quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Eloqüência e o Brasileiro




Alcântara Machado


A eloqüência marca Sloper que nos desgraça é com certeza resultado da preocupação de fazer literatura a muque. Entre nós quase toda a gente pensa que literatura é arrevezamento, ginástica verbal, ilusionismo imaginoso, hipérbole sublime. E devido a isso mesmo há no Brasil muitos cavalheiros que falam mas poucos que dizem. Falam até debaixo d'água. Não dizem coisa nenhuma. De tal forma que hoje em dia o conceito de literatura é até pejorativo.

— Não presta para nada esse artigo. É só literatura.

Aí está. A culpa é inteirinha dos que a ela se dedicam, banalizando-a, pondo-a ao alcance de toda a gente, com o objetivo de embasbacar até um limpador de trilhos da Light.

* * *

Aliás para ser franco, ninguém se diverte mais do que eu com as asneiras dengues e sonoras dos oradores de minha terra. Sou leitor fanático dos apanhados jornalísticos das sessões no nosso Congresso, na nossa Câmara Municipal, das excursões políticas, das reuniões de agricultores, comerciantes e homens de letras, de todas as assembléias, de todas as festanças e comemorações discursadas.

Leitura ainda mais hilariante que a dos livros de Jerome K. Jerome. Nem se compara.

Entre os nossos vereadores e parlamentares, principalmente, há cada campeão em matéria de retórica edição Quaresma da gente ficar de boca aberta. Até entrar mosca. É verdade.

Pessoal danado para dizer bobagem com ênfase. Nunca vi. A idéia vem sempre vestida de cores escandalosas, amarrada com laçarotes de penteado de negra, toda arranjadinha para dar bem na vista.

Todos os discursos têm um trechinho imutável que eu não me canso de saborear. É quando o orador alude humildemente à miséria cearense dos seus dotes oratórios.
É assim:

O Sr. Sesostris da Cunha — Embora reconheça, Sr. presidente, que minha desautorizada voz, tão desafeita à tribuna, vem quebrar a harmonia (não apoiados gerais).

O Sr. Amazonas Neto — V.ex. é um belo orador. Todos nós o ouvimos sempre com imenso prazer (apoiados gerais).

O Sr. Sesostris da Cunha — Muito obrigado a v. ex. Como ia dizendo, Sr. presidente, sem embargo...

Delicioso. E fatal. Mas, sobretudo, delicioso.

* * *

Eu sei que estou sendo irritante. Paciência. Sei perfeitamente que nesta terra o que eu estou fazendo se chama falar mal. Paciência. É sempre melhor do que falar bem. Compreendam-me.

João Filipe, que foi ministro de Floriano e hoje é professor jubilado da Politécnica do Rio, velhinho moço de sarcasmo estupendo, desabafou certa vez comigo:

— Eles são bestas e não querem que a gente tome nota.

Eu tomo, sim.


Antônio Castilho de Alcântara Machado de Oliveira (1901-1935) era o nome completo do autor de "
Pathé-Baby", "Brás, Bexiga e Barra Funda", "Mana Maria" e "Cavaquinho e saxofone". Bacharel em direito, filho do professor e político Alcântara Machado, preferiu enveredar pela carreira jornalística e, em 1927, aos 26 anos de idade, era um dos redatores destacados dos "Diários Associados", em São Paulo. O jornalismo, entretanto, não o absorveu inteiramente. Consagrou-se também às letras, surgindo como uma das figuras mais expressivas do movimento modernista. Em 1934, veio para o Rio de Janeiro, onde passou a dirigir o "Diário da Noite". Estava nesse posto jornalístico quando, a 14 de abril de 1935, faleceu na Casa de Saúde de São Sebastião, ao ser operado em conseqüência de uma crise aguda de apendicite. Distinguiu-se pela vivacidade da linguagem, pela novidade do estilo, pela fiel reprodução dos tipos e costumes paulistas, bem como pela sátira acerada e certeira com que alvejava os nossos ridículos. Nos deixou, ainda, a comédia "O Nortista", e o livro de contos "Laranja da China".(in "Antologia do Humorismo e Sátira", Editora Civilização Brasileira - Rio de Janeiro, 1957, pág. 357).

Fonte: http://www.releituras.com/amachado_menu.asp

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