Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
Into the Wild, razão, liberdade e controle social.
Disciplina: Razão, Indíviduo Liberdade
Professora Maria Helena Oliva Augusto
Curso: Bacharelado em História
apatrini@terra.com.brNo USP: 5165341
Universidade de São Paulo
2008
La vérité, c'est une agonie qui n'en finit pas. La vérité de ce monde c'est la mort.
Il faut choisir, mourir ou mentir. Je n'ai jamais pu me tuer moi.
Voyage au bout de la nuit, Louis-Ferdinand Céline, éd. Gallimard, 1972 p. 200
« Ça ne vous servira à rien ici vos études, mon garçon !
Vous n’êtes pas venu ici pour penser,
mais pour faire les gestes qu’on vous commandera d’exécuter…
Nous n’avons pas besoin d’imaginatifs dans notre usine.
C’est de chimpanzés dont nous avons besoin.»,
Voyage au bout de la nuit, 1932, Idem.
“Não se pode de forma alguma pensar um processo histórico de conhecimento em que o próprio sujeito (historiador) do conhecimento deixasse de debruçar-se sobre si mesmo”.
Razão Histórica de JÖRN RÜSEN
« Le Commerce est un monstre froid et le profit, sa raison d'être, nous dévoue à l'aliénation. Perdre sa vie à la gagner semble l'aliénation par excellence. Le profit retranché, le Commerce aboli, rien ne s'oppose à la félicité des peuples et tous les hommes pourront se donner la main, ils pourraient aussi bien former la chaîne entre les antipodes à s'enfiler les uns les autres, ce serait la communion des races et des classes, lesquelles n'auraient que leurs caleçons à perdre. Hélas ! le cœur est insondable, encore que le reste ait des limites. »
(CARACO, Albert, Abécédaire de Martin-Bâton, éd. L'Âge d'Homme)
1. Introdução
Se me explico, me implico:
Não posso a mim mesmo interpretar.
Mas quem seguir sempre seu próprio caminho
Minha imagem a uma luz mais clara também levará.
Nietzsche, Astúcia e Vingança, § 23 - Interpretação in: Gaia Ciência
Por causa dos intensos debates epistemológicos entre os historiadores, decidi fazer uma introdução metodológica, para situar algumas questões e assumir meu lugar como indivíduo e historiador permeado por uma formação, pelo meu tempo e por uma subjetividade.
O fazer historiográfico é hoje uma forma de conhecimento aberta. Grande parte, se não a maioria dos historiadores contemporâneos não procuram mais escamotear essa consciência desse lugar – de um sujeito histórico e subjetivo. Isso, fez com que o tempo e os objetos, em grande medida, não fossem mais encarados de forma a se encontrar uma relação de causa e efeito. As Histórias totalizadoras e gerais em grande medida foram abandonadas, em prol de abordagens mais sutis e variadas. Muitos historiadores estão mais conscientes que o fazer historiográfico está permeado por jogos e redes de poder. Os documentos históricos já não são mais questionados de forma positiva, mas de modo a encontrar justamente essas redes de campos de força em seu interior. O passado agora pode ser encarado, por meio dos vestígios e memórias com os quais o historiador trabalha - em suas formas mais polissêmicas e plurais. Atualmente a escolha do documento histórico expandiu-se para uma ampla gama de atividades humanas, ampliando-se as fronteiras e as possibilidades. Hoje não são somente a economia e a política inscritas nesta rede documental são objetos da reflexão historiográfica, mas também os documentos históricos de variadas naturezas: culturais, intelectuais, literárias, artísticas entre outras.
Talvez um dos objetivos do fazer histórico, não é mais como pensam ainda alguns revelar o passado exatamente como ele foi - por meio destes vestígios históricos ou revelar várias formas possíveis deste passado. Quem sabe pensar sobre o passado seja mais fazer refletir de forma crítica e consciente sobre os passados possíveis, as reconstruções possíveis, o tempo histórico e sobre os vestígios legados. Essa reflexão se dá admitindo-se as limitações, assim como as possibilidades da historiografia.
