domingo, 4 de maio de 2008

Servidão Voluntária



LA BOÈTIE, Étienne, Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo: editora Brasiliense, s/d.


Fichamento crítico
por Augusto Patrini-Menna-Barreto-Gomes



O texto de La Boétie coloca em questão a legitimidade de toda autoridade, e em certo sentido ao questionar a submissão à autoridade – seja princípe ou autoridade eclesiástica (e as razões da submissão voluntária dos homens), acaba asssumindo um caráter precursor «anarquista
[1] ». Ele debruça-se sobre a relação dominação – servidão, pensando a liberdade como conceito fundamental. Seus exemplos numerosos ilustrados com casos da antiguidade servem para criticar a política de seu tempo. Ele também discute de modo passageiro a possível existência de regimes de governo com qualidades diversas (melhor ou pior), admitindo no entanto que em qualquer que seja este regime o que existe verdadeiramente é o Poder.
Discute-se neste texto, de forma marcante, a razão da submissão
[2]... Sem no entanto nos oferecer uma resposta satisfátoria ou conclusiva. Para La Boétie o homem é ‘naturalmente’ livre, e por isso a amizade e a sociedade entre os homens deveriam bastar, porém o que se vê, segundo seu ponto de vista, é o estabelecimento da dominação. Para entender a submissão ele supõe que a primeira natureza humana, a da liberdade, foi substituída por uma segunda natureza – que se deixa seduzir por príncipios exteriores à liberdade de todos os homens, princípios do Poder, do Princípe ou do Tirano. É, para ele, então o povo que sede sua liberdade, e não o tirano que arranca-a do povo. Na verdade a conclusão mais interessante de La Boétie é que a servidão do homem não existe desde sempre e é na verdade uma contrução histórica – talvez ele identifique o nascimento do Estado como a origem da servidão.
O Discurso é, portanto, uma crítica radical ao fundamento do Estado absolutista que começa a tomar forma em sua época (1549) por meio de uma forma plena de dominação política. A solução ao problema da servidão e da dominaçao talvez para o autor pela uma forma de « resistência passiva » às formas de poder
[3].


[1] É claro que a palavra “anarquista” deve ser entendida como princípio político que questiona radicalmente toda autoridade e Estado, e não diz respeito em absoluto ao movimento político surgido a partir das idéias de J. Phrodon., que floresceu, sobretudo nos séculos XIX e XX. Seria anacrônico entender o termo como o entendemos desde este movimento.
[2] Antecipando uma questão levantada por Wilhem Reich: por que o povo não se revolta?
[3] Príncipio este que será retomado por Henri David Thoreau, em seu livro A Desobediência Civil.

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