jusque là négligés. Parmi le grand nombre d’exigences particulières faisant typiquement l’objet de revendications de reconnaissance dans les luttes sociales, il faut trier celles qui sont justifiées moralement, et en second lieu, utiliser nécessairement un critère de progrès explicite et toujours formulé. En effet, seules les exigences conduisant potentiellement à un élargissement des rapports sociaux de reconnaissance, peuvent vraiment être considérées de manière valable comme normatives, car elles vont dans le sens d’un relèvement du niveau moral de l’intégration sociale. Les deux points de repère que sont l’individualisation et l’augmentation de l’inclusion, que j’ai esquissés précédemment, représentent les critères grâce auxquels un tel examen peut être entrepris.

Pour rendre compte de la manière avec laquelle le critère de progrès mentionné peut s’appliquer au sein des trois sphères de reconnaissance, nous avons besoin d’une certaine plausibilité. En effet, il semble que la question du progrès dans l’application du principe d’égalité ne soit claire, et dans une certaine mesure, que pour la sphère du droit moderne, alors qu’il n’en va pas de même pour les principes de reconnaissance de l’amour et de la contribution à la société. Comme dans de nombreux contextes normatifs, il peut être utile dans un premier temps de reformuler le critère positif en négatif et, conformément à cela, prendre comme point de départ l’idée d’une suppression des obstacles correspondants : un progrès moral dans la sphère de l’amour peut ainsi vouloir dire supprimer pas à pas ces clichés relatifs aux rôles, ces stéréotypes et affectations culturelles qui gênent de manière structurelle la possibilité d’une adaptation réciproque aux besoins des autres. Pour les sphères basées sur la reconnaissance de l’estime sociale, un tel progrès signifiera mettre radicalement en question ces constructions culturelles qui, dans le passé du capitalisme industriel, n’ont pris soin de ne compter qu’un petit cercle d’activités parmi le travail digne d’un salaire (Erwerbsarbeit). Mais un tel modèle de progrès basé sur la différenciation sectorielle se trouve confronté à une nouvelle difficulté, que j’aimerais aborder pour finir, car elle illustre toute la complexité de la tâche à surmonter.

Dans l’exposé de la situation montrant que le principe de l’égalité de traitement devant la justice dans la sphère de l’estime liée à l’activité avait progressé avec la construction de l’Etat social, il est apparu à quel point les progrès moraux dans l’ordre social moderne pouvaient aussi mener à de nouvelles délimitations de frontières entre les différentes sphères basées sur la reconnaissance, car il ne fait pas de doute que c’était dans l’intérêt des classes en permanence menacées par la misère économique, que de détacher une partie du statut social basé sur le travail et de le transformer en une obligation de la reconnaissance par des droits. Dans de tels cas de déplacements de frontières, on ne peut parler de progrès moral, que si les conditions sociales de formation de l’identité personnelle sont durablement améliorées pour les membres de groupes particuliers ou de classes, à travers le déplacement partiel sur un nouveau principe. Il semble que ce soit surtout des processus d’extension du droit, c’est-à-dire des tendances à l’expansion du principe juridique d’égalité de traitement, qui soient dotés de la capacité d’intervenir dans d’autres sphères de reconnaissance pour procéder à des corrections et veiller ainsi à la garantie des conditions d’identité minimale. C’est cette circonstance qui permet de reconnaître la logique morale étant à l’origine de ce déplacement de frontière, tant qu’elle se déroule à partir de la sphère du droit en direction des deux sphères de reconnaissance : car comme le principe normatif du droit moderne, pris en tant que principe de respect réciproque entre personnes autonomes, possède à l’origine un caractère inconditionnel, tous les sujets concernés peuvent s’en prévaloir dès le moment où ils constatent que les conditions nécessaires à l’autonomie individuelle dans d’autres sphères ne sont plus suffisamment sauvegardées. Les luttes pour imposer les droits sociaux, que nous avons déjà évoquées, ne sont pas les seuls exemples qui illustrent ces processus d’extension du droit partis depuis le «« bas ». Il y a aussi les débats largement ramifiés qui sont menés aujourd’hui sur la garantie juridique d’un traitement d’égalité réciproque au sein du couple et de la famille: l’argument central est qu’eu égard à la domination structurelle des hommes dans la sphère privée, les conditions pour une autodétermination des femmes ne peuvent être sauvegardées, que si elles prennent la forme de droits garantis de manière contractuelle et deviennent ainsi un devoir propre à la reconnaissance juridique.