Desta forma, penso tanto melhor para a historiografia e para os historiadores que se aproximem de outras formas de conhecimento, em especial da filosofia, da semiologia, da antropologia, entre outras. Muitos historiadores já aceitam que há uma viva diferença entre as palavras e as coisas, entre as representações históricas e o mundo, assim como entre o passado vivo e o passado morto - com seus vestígios históricos e o discurso historiográfico. Igualmente o tempo da História não tem mais direção, começo nem fim; abandonaram-se as tentativas de se estabelecer causalidades gerais, ou tentativas positivistas – deterministas ou evolucionistas, assim como esquemas lineares, e cíclicos fechados. O discurso historiográfico ganhou assim em pluralidade e complexidade.
Outra função do fazer histórico, importantíssima, é certamente pensar sobre as concepções de Tempo, e sobre as idéias sobre este tempo, no momento em que já podemos admitir que as idéias são tão atuantes no mundo empírico como reveladoras deste. Portanto, é preciso que em história realize-se sempre uma revisão das formas positivistas, evolucionistas unidimensionais e dogmáticas com relação às formas de encarar e representar o tempo passado, assim como representar e construir o saber histórico. As idéias, e os diversos pensadores – do passado ou do presente - que pensaram o Tempo são fonte riquíssima para se alcançar tal crítica. Apresentando-os e refletindo sobre eles, podemos refletir sobre a forma como pensamos e realizamos o saber histórico. São tantos os pensadores que se debruçaram sobre a questão do tempo, e assim são tantas as formas de se refletir sobre o tempo histórico. Como disse um dia Foucault: “É preciso saber reconhecer os acontecimentos da História, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas [...] A História com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas síncopes, é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma.”
[1]Penso que os historiadores devem estar sempre abertos para a discussão; interpretação e exame crítico dos documentos assumem, em minha opinião, caráter essencial no fazer historiográfico. Na verdade, acredito que um texto, seja ele de natureza documental ou não – pode ter várias interpretações nenhuma certa ou errada, mas apenas miradas diversas, a partir de lugares diferentes. É assim também que talvez o autor de meu livro encare os documentos
[2] e assim encaro seu próprio texto: o mesmo texto, mas de maneira diversa.
Não se pode esquecer, que mesmo que nossas idéias pareçam claras e exatas, elas são sempre suposições – e que o “texto” possui sempre, em alguma medida autonomia - se esquecermos disto e tomá-los como verdades, perdemos a chance de que por meio da interpretação e reflexão – destes textos e símbolos, vislumbremos o que somos e como poderíamos conhecer do mundo. Temos que ter em vista que somente em diálogo com eles e sua época, conscientes de nossas próprias experiências, podemos tentar compreendê-los profundamente.
[3]2. Labirintos da História
Existe verdade histórica? O que são fatos históricos? Como o historiador deve tratar os documentos? Existem diferentes tipos de documentos? Qual a diferença de um documento dito literário e um documento não-ficcional. São questões pertinentes e muito complexas que devem dizer respeito a grande parte dos historiadores, e em alguma medida também os estudantes de História. O que realmente faz um historiador? - deve-se perguntar: o historiador recolhe vestígios do passado – os documentos – os seleciona, os analisa, e finalmente escreve uma narrativa que busca reconstituir ou pelo menos re-criar ou re-apresentar em alguma medida o passado
[4].
Claro que o historiador é portador de uma marca individual, expressão de seu tempo, cultura, comunidade lingüística, religião, país, posicionamento político entre muitos outros fatos
[5]. Portanto, sua escrita, sua análise e o selecionar serão influenciados por esta subjetividade única
[6]. Em quase nenhuma parte, pelo menos na academia continua-se a buscar a utópica “objetividade” da história positiva, que há muito parece ter caído em descrédito. Nem mesmo nas ciências naturais se assimila mais o conceito de “verdade científica”. Como dizia Croce, os conceitos científicos não são verdadeiros nem falsos, mas “construções arbitrárias” que permitem construir teorias e hipóteses sobre o mundo. Já a história, segundo ele aproxima-se muito da filosofia ao propor teorias e “vive de novo na imaginação os indivíduos e os acontecimentos”.
