O socialismo não se refere apenas ao fim de toda opressão e exploração. É também uma luta para que nos libertemos de todos os preconceitos e toda a repressão que distorcem e destroem a nossa sexualidade. Noel Hallifax -"Gay Liberation and the Struggle for socialism", Bookmarks, London. As várias formas de sexualidade convivem juntas desde o princípio da humanidade. No início não havia termos ou nomes para os diversos tipos de expressões sexuais praticadas por homens e mulheres. Homossexualidade, bissexualidade, heterossexualidade são categorias definidas socialmente, criadas e transformadas no transcurso da história humana. Na verdade sabemos desde Freud, que a sexualidade é extremamente fluída, e não necessariamente marcada por categorias. No decorrer destes muitos séculos, a homossexualidade e outras formas de sexualidade alternativas à heterossexualidade foram tratadas de formas diversas, dependendo da época e do lugar. Em muitos lugares e momentos foram considerados pecados graves, em outros tratadas como patologia médica, e, ainda, em outros tempos e sociedades consideradas apenas mais uma das formas de se amar e exercer a sexualidade. Quando os europeus chegaram à América, encontraram aqui muitas tribos indígenas, que respeitavam a homossexualidade. Nossos índios chamavam os gays de tibira e as lésbicas de sacoaimbeguira. A idade média foi marcada por violenta perseguição a gays e lésbicas. Países islâmicos como Irã, Arábia Saudita e Sudão punem, ainda hoje, a homossexualidade com a pena de morte. Outras sociedades, como a indígenas da América e muitos países europeus da atualidade, aceitam e respeitam outras formas de sexualidade, além da heterossexual, com maior naturalidade. Já países, como por exemplo, o Brasil, apesar de não possuírem uma legislação repressiva à prática homossexual, apresentam ainda um quadro de grande opressão social e inúmeros casos de abusos, discriminações e violência contra os que praticam a homossexualidade, bissexualidade ou qualquer outra forma de sexualidade além dos padrões socialmente estabelecidos. De acordo com alguns especialistas a opressão homossexual e a violência contra os homossexuais, podem em parte ser explicada historicamente a partir da introdução da religião cristã, e das transformações causadas pelo surgimento do capitalismo. Seguindo a linha de raciocínio, estudiosos, atribuem ao crescimento do cristianismo o aumento da discriminação contra os homossexuais, pois, a partir deste, a prática da homossexualidade, além de condenada pela sociedade é punida de forma severa. Na idade média, centenas de mulheres consideradas lésbicas foram queimadas como bruxas e os homossexuais usados como lenha para as chamadas fogueiras “purificadoras da Santa Igreja”. A forma com que a sociedade ocidental encara as sexualidades alternativas transformou-se lentamente. Antes do século XVIII, qualquer forma alternativa de sexualidade que não visava a reprodução era considerada delito moral grave. A partir deste século surgem também concepções pseudocientificas, patologizantes – que viam nas (homo)sexualidades uma forma de desvio psicológico e físico, e como tais, achava que deviriam ser tratadas e ou pior eliminadas. Desta concepção resultou a monstruosidade nazista que matou milhares de homossexuais, lésbicas e transexuais. Desde então a forma como as pessoas encaram a homossexualidade tem variado da aceitação total, a tolerância constrangida, até a discriminação e ao ódio. Podemos compreender a origem da opressão contra as formas sexuais homoerótica por meio dos argumentos do sociólogo Manuel CASTELLS (2000) quando este afirma que: “O patriarcalismo exige heterossexualidade compulsória. A civilização conforme é conhecida historicamente, é baseada em tabus e repressão sexual. Segundo Foucault, a sexualidade é construída socialmente. A regulamentação do desejo está subordinada às instituições sociais, canalizando assim a transgressão e organizando a dominação. Quando a epopéia da História é observada pelo lado oculto da experiência, nota-se a existência de uma espiral infinita entre o desejo, repressão, sublimação, transgressão e castigo, responsável em grande parte, pela paixão, realização e fracasso. Este sistema coerente de dominação, que liga as artérias do Estado à pulsação da libido pela maternidade, paternidade e família, tem seu ponto fraco: a premissa homossexual. Se essa premissa for questionada, todo o sistema desmorona: a relação entre o sexo controlado e a reprodução das espécies é posta em dúvida (...), solapando a coerência cultural das instituições dominadas pelos homens”. Neste contexto surge a realidade descrita no relatório do ano de 2000 da Anistia Internacional (Relatório da Anistia Internacional 2000 in informativo da Anistia Internacional, mar/jun. 2001, pg.16), onde muitos homossexuais foram: “(...) torturados, maltratados, agredidos sexualmente, forçados a se sujeitarem a tratamento médico ou psiquiátrico, obrigados a fugirem aterrorizados de seus países – por todo o mundo, gays, lésbicas, bissexuais e trangêneros (GLBT) correm maior risco de sofrerem violações dos direitos humanos devido a sua identidade sexual”. O relatório descreve também a situação angustiante de milhares de pessoas que são torturadas e maltratadas por sua sexualidade, real ou imaginada, considerada uma ameaça à ordem social. O relatório inclui exemplos documentados de cerca de 30 países. Em mais de 70 países as relações entre pessoas do mesmo sexo são consideradas um crime e, em alguns casos, podem ser punidas com a morte. BrasilUm dos principais problemas da Parada Gay brasileira, assim como acontece no resto do mundo, é que se passou a comercializar o evento – e consequentemente a luta pela liberdade de amar. De um evento político, a Parada passou a ser um grande dia de festa, desprovida de um caráter reivindicativo forte - para ser um dia de liberdade assistida, onde a sociedade em geral homofóbica admite um dia de transgressão e liberdade. Mesmo assim, ainda que se tenha criticas ao modo como se construiu a Parada Gay no Brasil, todos aqueles que concordam com a liberdade sexual, sejam socialistas, trabalhadores, sindicalistas, ecologistas, mulheres, ou qualquer outro movimentos sociais, devem estar unidos em prol da causa da liberdade de amar, lembrando que as conquistas obtidas no âmbito da liberdade sexual, obtidas pela mobilização popular, são mais importantes do que nossas eventuais diferenças políticas. Porém devemos, sempre refletir e discutir até que ponto a comercialização do nosso anseio por mais liberdade e amor está prejudicando a conquista da verdadeira liberdade de amar. A Liberdade para amar quem quisermos não deve estar restrita ás Danceterias, saunas e bares (onde se deve pagar e estar em um espaço restrito) – ou a dias como a Parada e o Carnaval. Devemos ser livres onde e quando quisermos - nas ruas, no trabalho, em nosso grupo de amigos ou em qualquer outro lugar, sem admitirmos regressões á nossa necessidade de amar e expressar carinho, a quem que seja. Nesse sentido, é importante que todos aqueles envolvidos em lutas políticas e sociais se participem da luta pela liberdade sexual - pois ela é de todos, homossexuais, bissexuais, lésbicas, heterossexuais e está muito além destas classificações repressoras. Devemos buscar essa união para que haja uma confluência nessa luta nos diversos movimentos sociais e políticos. Ela não é uma luta menor ou menos prioritária, ela faz parte de nossa luta por justiça, liberdade e igualdade.
Augusto Patrini Texto de 2004, originalmente publicado em: www.revolutas.net |
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
A liberdade de amar não está à venda
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