Il découle de ces réflexions qu’un concept de la justice basé sur la théorie de la reconnaissance peut assumer une fonction critique, et non pas seulement là ou il est question de la défense juridique de progrès moraux dans les sphères de reconnaissance respectives. On a également constamment besoin d’un examen réflexif des frontières qui se sont établies entre les territoires respectifs des différents principes de reconnaissance, car le soupçon ne peut jamais être levé, que le partage du travail établi entre les sphères morales ne porte atteinte aux possibilités de formation de l’identité individuelle. Et il n’est pas rare qu’une telle remise en question en vienne à la conclusion qu’un élargissement des droits individuels est nécessaire lorsque, sous le régime des principes normatifs de « l’amour » ou de la « contribution », les conditions de respect et d’autonomie ne sont pas suffisamment garanties. L’esprit critique d’un tel concept de justice peut bien sûr ici entrer en conflit avec sa fonction propre de préservation, puisque toutes les légitimations morales en faveur des déplacements de frontières comportent également la nécessité d’un maintien de la séparation des sphères, car les conditions de la réalisation individuelle dans la société moderne ne sont, comme nous l’avons vu, garanties que socialement, lorsque les sujets ont la possibilité de faire l’expérience d’une reconnaissance intersubjective, non seulement de leur autonomie personnelle, mais aussi de leurs besoins spécifiques et de leurs capacités particulières.


Axel Honneth



* Politologue.


* Philosophe et sociologue allemand (professeur à l’Université de Francfort). Axel Honneth est un des représentants contemporains de la Théorie critique de « l’Ecole de Francfort », à laquelle il a consacré plusieurs écrits et qu’il tente de reformuler selon une théorie de la reconnaissance. Il est, en outre, l’auteur de nombreux ouvrages de philosophie sociale, de philosophie politique et de sociologie. Ses principales publications sont : Kritik der Macht (Suhrkamp, 1986), Die zerrissene Welt des Sozialen (Suhrkamp, 1990), Kampf um Anerkennung (Suhrkamp, 1992 ; La lutte pour la reconnaissance, trad. française de Pierre Rusch, Ed. du Cerf, 2000), Desintegration (Fischer, 1994), Das Andere der Gerechtigkeit (Suhrkamp, 2000), Leiden an Unbestimmtheit (2001).

(1) Nous remercions chaleureusement le personnel du salutaire Goethe Institut de Bordeaux pour, et grâce à l’intermédiaire de son directeur Jochen Neuberger, son vigilant rôle de passeur (ndlr).
(2) Les tenants de la théorie de la reconnaissance considèrent qu’une politique égalitaire de type redistributive ne saurait venir à bout d’un ensemble de dominations portant sur les systèmes de valeurs de collectivités sociales spécifiques, d’où la nécessité de faire intervenir des droits qui les protègent contre la discrimination. Il est courant d’opposer les luttes sociales visant la reconnaissance aux luttes sociales visant la redistribution. Nancy Fraser parle d’un changement de paradigme caractéristique du passage de la redistribution vers la reconnaissance, tout en proposant elle-même une unification des deux perspectives en vue d’une politique d’émancipation actuelle. Axel Honneth défend un point de vue proche, mais toutefois différent, puisqu’il remet en cause la distinction elle-même entre conflits pour la reconnaissance et conflits pour la redistribution, en montrant que les motifs moraux des conflits sociaux relèvent de demandes de reconnaissance, y compris ceux ayant en leur centre des enjeux redistributifs.
(3) Axel Honneth dégage un modèle comportant trois sphères de reconnaissance, qui rend compte des conditions réussies de réalisation de soi dans les sociétés modernes. La sphère de l’amour suppose que la relation de reconnaissance est liée à l’existence d’autres personnes charnelles, avec lesquelles la personne fait l’expérience d’une reconnaissance affective et peut développer à l’égard de soi-même une attitude de confiance se traduisant par une sécurité émotionnelle dans l’expression de ses besoins. La sphère du droit suppose qu’une personne puisse se sentir porteuse des mêmes droits qu’autrui et développer ainsi un sentiment de respect de soi. Ici, la relation de reconnaissance se fonde sur des droits égaux entre individus et repose sur un savoir partagé des normes réglant des droits et devoirs égaux. Enfin, le modèle de la contribution à la société suppose que l’apport des sujets à la collectivité, dont les particularités individuelles se sont construites à travers une histoire de vie singulière, soit considéré sans discrimination et qu’ils puissent ainsi développer un sentiment d’estime de soi.
4) Dans la conception d’Axel Honneth, les luttes entre les individus et les groupes aboutissent à une transformation de la structure normative des sociétés et à une forme d’élévation des rapports de reconnaissance. La conquête des droits est par exemple le fruit, objectivé dans des institutions, de luttes sociales menées par des groupes ou des classes dominés en vue de faire reconnaître par les institutions un certain nombre de nécessités exprimées (sur ce point, voir La lutte pour la reconnaissance, chap. 5 et 8).
(5) Axel Honneth se distingue ici de John Rawls, qui esquisse des conditions de la justice de manière spéculative. Rawls procède à une « critique constructive » basée sur l’élaboration abstraite d’une situation de justice idéale, modèle à la lumière duquel les conditions existantes peuvent être soumises à la critique si elles ne concrétisent pas les principes abstraits de justice. Honneth oppose un autre concept de critique, non fondé sur une construction des principes de la justice mais sur une reconstruction des principes à l’œuvre dans l’expérience pratique des individus et groupes sociaux.
(6) David Miller, Principles of Social Justice, Cambridge, Mass., 1999.
(7) Sur un tel type de différenciation entre un ordre premier et un ordre second de justice, qui rend possible, au nom d’une égalité universelle (au sens d’absence de prise de parti), de faire appel à une éthique de la sollicitude au second niveau, voir les réflexions de Brian Barry, Justice as Impartiality, Oxford, Chap. 9 et 10.
(8) Axel Honneth est de ceux qui défendent l’idée qu’une des tâches des théories ayant une prétention critique sur le monde social consiste à fonder les critères normatifs à partir desquels la critique des conditions existantes peut être menée. Sans fondements normatifs justifiés et validés de manière argumentative, la prétention théorique prend le risque de masquer le point de vue de son discours et de sombrer dans l’arbitraire. La seconde exigence de la critique est de se rattacher à un point de vue existant et effectif dans le monde social plutôt que de partir d’un niveau purement abstrait. Ainsi, ce sont les expériences mêmes des acteurs sociaux dans leur vie de tous les jours, et en l’occurrence, leur expérience du mépris ou d’atteinte à leur intégrité, sur lesquelles la théorie s’appuie pour mener une critique de l’ordre établi, à la lumière de potentialités comprises dans cet ordre lui-même. (Voir « La dynamique sociale du mépris ? D’où parle une théorie critique de la société ? », in Habermas, la raison, la critique, Ch. Bouchindhomme et R. Rochlitz (sous la dir.), Paris, Cerf, 1996, pp. 215-238).
(9) Axel Honneth se réfère ici au fait que la modernité se caractérise : 1) par une différenciation des relations sociales (privé/public, société/Etat), qui est l’une des caractéristiques du capitalisme et qui est à l’origine de la distinctions des trois sphères de reconnaissance qui viennent d’être décrites, 2) par l’affirmation du principe libéral (au sens du libéralisme politique) de l’égalité des droits.