Os fatos não falam por si, como acreditam a maioria das pessoas não-historiadoras. Todas as fontes estão sujeitas à seleção
[7], interpretação e compreensão do historiador. A história, assim, não existe por si só, como a maioria dos não-historiadores acredita. Deve escrever a história, formulá-la de acordo com pressupostos teóricos
[8] adotados pelo Historiador
[9].
Hoje grande parte das escolas historiográficas reconhece que há uma diferença entre o acontecimento (ou fato), no seu ethos e integridade ontológica e aquilo que o conhecimento histórico é capaz de apreender. A história é aquilo que experimentamos o que vivenciamos, o ocorrido, o devir do mundo. O que o historiador faz (a História) pode ser visto como representação ou tentativa de re-apresentação desse devir. Há bastante tempo o historiador não é mais escravo dos documentos e nem da busca pela “verdade histórica”, como dizia Lucien Febvre
[10], a História é antes aquilo que compreende e faz compreender.
Tendo em vista estas breves colocações teóricas quero agora questionar o tratamento que devemos dar aos documentos – de acordo uma diferença essencial: eles tratam de fatos ficcionais ou ‘reais’? Por limitação de espaço e tempo, pretendo apenas pensar o tratamento que devemos dar aos documentos ditos de caráter fílmico. Sigo nessa breve reflexão sobre o filme “Na Natureza Selvagem” o caminho indicado por Hayden White em “Trópicos do Discurso”
[11] e “Meta-História”
[12]. Trata-se também de se fazer uma “história do tempo presente”, utilizando-se de uma hermenêutica capaz de dar sentido e narração às reflexões motivadas pelo filme. Em The Northanger Abbey
[13] (cap. XIV), romance de Jane Austen, a personagem Catherine Morland afirma escrevendo sobre a história: "Chego a estranhar, muitas vezes, que ela [a História] seja tão monótona, pois grande parte dela deve ser invenção". Penso, como White, que há uma clara diferença entre o discurso “ficcional” e o historiográfico. Mesmo que o historiador utilize, recursos ficcionais em sua narrativa, seu texto trata de objetos cuja existência pode ser observada, ou que aos menos se atribui uma existência real, mesmo que seja no campo do imaginário humano e do simbólico. Por isso, os dois discursos são essencialmente diferentes. O fazer historiográfico – e seu texto - não pode ser uma “invenção”, mas uma tentativa de “re-apresentação” do que julgamos “ter sido real” no passado. Isso não quer dizer que não possamos utilizar-nos de documentos cinematográficos, poéticos ou literários para escrever História.
Penso que por pretenderem comunicar algo, as obras cinematográficas têm compromisso com as sensibilidades de uma época, sua linguagem e temas devem ser compreendidos por seus interlocutores de época. Por isso, os documentos literários ou fílmicos são importantes indícios
[14] de sua época: pela linguagem que utilizam, pelos temas tratados, pelas formas narrativas, apresentação, pela caracterização, posturas e/ou atuação de personagens, cenários, filiações estéticas etc, captam de certa forma algo como o espírito do seu tempo (Zeitgeist) capaz de informar muito sobre uma determinada época
[15]. Como diz Jacques Le Goff
[16] sobre o documento poético, cujo comentário serve perfeitamente ao documento fílmico, este permite ao historiador encontrar uma chave para a alma do autor, sua experiência de vida
[17] e, assim, seu tempo. Como observa Sandra Jatahy Pesavento,
Neste cruzamento que se estabelece entre a História e a Literatura, o historiador se vale do texto literário não mais como uma ilustração do contexto em estudo, como um dado a mais para compor uma paisagem dada. O texto literário lhe vale como porta de entrada às sensibilidades de um outro tempo, justo como aquela fonte privilegiada que pode acessar elementos do passado que outros documentos não proporcionam.
[18]3. Reflexões sobre a Razão
Como já foi lembrado qualquer tipo de obra tem sempre compromisso com as sensibilidades de sua época, de seu tempo, sua linguagem e, temas são compreendidos por seus interlocutores de época de forma diferente daqueles da posteridade. Seus temas e seu vocabulário estão inscritos em um tempo, e um espaço determinado. Seu uso, porém, no futuro é de infinitas utilizações – e até abusos, mesmo a contragosto de seu realizador.
