Ou divagações em uma manhã de primavera.
Por Augusto Patrini
Toda experiência deixa sua marca, seja na pele, no corpo, ou no mundo interior – tatuagem, escarificação, ruga, cicatriz. Quando marcadas as experiências, tornam-se passando na ilusão do tempo, lembranças e memórias, como terna lembrança do que um dia foi experiência viva; sentimento pleno – alegria. Esta quem sabe seja uma forma poética de encarar as escarificações de nossa memória, aquela que entende a própria vida como obra de arte, como fenômeno e substância. Outra forma, entretanto, completamente diversa existe, são aquelas que entendem as lembranças cheias de fantasmagorias, nostalgia, pesar, ressentimento e tristeza – aquela para quem a possui a única fuga possível é a decadência e os abismos tenebrosos – possuidores do esquecimento que alivia. Salva.
Entretanto o que fazer das lembranças quando se perdeu a fé em tudo? O que são as memórias quando se é um cético radical? Apenas registros fotográficos em nosso negativo orgânico mental? Pois se existem marcas, são realidades ou alucinações? Elas são ‘passado morto’ ou ainda vivem no presente- possuindo-nos em suas reminiscências e vagas de influência. Como, nessa sentido, conviver com lembranças de algo belo e prazeroso, quando isto acabou-se – tornando-se apenas uma fotografia antiga meio sépia? Borrada.
De qualquer forma, se algo já não é o que foi, será necessária uma ruptura radical com esse passado? É possível separar-se dele? Não seria mais sábio encará-lo e aceitá-lo? Por que se no fundo mesmo o que já não é, ficará marcado eternamente, no negativo orgânico mental – como algo que foi o que foi e por isso ainda é. Tudo será assim bom, belo e prazeroso de um lado, e de outro declinante e decadente. Pois que viver, não seria justamente declinar, decair? Em 3 meses, 6 anos ou 40 anos, não importa, todos cheios de lembranças pereceremos. Enfiem o passado e o futuro, realmente existem? Não, não há recomeço, ressurgir – tudo isso é ilusão dos entorpecidos; para fugir das lembranças somente duas opções são realmente possíveis: a loucura (em suas variadas formas: torpor, alucinação, fé) ou a morte. Negue o que foi e que ainda é, e estará dando as costas para a vida.
Tudo isso é sim muito melhor, melhor do que aquilo que nunca foi, e que ficou apenas como uma possível expectativa de experiência. Essa dor, a do não ter sido, não há nada que cure. Ironicamente, ela ficará para sempre, essa não-experiência, marcada em nossa memória de existência.
2 comentários:
Creio que uma lembrança dolorosa ou infeliz seja como uma fogueira. Se ainda arde em chamas, é preciso saber de onde vem o combustível para alimentá-la. Se já são apenas os calores das cinzas, é preciso deixar que amainem.
Nesse ponto, estou com Nietzsche e os gestaltistas. Uma porta entreaberta sempre deixará um rastro de curiosidade, ou para abri-la, ou para fecha-la permanentemente.
Mas é sempre uma espécie de narrativa. Toda psicologia, toda terapêutica do ser, na minha modesta opinião, deveria ser uma narrativa, jamais uma ciência ou truque.
Bom texto, abraços!
"Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos". (Marx, 18 Brumário de Louis Bonaparte)
Impossível e indesejável se livrar do passado. Temos que lidar com ele de uma forma ou de outra.
Essa é a grande dificuldade da vida: encontrar uma maneira de crescer com o passado. Um jeito de transformar o passado em bom futuro.
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