sexta-feira, 27 de junho de 2008



"Le confort, l'efficacité, la raison, le manque de liberté dans un cadre démocratique, voilà ce qui caractérise la civilisation industrielle avancée et témoigne pour le progrès technique."


L'Homme unidimensionnel (1964), Herbert Marcuse (trad. Monique Wittig), éd. Les Éditions de Minuit, coll. Points, 1968, p. 29


"Pessoas normais acham difícil serem más. Pessoas normais, quando sentem a maldade se acender dentro delas, bebem, falam palavrões, cometem violência. A maldade é como uma febre para elas: querem arrancá-la do corpo, querem voltar a ser normais. Mas os artistas têm de viver com sua febre, seja qual for a natureza dela, boa ou má. A febre é que os faz artistas, a febre tem de ser mantida viva. Por isso é que os artistas nunca podem estar inteiramente presentes no mundo: um olho tem de estar sempre voltado para dentro. Quanto às mulheres que se juntam em torno de artistas, elas não merecem plena confiança. Pois, assim como o espírito do artista é ao mesmo tempo chama e febre, também a mulher que quer ser lambida por línguas de fogo fará ao mesmo tempo todo o possível para estancar a febre e puxar o artista para o chão comum. Portanto, é preciso resistir às mulheres, mesmo quando amadas. Não se pode permitir que cheguem tão perto da chama a ponto de esfriá-la."


Juventude, de J.M. Coetzee

Versos Inscritos numa Taça Feita de um Crânio



George Gordon Byron, 6º Barão Byron

Tradução de Castro Alves

Não, não te assustes: não fugiu o meu espírito
Vê em mim um crânio, o único que existe
Do qual, muito ao contrário de uma fronte viva,
Tudo aquilo que flui jamais é triste.

Vivi, amei, bebi, tal como tu; morri;
Que renuncie e terra aos ossos meus
Enche! Não podes injuriar-me; tem o verme
Lábios mais repugnantes do que os teus.

Onde outrora brilhou, talvez, minha razão,
Para ajudar os outros brilhe agora e;
Substituto haverá mais nobre que o vinho
Se o nosso cérebro já se perdeu?

Bebe enquanto puderes; quando tu e os teus
Já tiverdes partido, uma outra gente
Possa te redimir da terra que abraçar-te,
E festeje com o morto e a própria rima tente.

E por que não? Se as fontes geram tal tristeza
Através da existência -curto dia-,
Redimidas dos vermes e da argila
Ao menos possam ter alguma serventia
.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Eterno retorno



«"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?"»
(341)
Nietzsche In: Gaia Ciência
(Die fröhliche Wissenschaft)


"O que é ser livre ?
É não termos vergonha de sermos quem somos."
(275)

Nietzsche In: Gaia Ciência

(Die fröhliche Wissenschaft)