Assim considerando, hipoteticamente, que o artista, o filósofo, o historiador, o intelectual em geral, são portadores de um gênio-eu (mesmo que, como afirma Foucault cindido ou multifacetado), de sensibilidades especiais, e de uma individualidade historicamente determinada
[19], mas que dão valor e singularidade aos seus olhares. Eles podem perceber questões que passam despercebidas para seus contemporâneos – e assim, muitos deles, como Nietzsche, por exemplo, nascem já póstumos. Por exemplo, escritores como Albert Camus e Louis-Ferdinad Céline
[20], quiçá estivessem, em termos políticos, em campos opostos, captaram ambos em um “entre-tempo” singular de forma excêntrica e aguda sua época – tiveram a capacidade de ver além do que o rebanho e os jornais-rebanho viam. Por isso foram muitas vezes condenados.
Detectaram, a exemplo de Nietzsche, Adorno e Horkeheimer, como a ciência e a técnica tornar-se-ia um mito, ou mistificação para a sociedade moderna. Marcuse iria mais longe ainda em seu Homem Unidimencional
[21] afirmando que a re-produtividade técnica seria a Arte da destruição, e uma forma de esmagar as potencialidades e singularidades do ser humano. Em seu Eros e a Civilização
[22], ao contrário de Freud em seu Mal Estar na Civilização
[23] – que indicava como a sublimação do Eros é o elemento necessário para o estabelecimento da civilização – Marcuse
[24] acusa este mesmo Eros de ser a força potencial necessária à civilização, e conseguintemente responsável pela limitação das potencialidades humanas. Desejo tornar-se-ia então, contraditoriamente, fonte de destruição e civilização. Sobre isso, indica Nietzsche magistralmente como a moral do fraco, a moral burguesa, tornou-se uma necessidade para a civilização:
O homem, o animal mais corajoso e mais habituado ao sofrimento, não nega em si o sofrer em si, ele o deseja, procura-o até, sob a condição de que lhe seja mostrado um sentido, um para quê no sofrimento. A falta de sentido do sofrer, não o sofrer era a maldição que até então se estendia sobre a humanidade – e o ideal ascético lhe ofereceu sentido! Foi até agora o único sentido; qualquer sentido é melhor nenhum... – o homem estava salvo, ele possuía um sentido, a partir de então não ser mais uma folha ao vento... ele agora podia querer algo – não importando no momento para que direção, com que fim, com que meio ele queria: a vontade mesma estava salva. Não se pode absolutamente esconder o que realmente expressa todo esse querer que o ideal acético recebeu sua orientação: esse ódio ao que é humano, mais ainda ao que é animal, mais ainda ao que é matéria, esse horror aos sentidos, à razão mesma, o medo da felicidade e da beleza, o anseio de afastar-se do que seja aparência, mudança, morte, devir, desejo, anseio - tudo isso significa, ousamos compreendê-lo, uma vontade de nada, uma aversão à vida, uma revolta contra os fundamentos pressupostos da vida, mas é e continua sendo uma vontade!... E, para repetir em conclusão o afirmei no início: o homem preferira ainda nada, a não querer ...
[25]Podem-se fazer várias interpretações do trecho citado. Uma delas, é que o ideal ascético, e de sofrimento é necessário à psicologia do burguês ou ainda, para entrar na terminologia dos franckfurtianos, necessário ao sistema capitalista burguês.
