Como sabem, estou indo para Buenos Aires, Argentina, dia 18 de julho, e vou ficar ao menos seis meses. Os motivos são vários e complexos. Trata-se de um exílio voluntário[1], já que não me sinto acolhido neste país, onde só vejo dor, tristeza e miséria – dentro e fora de mim. Trata-se mesmo de uma questão de saúde intelectual e afetiva. Preciso de novos ares (perdão pelo trocadilho cínico). Lá vou fazer um curso de espanhol, assistir umas aulas como ouvinte na UBA, ler e escrever e pensar no que vou fazer do resto de minha vida. Se vocês tiverem contatos (para trabalhos ou estudos) por lá, caso tenham, me passem – eu agradeço.
O que vejo, quando caminho pelas ruas, são pessoas insones, tensas, secas e sem amor. Mendigos esfarrapados pelos cantos e sarjetas. Abismos entre os homens. Trevas, e tantas fuligens que não se pode respirar. É-me repugnante continuar, sem saber que daqui vale a pena pensar em algum futuro, alguma idéia de verdade e utopia. Acho que não sou mais aquele garoto doce e inocente, vejo quando, sem querer, miro-me nos espelhos fagulhas nos meus olhos, de um fogo infinito e cruel que arde. Alguma coisa tirou de mim, algo que eu era, e que agora não sou. Tenho saudade, mas não posso nada fazer, além de sentir esta força, esta potência que me dói – e que me faz brabo, ranzinza e cruel. Por que as labaredas já não se apagam. Elas queimam, entre flores, entre cemitérios cinzas ou entre arranha-céus descabelados. Eu parto, e sou outro. Para além de mim e das horas – quero ser outro. Ter a doce ironia e profunda de quem já não espera mais nada, e que tem a serenidade de dizer – eu não me importo. De quem já não tem mais nada a perder. Mas não me engano, sei que mesmo com outros ares, minhas labaredas continuarão aqui dentro – em mim – no mundo em meus olhos, e continuarei assim cansado de arrastar fantasmas e anomalias. Que sei – nenhum grito de horror pode apagar, por que são tantos, uma legião de gritos e que ouço e que sempre ouvirei. Entretanto, não obstante a distancia espero contar com a amizade dos amigos e amores – por que vocês ainda me são. E sempre serão.
Gostaria, assim de despedir-me de vocês no dia 12 de julho, às 20 horas em minha casa. Por favor, me avisem se virão: apatrini@terra.com.br. Peço que cada um traga uma garrafa de vinho.
Um abraço
Augusto
"Mas é exatamente nesse frígido e repugnante semidesespero, nesta semicrença, neste consciente enterrar-se vivo, por aflição, no subsolo, por quarenta anos; nesta situação instransponível criada com esforço e, apesar de tudo, um tanto duvidosa, em toda esta peçonha dos desejos insatisfeitos que penetraram no interior do ser; em toda esta febre das vacilações, das decisões tomadas para sempre e dos arrependimentos que tornam a surgir um instante depois, em tudo isso é que consiste o sumo daquele estranho prazer de que falei." Memórias do subsolo - Записки из подполья (Dostoievski- Фёдор Михайлович Достоевский)
“Apartados del mundo por amor al mundo, irreales por pura pasión de realidad, las figuras de Dostoyevski parecen, al principio, un poco simplistas. Su marcha no es rectilínea, ni persigue ningún fin visible. Estos hombres todos adultos, todos hombres hechos, andan por el mundo a tientas como los ciegos y tienen el torpor de los borrachos. Los vemos detenerse, mirar en derredor, hacer todo género de preguntas, para aventurarse de nuevo, sin esperar respuesta, hacia lo desconocido.”
(Tres maestros. Balzac, Dickens, Dostoyevski de Zweig, Stefan; 2004)
[1] "A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inefável é não se poder estar sozinho." (Dostoievski)
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