Vico



por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes



Giambattista Vico (1668-1774): Entre os historiados Vico é considerado um dos pioneiros da reflexão moderna sobre o tempo histórico ou das Teorias da História. A forma como ele pensou o tempo, no livro “A ciência Nova” é considerada original e pioneira. A sua concepção de história ideal eterna é, em seu tempo, uma forma nova de concepção temporal e histórica. Sua trajetória biográfica é das mais especiais, porém não me cabe aqui comentá-la, já que penso que muitas outras pessoas participantes desta “jornada” o farão. Entretanto, seria importante lembrar alguns pontos para aqueles que conhecem pouco de suas reflexões sobre o tempo histórico, para então passar para alguns comentários sobre seus intérpretes contemporâneos. O pensamento de Vico apresenta algumas ambigüidades e complexidades e é bastante peculiar, pois se desenvolveu em oposição ao racionalismo cético “cartesiano”, contudo fez parte do que hoje poderíamos chamar de “iluminismo”, pois buscava um método para se estudar história. O que se segue é fruto de uma primeira leitura, pessoal, entre tantas outras possíveis e mais abrangentes.
As teorias de Vico sobre o tempo histórico são marcadas pela possibilidade em se traçar paralelos entre a história e as mais variadas “nações” humanas. Porém esta concepção cíclica dizia respeito aos povos bárbaros, e não aos povos do judaico-cristianismo que se inseriam na tradicional história revelada
Bem, esta concepção de tempo histórica cíclica – era aberta, fundada por uma proposição em que se poderia estabelecer “classificações” entre diversas eras. De forma bastante simples períodos históricos eram, segundo ele,: a era religiosa – onde havia preponderância da religião; a era heróica – definida pelo despotismo, guerras e violência; e a era dos homens – aquela da utilização da razão e da preponderância dos homens. Esta última seria para ele, entretanto também o começo da decadência de um ciclo, marcando assim que sua visão cíclica do tempo histórico não era fechada, mas aberta. Se fizéssemos um paralelo geométrico, o tempo em Vico seria marcado não por um arco, mas por uma espiral. Cada uma destas eras seria marcada por tipos diferentes de línguagem.
Arrisco, aqui em fazer uma suposição que talvez sua compreensão teórica do tempo aproximava-se mais daquelas existentes no oriente ou ainda daquelas de Shelling ou de Fitche. Quem sabe, penso eu, seria mesmo possível traçar alguns paralelos ou até influências de Vico nas teorias de pensadores posteriores como Hegel, Marx, Comte e Spengler. Estes pensadores viam o tempo histórico marcado por um desenvolvimento processual, que poderia ser interpretado como cíclico, e que culminariam em uma fase final – o Estado prussiano para Hegel, a sociedade positiva para Comte, o comunismo e a ditadura do proletariado para Marx, e a decadência do ocidente para Oswald Spengler. Entretanto, estas são ainda suposições, resultado de uma primeira leitura de Vico, que deverão ainda ser aprofundadas futuramente para se pensar seriamente em qualquer paralelo ou influência.
Para Vico, entretanto, do mesmo modo que o mundo natural é concreto, o mesmo acontece com o mundo social – ou seja, a realidade do mundo social é a História. Como nos esclarece o professor Humberto Guido, para Vico, eu cito: “A ciência social permite o conhecimento do ato de criação do mundo civil, porque é a mente humana que incessantemente cria este mundo, por isso com propriedade o mundo histórico é o mundo das mentes humanas ou o mundo metafísico”.[1] Para ele, é claro não seria possível pensar a ciência sem método. Cito mais uma vez o professor Guido, para Vico: “A Filosofia orienta a arte da escavação do terreno da memória, que esconde no seu interior os registros do passado. [...] A memória para Vico é a mentalidade comum da humanidade que promove a imanência do passado no presente, preservando os valores sociais que sustentam a sociedade humana, assim como os mitos gregos sustentaram por um determinado período a sua sociedade. [...] O advento da ciência, a qual faz surgir um novo ordenamento das coisas humanas.”[2]
Entretanto, para Vico, parece ser inviável ao homem moderno, penetrar completamente no pensamento humano primitivo, pois este seria marcado por um caráter poético incompressível para as “nossas mentes civilizadas.” Ou seja, para ele, quem pretende tentar realizar este empreendimento arriscado – desvelar o pensamento do homem do passado - deve estar ciente que o fará a partir de seu próprio tempo e própria mente.