Entretanto, Nietzsche pensa que a arte é um das expressões humanas que nos possibilita dar uma explicação, mesmo que parcial, à condição humana, e permitir ao ser humano dar algum mínimo de razão ao absurdo e terror da experiência humana
[26]. Nietzsche
[27] martelou filosoficamente de forma incrível conceitos “pré-aceitos” como moral, utilidade, cristianismo, indivíduo etc, ajudando a completar, talvez o desencantamento do mundo
[28]. Quando isso diz respeito ao esclarecimento isso é evidente, em particular, na sessão IV de Crepúsculo dos Ídolos - como o “mundo verdadeiro” se tornou finalmente Fábula (ver História de um erro), além de seu texto “Os Melhoradores da Humanidade”
[29]. Na verdade não se pode acusar Nietzsche de irracionalista, o que ele quer chamar a atenção é que a razão ao sobrepujar todas as outras tendências humanas torna-se mito e desrazão. Ele não é, como muitos o acusaram um apologeta da paixão, sua crítica à moral, necessária ao status quo, é uma crítica a um tipo de moral, em especial a judaico-cristã.
Ele, em sua crítica devastadora ao conceito de moral e de ciência identificou bem como a ciência, e a razão tornaram-se, eu arrisco hibridamente, com a modernidade, uma mitologia. Seus escritos “iluminaram” Adorno e Horkeheimer a pensarem a cultura e seu tempo. Porém, estes autores não podiam abandonar conceitos, pré-supostos tacitamente aceitos para ler Nietzsche: é por isso que vemos em seus escritos adjetivos e conceitos que lhes pareciam inevitáveis: “burguês”, “dialética”, “progresso”, “ideologia” etc. Sua perspectiva, seu lugar social e temporal obrigava-os a isso. Parece-me, que estes autores, mesmo com sua aguda e fina crítica à razão, por sua história e origem ao buscarem uma emancipação humana, acabam por recair no que a maioria dos socialistas fez e ainda o faz; a desesperada busca pela redenção e pelo paraíso perdido, intimamente ligada a cosmogonia judaico-cristã. A história apontaria assim para um fim, de forma escatológica, o fim das classes, ou o fim dos tempos, onde todos os homens serão julgados. Para os melhoradores de homens desse tipo Nietzsche diria: “niilistas”.
Cito:
“Assim ele [Nietzsche] enxergava no esclarecimento tanto um movimento universal do espírito soberano, do qual se sentia o realizador último, quanto a potência hostil à vida, “Nihilista.”. E, seus seguidos pré-fascistas
[30], porém, apenas o segundo aspecto se conservou e se perverteu em ideologia. Esta ideologia torna-se a cega exaltação da vida cega, à qual se entrega a mesma prática pela qual tudo o que é vivo é oprimido. Isto está claramente expresso na posição dos intelectuais fascistas em fase de Homero.”
[31]Este trecho, entretanto, parece-me uma interpretação do pensamento de Nietzsche, que se encontra deslocado de seu contexto, de seu tempo, e convertido a fórceps em uma espécie de dialética. Mas Nietzsche foi capaz de perceber que o “real” pode tornar-se ficção. As instituições modernas se dissolvem em novos mitos, não aquele do Entzauberung de Weber, mas novos mitos, aqueles hoje apontados por filósofos como Alan Badiou e Giorgio Agamben. Os mitos da hiper-modernidade são aqueles atacados por Nietzsche – e também por Adorno e Horkheimer, a democracia, o utilitarismo, o estado de direito, o direito internacional, a fluidez do capital. A liberdade humana realiza-se apenas como capital útil e quantificável. Novos mitos são levantados – o fluxo dos capitais, a falsa liberdade de ir e vir. Não obstante um certo desencantamento das coisas e do mundo e a morte de Deus no mundo ocidental – na periferia e no mundo ocidentalizado (ex: Brasil) enrijem-se novos fundamentalismos. O mundo islâmico é sacudido por uma mitologização híbrida que mescla técnica de guerra, exceção, e uma mistura de política e religião. Percebe-se assim que de alguma maneira mais sinistra e perversa o desencantamento é apenas parcial no mundo periférico, o mito absorveu de maneira esquizofrênica o mito da razão instrumental, o utilitarismo selvagem, mas não abandonou velhos postulados morais religiosos. O Homem em si torna-se, no centro e na periferia do mundo, obsoleto e o estado de exceção toma aos poucos o sistema internacional e o Direito Internacional – tornando-se regra ficcionalmente aceitos.
