Calou-se, no espaçobrancoentre as pernas do outro. Cansou-se, levantou e respirou fundo, comoquem emerge do fundo de umrio. Achou graça naquilo tudo. Como podia, serelesdoisdentro do quarto. Eram amigos e simples. Podiam. Mas havia maisqueissoentre as suasvidas. Seuscorposagora eram nítidosespelhosconhecidos, semsegredos e tãolindos. Umcheiro de camomila no campo.
Olhou-o. Com as pálpebras semicerradas eralindo, comomenino na praçaemdia de sol tomando sorvete de morango. Aquela felicidadecorajosa e serena dos meninos da roça. Já conheciam agora, porfim, seussexostesos e suaslágrimas brancas e seuscorpos enferrujados de sol, e que. Esperavam. A coragem dos encaracolados queera de ambos.
Vodca e Mao Tsé Tung tinham feitoaquilo? Sabia quenão, nãoeravodcanemqualquermomento maoísta dos seusbotecos e esquinas, eram suascarnes todas, chamando-se tesas e quentes. Ali ao ladoseu. A luz do inverno penetrando a janela, porentre as cortinas de azuis-escuros e desbotados, parecia aquela do hospícioquelhe trazia ainda o medo, e lhe trazia de volta o escurovivo e ríspido – tinhatempo: esqueceu. Não lembrarei mais, pensou – agora eram só os doisali, ao seulado o outro. Longo e marrom o corpo e alma daquele quetinha e eramais do quesuasnoites de expiação – porque esqueceria, parasempre, o filho da puta daquele queumdia o meteu no hospício. Amou demais o menino da escola. Os beijos dos doisadolescentesentre os pinheiros foram desenganadospelafúria daquele desertoqueumdia chamara de pai, enchendo-lhe a cabeça de drogas e choques. Não queria maissaber se amaraquelegarotoera errado, emseutempotinhaquefazer o quesuaalma pedia e tinhafeito: vivido. Mesmo se depoislhe fosse o resto da adolescência de choques e drogas fundindo-lhe a cuca.
Masagora. Abraçou-o, sentindo o cheiro do amigoque se tornara agoraseumantimento, muitolonge dos choques e dos tetosassustadores do hospitalimundo. Dormia, depois do gozo, puro e lento - suabocaainda sentia o gosto. O quartotodo transpirava aquela penumbraestranha e roxa – de poeira e odor. O silêncioalidentro, eraalheiopara a cidadetãogrande: onde estavam os carros e os ônibus, láfora, o mundotinhatodo parado. Dormiria agora, paranãolembrar do infernodentro daqueles corredoresimundos e pretos, no fundo da suahistóriasórdida – o tempotinhapassado e tudoagoraeradiferente.
Naquela cidadeanônima e longa, todos, pelas ruas, podiam se amarempaz, longe do interiorrubrocheiofogo – correu e livrou-se daquilo – poisnunca sairia – o coronelnunca o tiraria dali, porqueeleeraum “viado”sujo, ummaricas, uma vergonhapara a dinastia cristã e déspota-latifundiária daquela famíliacheia de mãos sujas de sangue. Mudara de nome, de vida e de tudo, inventara umpassado e uma históriaparasi, nãoeramaisaquele. Aquele morrera gemendo amarrado no escurofrio e vivo da casa de loucos. Junto daquele, Cristo apodreceu de pênisemriste e Maria virou uma puta na rua da esquina. Deus estava finalmentemorto e ele estava livre. E comseucorpopodre e santo, fez uma novavida.
Comoerabom, tocar. A pelemorena daquele amigoali, e podia quaseesquecerquenãoeraquem se fazia. Aquelemoçoseuamigo, ajudara-o mais e mais, tirava comele o pó dos livros e liam juntos os contos de Clarice. Começaram amigos no boteco da esquina, copo de cerveja na mão e umcigarro na do outro – alguém do outrolado da cidade se masturbava sozinho – e umpaposobre Mao e a revolução chinesa. Depois vieram os copos de vodca bebidos emseusapartamentoscheios de fantasmas e pó – erasemprealgumpoema de Baudelaire e muita Billy Holiday na vitrolaantiga. Tinham os dois, apenas 20 e tantosanos – esqueciam da vida, podiam perder, masnão fazia mal. Pois tinham sido eles, os doisjuntos, o que queriam.
Sua “oportunidade” foi suatia, queovelhanegra renegada e sempre a “louca”, ela ajudou matar a suafome e o seupassado. Quando chegou eraela, que de longe, ajudou, com o poucoquetinha, paraelenãomorrer de fome e a continuar sobrevivendo – ele fez algunsprogramasquando apertou, fodendo algunsvelhoslamacentos e cinzascomoseupai, aquelecovarde. E depois e depois e depois. O que podia fazer, esqueceu. Mergulhou no seuoutroeu, pordentre os escombros e a carnepodre de Deus, surgiu então, trabalhando nas paradas da vida - fazendo o que podia. Cresceu.
Agora, naquele bar, naquele dia, onde o sol se punhacinza, encontrou mais do que podia crer – de cerveja na mão foi encontrando aqueleamoramigoquedepois seria maisqueamigo – seria fundo, triste e maravilhosamentemedonho, parafazeresquecertudo, paraconstruirenfimemummomento de gloria seuoutroeu – infinito amortecido. Viveria, sim viveria. Reviveria. Mesmoquetudoaquilo viesse da dorque sentia.
O outro abriu os olhos, trazendo-o salvador de voltaparavida. Beijou-lhe a boca de leve e esticou os músculos, abraçando-lhe o corpo. Era de novoaquelecheiro, de camomila no campo e de pinheiroverde misturando o queera e o quetinha sido. Acariciou-lhe a nuca. Dormiu.
Um comentário:
Gostei muito.
Um beijo.
p.s.-Ficou ótimo o novo visual.
um beijo.
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