2. R. G. Collingwood (1889 - 1943): filósofo e historiador, professor de filosofia metafísica na universidade de Oxford, foi bastante influenciado por Croce, Kant e Vico. Em seu livro “A idéia de História”, ele nos apresenta Vico como um pensador e historiador anticartesiano, que tentou formular um método histórico, assim como Bacon o havia feito para o método científico. Nesta tentativa, lembra-nos Collingwood, Vico entrou em choque com o pensamento cartesiano, que para ele só poderia ser aplicado à matemática, e desta forma afirmou que o critério da verdade, não é um postulado “claro e distinto”, mas “subjetivo e psicológico”. Collingwood afirma a propósito desta formulação de Vico: “O fato de eu considerar as minhas idéias claras e distintas só prova que eu acredito nelas, não que são verdadeiras.” E ainda: “Qualquer idéia, diz Vico, ainda que falsa, pode convencermos pela sua aparente auto-evidência – e nada fácil do que considerar auto-evidentes as nossas convicções, quando, na verdade são ficções infundadas, atingidas por meio de argumentação sofística.” Assim, Collinwood lembra-nos da convergências destas idéias de Vico com aquelas de Hume, explicando-nos que Vico buscava um princípio que permitisse diferenciar aquilo que pode ser conhecido daquilo que não pode. Ou seja, Vico buscava uma doutrina que encontrasse limites para o conhecimento humano – e por isso chega à hipótese verun et factum convertuntur – ou “O que é verdadeiro e o que está feito equivalem-se”. Isso quer dizer, somente podemos conhecer aquelas coisas que tenham sido criadas. Para Collingwood este postulado, verum-factum, permite a Vico concluir que a História é uma forma de conhecimento feita exclusivamente pelo espírito humano, e, conseqüentemente, apta a ser um conhecimento em sentido pleno.
No que diz respeito à compreensão de História, Collingwood destaca que Vico encarava o tempo histórico como um processo – durante o qual os homens “elaboram variados sistemas de linguagem, costumes, leis, governo”. A história seria, pois a história da gênese e de seu desenvolvimento. Collingwod destaca a modernidade desta compreensão, pois que ações históricas do homem não encontram antinomia nas ações divinas. Igualmente como lembra-nos como o sistema histórico de Vico não era prefixado, nem fechado, sem ter em si uma pré-determinação – pois é completamente humano. Desta forma, para ele é manifesto que Vico via no Homem o centro e ator único da História – e isto é particularmente moderno e inovador.
Abrevio aqui meus comentários sobre a interpretação de Collingwood, Pois já tivemos na apresentação de Gustavo uma análise aprofundada sobre essa questão.[3]

3. Isaiah Berlin (1909-1987): filósofo e historiador das idéias, nascido em 1909, em Riga, atual Letônia, Isaiah Berlin foi um homem liberal que tentou tornar mais claras as idéias de grandes pensadores e literatos, sem no entanto reduzi-los ou simplificá-los – foi certamente um importante defensor da História das idéias. Construiu sua carreira na Inglaterra e Estados Unidos, ao longo da qual foi fortemente influenciado por Collingwood. Em sua vida intelectual, refletiu sempre a História como uma história da liberdade, onde os indivíduos tinham seu papel marcante – negando assim concepções deterministas (como, por exemplo, o marxismo ou teorias evolucionistas) e dogmáticas. Pensou por outro lado, uma história das idéias não desvinculada de sua historicidade. A possibilidade de liberdade humana era assim, para ele sempre marcada por sua historicidade.
Em seu artigo “Gianbattista Vico e a História da Cultura”[4], ele reflete sobre o fazer historiográfico, apresentando-nos as idéias de Vico. Ele começa o texto identificando formas de se compreender e fazer a história, e critica veementemente algumas formas: como, por exemplo, as visões escatológica dramáticas, a história total-positivista viciada na busca de leis e causas, assim como aquela historiografia de cunho antiquário, do historiador curioso auto-centrado, que pode servir mesmo que involuntariamente a justificar formas de nacionalismo e auto-afirmação. Sua crítica também incide sobre algumas das concepções iluministas de história, como aquelas de Voltaire, Rousseau, Condorcet – que, segundo Berlin, possuíam uma abordagem anti-histórica da natureza humana, crendo em uma verdade uma e indivisível. Em suas palavras “[...] a idéia de que todas as grandes culturas eram ramo da mesma árvore do iluminismo – de que o progresso humano era basicamente um único movimento progressista, interrompido por períodos de retrocesso e colapso, mas nunca destruído, constantemente renovado e avançado cada vez mais em direção da vitória final da razão – em geral continuou dominar o pensamento ocidental.”