Agora, que os escritos de intelectuais sejam interpretados não há nenhuma novidade nisso; são vários os exemplos na história, Marx e Nietzsche são apenas dois deles. Por vezes, são seus próprios pares os interpretadores, por vezes integrantes de campos de força opostos
[32]. É interessante observar a divisão que faz Hermínio Martins, em “Hegel, Texas e outros Ensaios de Teoria Social”
[33], quanto à perspectiva dos intelectuais perante a técnica: Fáusticos e Prometéicos. Não é necessário explicar que os prometéicos seriam aqueles que viam necessariamente na técnica a fonte de uma libertação humana, já os fáusticos seriam aqueles que considerariam a tecnologia totalmente desprovida de fins bons ou maus. No final deste ensaio o autor lembra-se da Dialética do Iluminismo como que uma mistura das duas vertentes, já que seus autores vislumbraram a capacidade destruidora da razão e da técnica, sem no entanto abandonar o postulado de progresso evolucionista próprio do iluminismo, e do qual, ao meu ver, o marxismo nunca pode se livrar.
Nietsche faz do equilíbrio entre Apolo e Dionísio. Para ele, justamente um dos problemas da razão moderna era sua concepção e fundamentos exclusivamente apolíneos. Por outro lado, o que me parece importante é que Adorno e Horkeimer parecem ter resgatado de Nietzsche sua crítica a razão instrumental e a ciência como nova religião ou ídolo.
A crítica dos Autores da “Dialética do Esclarecimento” parece em alguns momentos anular, ou ignorar, o potencial emancipador contido na filosofia de Nietzsche: eles reconhecem seu lado crítico, mas ignoram, seu lado legislador (criador). Aquela parte de sua filosofia que pode libertar o homem da moral de escravo, da hipocrisia cristã e que faz aceitar o amor fati: "Não querer nada de diferente do que é, nem no futuro, nem no passado, nem por toda a eternidade. Não só suportar o que é necessário, mas amá-lo". ... "Quero cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: - assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas.” (GM). Isso faz com que o homem torne-se forte, no sentido não reativo, e possibilitaria até uma reconciliação com o mundo real, e dar valor e capacidade ao homem de viver a vida, como me parece ser o caso do rapaz do filme em questão. Parece-me que o personagem ou no limite a pessoa real que baseou o filme tinha um enorme: "Amor fati": seja este, doravante, o meu amor" Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que minha única negação seja ‘desviar o olhar’! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia apenas alguém que diz sim."
[34]Por que Nietzsche não nega a inexorável luta da existência, e pensa que ao não se negar a existência da luta e a apontar a moral dos escravos
[35], liberta.
[36] Assim a resistência humana à irracionalidade da razão instrumental é o núcleo da verdadeira individualidade
[37].
Toda essa digressão sobre a razão pode parecer um pouco deslocada do nosso objetivo imediato que seria analisar o filme, Into The Wild, no entanto, me parece que é importante pensá-lo como pretexto para discutir dois de seus temas: a razão e o mito do progresso (no sentido iluminista). Penso, que o progresso, enquanto valor final, destituído de reflexão é um forte processo quando em ação de destruição e desumanização. Por isso, é importante fazer uma contundente crítica ao conceito de progresso, enquanto valor e meta social ou individual.
É importante lembrar que não somente Nietzsche e a Escola Crítica Alemã perceberam de forma crítica as potencialidades do progresso. Destaca-se, pela precocidade de sua sensibilidade Tocqueville, que apesar do elogio otimista que faz a democracia – percebia o perigo que o controle das maiorias poderia representar para as minorias. Além dele temos ainda Weber, Schopenhauer e Buckehardt, ainda no século XIX. Já no século XX, pensadores como Walter Benjamin, Ortega y Gasset, e mesmo Hannah Arendt, pensaram e escreveram sobre as potencialidades destrutivas da técnica e da ciência.
[38]4. Into The Wild
« Nous avons pris un mauvais tournant monstrueux avec la culture symbolique et la division du travail ; nous avons quitté un lieu d'enchantement, de compréhension et de totalité pour atteindre l'absence que nous trouvons aujourd'hui au cœur de la doctrine du progrès. Vide, et de plus en plus vide, la logique de la domestication, avec ses exigences de totale domination, nous montre aujourd'hui la ruine d'une civilisation qui ruine le reste... », John Zerzan.