[5] Lembra-nos também das contestações a esse tipo de ideário, vindas de pensadores oriundos do protestantismo, mas sobretudo a partir do romantismo alemão, como especialmente aquela de Herder, para quem haveria finalmente uma variedade de rumos históricos-temporais, ligados às particularidades dos povos e de suas terras. Contudo ele não deixa de lembrar-nos dos perigos dessas concepções românticas que puderam ou podem levar a justificação de nacionalismo e chauvinismos. Ele afirmava: “[...] a história das idéias oferece poucos exemplos de uma mudança tão dramática de perspectiva como do surgimento de uma nova crença não tento na inevitabilidade, mas no valor e na importância do singular e do único, da variedade enquanto tal; e também da convicção correspondente de que existe algo de repressor e profundamente pouco atraente na uniformidade; e de que, enquanto a variedade é sintoma de vitalidade, o oposto não passa de uma sombria monotonia desprovida de vida. Na verdade, essa noção de sentimento, que hoje nos parece tão natural, não é compatível com uma percepção do mundo segundo a qual a verdade é única em todas as partes, enquanto o erro é múltiplo, ou com a percepção de que o Estado ideal é aquele em que existe total harmonia, enquanto as diferenças de perspectivas ou opinião aparentemente irreconciliáveis constituem um sintoma de imperfeição – de incoerência devida ao erro, à ignorância à fraqueza ou ao vício.”[6].
Para ele, as bases do universalismo e da veneração da unidade humana tinham sua origem no platonismo, no judaico-cristianismo, assim como no Iluminismo e no Renascimento – e assim aponta que nenhuma doutrina monística que aprende o tempo teleologicamente pode admitir a variedade. Ele destaca, entretanto, mesmo com as resalvas citadas acima, a importância dessas novas compreensões da história, desde Fichte e Herder, em que o movimento do desenvolvimento humano não era mais entendido como dotado de uma única direção, mas de uma variedade de culturas e percepções. De tal modo que ele aponta Herder como o principal defensor dessa idéia da multiplicidade histórico-temporal, e vai mais longe diz que ironicamente foi Walter Scott o homem que deu substância a essas idéias. “Os melhores romances históricos de Scott apresentam pela primeira vez indivíduos, classes e até mesmo sociedades inteiras com aparência de sólida realidade, como personagens totalmente realizados e não como personagens se movimentando em um palco, como os genéricos e bidimensionais de Tito Lívio, de Tácito ou até de Gibbons e Hume.”[7] Conseqüentemente, para Berlin, foi Herder o descobridor do que ele chama “natureza dessa espécie de percepção imaginativa”, que em termos teóricos o primeiro que percebeu-a e indicou a possibilidade de aplicação foi justamente Gianbattista Vico – para ele o verdadeiro pai da História.
Para Berlin, Vico é o pai tanto do conceito moderno de cultura quanto de pluralismo cultural: “segundo a qual toda cultura autêntica possui seu próprio e singular ponto de vista, sua própria escala de valores, que ao longo de seu desenvolvimento, é substituído por outros pontos de vista e valores, mas nunca de maneira completa: ou seja, os antigos sistemas de valores não se tornam totalmente ininteligíveis para as novas gerações.”[8] Isso, por que, fala-nos Berlin, Vico acreditava que a História era da ordem exclusivamente humana, assim permitindo que pela “imaginação”, houvesse a capacidade de penetrar ou entrar em outra concepção de mundo, sendo possível regatar o que foi “a vida das criaturas remotas do tempo e no espaço” Essa capacidade de “fantasia” apontada por Vico é inferida por Berlin como a capacidade que nós homens temos de compreender o que significa amar, odiar, lutar, trair, ser oprimido etc – ou seja, essa capacidade seria uma porta aberta para resgatar em alguma medida as realidades passadas. Berlin também destaca o caráter anti-utópico da concepção de tempo de Vico, que não pode nos servir como modelo para as historiografias celebrativas, ou aquelas que compreendem o homem como ser estático e imutável no tempo e no espaço.

4. Hayden White[9]: Hayden White, historiador e filósofo norte-americano nascido em 1928, fez uma reflexão a partir de Vico completamente diferente daquelas abordadas anteriormente. Seus pressupostos são narrativistas, centrando suas reflexões no discurso e na linguagem da historiografia. Suas teses, em grande parte baseadas no questionamento discursivo que deita raízes em Nietzsche, são fortemente polêmicas e encaradas com forte resistência no meio historiográficos acadêmicos. Isso por que suas teorias em alguma medida “borram” as fronteiras entre História e Ficção. Estas teorias centram-se na trama discursiva do texto historiográfico: que para ele podem ser, segundo o modo de argumentação, formalista, organicista, mecanicista e contextualista.[10] Do mesmo modo, estudando textos historiográficos ele identificou “modos de elaboração de enredo”: Romanescos, cômicos, trágicos e satíricos, assim como tendências ideológicas: anarquistas, conservadoras, radicais e liberais.
Ele escreve um artigo sobre Vico, utilizando-se de alguns destes conceitos: trata-se de “Os trópicos da História: a estrutura profunda de ‘Ciencia Nova’”, presente no livro “Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura”[11]. Trata-se de uma justificativa e ao mesmo tempo uma aplicação para suas teorias relacionadas ao discurso histórico. Para White escrever história é “preencher lacunas”, selecionar e escolher, consciente ou inconscientemente, prerrogativas e significados mais ou menos arbitrário. Nesse sentido, a elaboração da capacidade de fantasia destacada por Vico como capacidade fundamental para conhecer o passado, parece-lhe um tanto cara. Neste texto ele afirma: “A reivindicação de originalidade por parte de Vico não pode ser posta seriamente em dúvida, embora o grau em que ele antecipou e influenciador pensadores subseqüentes provavelmente continuará a ser um debate por algum tempo. Na sua própria época, essa originalidade consistia principalmente em sua insistência, contrariamente aos cartesianos e alguns jusnaturalistas, na necessidade de um aparato conceitual distinto para a análise de fenômenos sociais e culturais a partir do que se poderia usar legitimamente para analisar os processos e estruturas da natureza física. A fórmula em que esse princípio se expressou asseverava a “conversibilidade” do “verdadeiro” e do “fabricado”, ou o princípio do verum ipsum factum. Ou seja como já foi dito, para Vico, o homem somente poderia conhecer o que por ele foi feito – e isto implicava uma separação entre as dimensões humanas e as naturais[12].” Sua originalidade também, segundo White foi antecipar, para o bem ou para o mal, que o mundo empírico antecede o mundo das idéias (Ciência Nova, £ 238), mas sem deixar de perceber haver uma interação entre as esferas da cultura e das idéias e das condições naturais e sociais - o que faria segundo White da “arte, religião, filosofia e até da ciência pouco mais que racionalizações retrospectivas das formas de mediação dos homens com seu meio, nas situações específicas em que se achavam.[13]
Porém essa semelhança com Marx, segundo White é somente superficial, pois a compreensão de Vico era mais sutil, ao pensar que a relação do homem com o mundo dava-se principalmente pela fala – que para ele não era apenas uma consciência do mundo, mas um poder criador e re-formulador do mundo. Parece-me que é neste aspecto que Hayden White privilegia então em suas teorias, debruçando-se sobre as características ditas lingüísticas de cada “era” da teoria de Vico, analisando os diferentes tipos de “fala” de cada período.
Para White, o central no pensamento de Vico, está em um princípio de interpretação (ou hermenêutica), com o qual, entende-se que a própria “fala” fornece indícios e caminhos para “a interpretação de fenômenos culturais” e historicamente passados.[14] É por isso que White reafirma suas teorias, por meio das teorias de Vico: “Aqui a distinção básica se dá entre expressões poéticas, de um lado, e representações em prosa discursiva, de outro. Na sua concepção, a primeira é uma força criativa e ativa graças à qual a consciência apreende o seu mundo; a segunda, uma operação receptiva e passiva na qual se refletem “as coisas como elas são”. Os efeitos desses dois aspectos do discurso sobre a consciência estabelece na própria consciência uma tensão que gera uma tendência do pensamento a transcender-se e a criar, a partir da notória inadequação da linguagem ao seu objeto, as condições para o exercício de sua liberdade essencial.”[15] De tal modo, que por meio destas ponderações encontrará nas reflexões de Vico aplicações para suas próprias – sobretudo com relação as formas de figuras de linguagem – centrais nos estudos de White. De acordo com ele, Vico entendeu que o desenvolvimento de cada civilização pode ser identificado por meio de suas “transformações metafóricas na linguagem”, para ele a dialética de Vico não era silogística (tese, antítese, síntese) “mas antes a dialética do intercambio entre linguagem e a realidade que ela busca abranger.”[16] Assim para White o original em Vico é que usou categorias tropológicas da linguagem figurativa para explicar as transformações das civilizações, em outras palavras, as transformações metafóricas da linguagem em uma era ou civilização poderiam explicar seu desenvolvimento e as transformações da mente humana..[17] De tal modo White escreve sobre a teoria das transformações das eras de Vico:
“1. A transição que vai das principais identificações metafóricas mediante a nominação da realidade exterior em termos tirados das idéias mais particulares e mais sensíveis das partes do corpo e dos estados emocionais, até as reduções metonímicas é análoga à transição, na sociedade, da norma dos Deuses para a norma das aristocracias. 2. A transição das reduções metonímicas para as construções sinedóquicas do todo a partir das partes, dos gêneros a partir das espécies, e assim por diante, é análoga à transição da norma aristocrática para a norma democrática; e 3. A transição das construções sinedóquicas para a afirmação irônica é análoga à transição das democracias regidas pela lei para as sociedades decadentes cujos membros não têm qualquer respeito pela lei.”[18] Ou seja, para White, as figuras de linguagem possuem valor essencial na concepção de tempo e da história que Vico pensou, ligando as formas tropológicas às variadas concepções de sociedade em aspectos variados como os conceitos de natureza humana, os tipos de governo, aos tipos de lei, razão, linguagem, razão ou religião. Seu principal interesse, portanto, é destacar essas variações metafóricas na complexa teoria de Vico.
No final do artigo White elogia Vico: “Assim, aos dualismos e monismos de sua época, Vico opôs uma terceira alternativa, baseada no reconhecimento de que da mesma forma que a morte esta contida na vida e a vida na morte, assim também a selvageria está contida na civilização e a civilização na selvageria; e. o que talvez seja mais importante, baseado no reconhecimento de que o bestial existe no humano da mesma forma que o humano existe no bestial.”[19]