É nesta perspectiva crítica com relação à razão instrumental, e com uma tomada de posição crítica com relação à ciência e a técnica como fim-em-si, é que pretendo ler e interpretar o filme “Na Natureza Selvagem” , pois que a história deste filme parece-me fruto das contradições entre sociedade e indivíduo, daquele tipo especial de homem herói de que falava Horkeheimer em Eclipse da Razão
[39], mas também talvez do tipo que possui intensamente a perspectiva do amor fati niezscheano.
Pretendo em meus comentários utilizar-me do filme, para identificar as leituras hipoteticamente feitas por Christopher McCandless – personagem real cuja história real baseou um livro reportagem e posteriormente o filme em questão.. No filme o realizador americano Sean Penn trata do “rastilho” da contracultura norte-americana para contar a história real de um jovem da classe média alta que abandona a família para viajar pelos Estados Unidos e entrar e
[40]m contato com a natureza, e mostrar aspectos da contracultura dos anos 60 e 70, presentes ainda nos anos 90
[41].
A história real aconteceu em1992,quando o recém-formado Christopher McCandless deixou o comodidade familiar para “ir ao encontro à natureza”. As principais referências literárias de Chris eram, segundo o filme, Henry Davi Thoreau (Desobediência Civil e Walden), Leon Tolstoi, Lord Byron
[42] e Jack London
[43]. O primeiro autor citado é fundamental na sua trajetória biográfica representada no filme.,Todos estes autores representam aparentemente uma ruptura de identidade (ou a busca por) e um desejo de liberdade e de infinito, levando o personagem a tentar escapar dos controles sociais e regatar seu espírito subjetivo
[44]. Como diz Simmel, o conflito entre indivíduo e sociedade prossegue no próprio indivíduo como luta entre as partes de sua essência. A sociedade, muitas vezes, impõe o nivelamento de seus membros, tornando muito difícil o realce das qualidades individuais.
[45]Para nosso personagem (vou considerá-lo um personagem ou uma representação do homem que já foi real), aparentemente era preciso amar a vida mais que o sentido da vida, e ter direito a um vir-à-ser eterno. Tudo aquilo que é comumente aceito, os consensos, as práticas estabelecidas, os hábitos, as tradições são, para o personagem, fatores que tornam o ser humano mais pobre, menos inteligente, mais indolente e apático. Assim, o questionamento, a dúvida, o ceticismo, a sublevação, e a revolta, mas sobretudo o nomadismo é a forma que encontra para se individualizar. Ele assume a responsabilidade de um pensamento transformador e insubmisso e perigoso para o poder estabelecido.
[46] Sua atitude, certamente, individualista, tem certamente conseqüências graves, mas que aparenetemente, pelo menos no filme são assumidas de forma a determinar seu destino e sua vida.
Talvez ele tenha sido influenciado por pensadores do passado, como os citados,entretanto, me pergunto se o ocorrido com este “sujeito”
[47] não seria uma nova forma de resistência em um novo contexto histórico – não mais aquele do século XX, mas o do século XXI. Pergunto-me por que a maior parte da crítica brasileira cinematográfica tratou o objeto do filme como uma questão passadista e não relevante para a contemporaneidade. No entanto, penso que o filme traz questões atuais, e que colocam em cheque valores considerados fundamentais para as sociedades capitalistas.
Sua viagem torna-se uma ruptura com sua identidade dada, e é por isso que ele muda de nome, e rompe com um passado que deseja esquecer. Isso é interessante, se pensarmos que Paul Ricoeur afirma que o nome próprio é uma forma de singularizar o indivíduo e apenas ele com exceção de todos os outros, e que o sujeito designa-se no momento de socialização.
[48] Ele muda seu nome para Alexander Supertramp (tramp significa vagabundo em inglês), e rompe definitivamente com todo seu circulo social abastado. É interessante pensar que não obstante sua vontade em romper socialmente com a vida de cidadão (destrói seus documentos, cartões de crédito e dinheiro). Sua promessa não supunha a presença dos outros, mas como diz Norbert Elias, o nome da pessoa significa que sua existência como ser individual é indissociável de sua existência como ser social.