5. Conclusão:

Penso que as idéias de pensadores como Vico, assim como de seus interpretes, devem estar sempre abertas para a discussão, interpretação e exame crítico. Na verdade, acredito que um texto, seja ele de natureza documental ou não – pode ter várias interpretações nenhuma certa ou errada, mas apenas miradas diversas, a partir de lugares diferentes. É por isso, que três intelectuais aqui, podem vislumbrar ou destacar aspectos de um mesmo texto, mas de maneira diversa. Não se pode esquecer, que mesmo que nossas idéias pareçam claras e exatas, elas são sempre suposições – e que o texto possui sempre, em alguma medida autonomia - se esquecermos disto e tomá-los como verdades, perdemos a chance de que por meio da interpretação e reflexão – destes textos e símbolos, vislumbremos o que somos e como poderíamos conhecer do mundo. Temos que ter em vista que somente em diálogo com eles, conscientes de nossas próprias experiências, podemos tentar compreendê-los.[20]

5. Bibliografia.

· Berlin, Isaiah. Limites da Utopia: Capítulos da História das Idéias. São Paulo: Cia das Letras, 1991.
· ____________ A Força das Idéias.(org. Henry Hardy) São Paulo: Cia das Letras, 2005.
· BURKE, P. Vico. São Paulo: Editora da Unesp, 1997.
· CRISTOFOLONI, Paolo. Vico et l´histoire. Paris, PUF, 1995.
· Collingwood, R. G. A Idéia de História. Lisboa: Editorial Presença, s/d
· GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1995.
· GADAMER, Hans Georg. Esboço dos Fundamentos de uma hermenêutica. IN: O Problema da Consciência Histórica. (org FRUCHON, PIERRE). RJ: Fundação Getúlio Vargas, 2006
· GUIDO, Humberto.e SAHAD, Luiz F. N. de Andrade e Silva. Tempo e História: no pensamento ocidental. Ijuí: Editora Unijuí, 2006.
· HUNT, Lynn (org.). A Nova História Cultural. SP: Martins Fontes, 2006
· NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral. (org e trad.: Fernando de Morais Barros. SP: Editora Hedra, 2007
· RICOEUR, P. La Mémoire, L´histoire, l´obli. Paris: Éditions de Seuil, 2000.
· WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001
· ______________ Meta-História: A Imaginação História do Século XIX. SP: Edusp, 1995.
· Vico, Giambattista. Ciência Nova. São Paulo: Ícone Editora, 2008.

[1] O Tempo e a História como Elaboração da Memória: G Vico e a História das Idéias Humanas. IN:GUIDO, Humberto.e SAHAD, Luiz F. N. de Andrade e Silva. Tempo e História: no pensamento ocidental. Ijuí: Editora Unijuí, 2006. p. 43
[2] Iden, p. 45
[3] Por outro lado segundo Collingwood, para Vico, a História pode ser plenamente conhecida pelo homem, já que é um factum somente humano. Para Collingwood, o historiador poderia, segundo Vico, “reconstituir , no seu espírito, o processo que as coisas foram criadas” – o fato do historiador ser também um Homem lhe dá assim a capacidade de captar uma “harmonia” comum – permitindo o entendimento dos documentos e vestígios históricos. Esta idéia é, como destaca Collingwood, profundamente anti-cartesiana, pois contradiz a “estrutura” deste pensamento: cético – que não vê uma relação entre as idéias e as coisas. Para Vico, quando se pensa a forma de conhecimento histórico nem se podia estabelecer tal inferência, pois para ele a História não diz respeito ao passado mas sim à “estrutura do mundo em que vivemos”, para ele não faz sentido perguntar-se se algo ou alguém realmente existiu. Assim, Collingwood deixa-nos esclarecidos que para Vico cada coisa é o que é, e que para o historiador o que importa é o ponto de vista humano – não há como estabelecer diferenças entre idéias e as coisas: ele diz: “A história é uma espécie de conhecimento em que os problemas respeitantes às idéias e os problemas respeitantes aos fatos não são distinguíveis. Ora acontece que precisamente que a filosofia de Descarte distingue esses dois tipos de problemas”. Portanto, para Collingwood, ampliando infinitamente os limites do conhecimento histórico e suas possibilidades, Vico chega à formulação dos ciclos, eras ou períodos históricos – que poderiam apresentar-se de forma a possibilitar a configuração de paralelismos com relação a determinados aspectos da vida humana, entretanto em ciclos diversos e localizados temporalmente distantes entre si. Por exemplo, a Grécia do período homérico tinha traços semelhantes àqueles da idade média. Vico concluiu assim, que esses períodos poderiam ser classificados e se remeteriam periodicamente mas não de forma fixa e fechada. Nas palavras de Collingwood: “Por vezes, Vico apresenta o seu ciclo, do seguinte modo: primeiramente, o princípio orientador da História é a força bruta; depois a força corajosa ou heróica; a seguir, a justiça corajosa; depois a originalidade brilhante; seguidamente a reflexão construtiva; e finalmente uma espécie de opulência esbanjadora e ruinosa, que destrói o que foi anteriormente construído. No entanto, Vico tem plena consciência de que um tal esquema é demasiado rígido para não admitir inúmeras exceções” Está claro, do mesmo modo, que essa teoria não nos permite prever o futuro, como naquelas formulações teóricas que compreendem o tempo histórico de maneira circular.
[4] BERLIN, Isaiah. Limites da Utopia: Capítulos da História das idéias. SP: Cia das Letras, 1991.
[5] Idem, p. 56.
[6] Idem, p. 58
[7] Idem p. 59
[8] Idem, p. 60
[9] Atualmente ele é professor emérito na Universidade da California, Santa Cruz, y professor de literatura comparada na Universidade de Stanford.
[10] Formalista (procuram particularidades e funcionam como uma lente de aumento, organicista (ex: Ranke), mecanicista (ex Marx) e contextualista (ex: Michelet)
[11] WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001
[12] Para Vico o conhecimento total da natureza era prerrogativa exclusivamente divina. Idem, p. 219
[13] Idem. p. 221
[14] Idem. p. 224-225
[15] Idem. p. 225
[16] Idem, p. 231
[17] Idem, p. 231
[18] Idem, p. 231 e 231
[19] Idem, p. 239
[20] RICOEUR, P. La Mémoire, L´histoire, l´obli. Paris: Éditions de Seuil, 2000.