[49] Por isso, logo ele percebe em sua viagem “sem destino” que faz parte de um grupo humano, aquele dos “glober-trotters”, ou ainda dos que conscientemente se colocaram à margem da sociedade norte-americana. Podemos ainda observar, que mesmo as pessoas que assim procedem, em qualquer sociedade, ainda acabam, mesmo que marginalmente, fazendo parte do sistema econômico e social que os engloba.
[50]Na verdade, penso que sua atitude é motivada por uma crise de identidade, que se inicia, no filme, quando descobre a existência da outra família de seu pai, e a farsa que era o casamento de seus pais. Para o personagem, isso é apresentado como um sentimento de ser “bastardo” e de “não pertencer” verdadeiramente ao seu grupo social. É por isso que pretende, por meio de experiências, alterar sua capacidade de memória e formar uma nova identidade e um novo passado. Sua busca o faz perambular pelos Estados Unidos, de cidade em cidade, de Estado em Estado, o que lhe permite desvendar espaços urbanos e rurais e conhecer pessoas das mais diversas tendências e visões de vida. E, uma vez superada cada etapa dessa viagem, a busca por um refugio na vastidão gelada do Alaska, ainda selvagem, representa talvez um “refugio” para refletir sua identidade.. Aqui me parece que sua motivação não é irracional, mas justamente uma tentativa desesperada de resistir aos “mecanismos disciplinadores”
[51]: a saber: Universidade, carreira, família etc. Isso fica bastante evidente, quando, no filme ele se vê em um rapaz de terno e gravata. Na verdade, o que ele busca não é a liberdade, mas apenas resistir a normatização.
Ele também pretende escapar da centralidade do econômico na vida. É por isso que no começo do filme ele queima em um ritual simbólico todos os seus dólares. É aí que, ele parece não esquecer as palavras de Tolstoi que afirmava que “Não alcançamos a liberdade buscando a liberdade, mas sim a verdade. A liberdade não é um fim, mas uma conseqüência.”Assim como parece não esquecer as palavras de Lord Byron: "Ainda que tivesse que ficar só, não trocaria a minha liberdade de pensar por um trono." Parece-me que o personagem escolhe de maneira radical uma forma de “Ética da Convicção”
[52]. Penso mesmo que a biografia deste poeta (Byron) lhe é particularmente influenciadora, assim como aquela de Thoureau. Ele parece, entretanto, mais um anarquista e não um seguidor do autor da Desobediência Civil (que não era anarquista – mas reivindicava um justo governo como está expresso na Constituição Norte-Americana)
[53]. A resistência do personagem do filme é tão radical e individualista que sua busca por um sentido “vitalista” para a existência têm um trágico desfecho. Seu individualismo em certo sentido torna-se um dogma. E isso parece confirmar as palavras de Horkheimer, que quanto mais individualista uma sociedade é, menos indivíduos ela têm, pois que me questiono o quão indivíduo e livre era o personagem do filme..
Entretanto, talvez a situação colocada pelo filme é mais como aquela afirmada por Canetti, “Plus on lutte « pour sa propre survie.”, plus il devient évident qu’on lutte contre les autres qui vous gênent de tous les côtés.
[54] Penso que é também este tipo de relação e sentimento aqui em questão
[55].
Sua revolta é individual e sua tentativa de retorno à natureza que certamenteé profundamente romântica talvez não tenha o caráter libertador que aparentemente possa parecer ter.. Ele não escapa ao, ao estigma do herói individualista
[56], e por isso, encerra sua revolta numa tragédia de um homem só, que, afinal, acaba em si próprio.
Entretanto, penso que talvez eu seria a-histórico se pensasse que suas motivações foram unicamente influenciadoras em sua “quebra” com seu mundo e sua busca por aventura. É quase certo que sim, entretanto, vivemos em uma nova configuração política e sistêmica – em que talvez os poderes não se constituem mais como há 40 anos. É bastante sintomático, que o mundo está passando por uma terceira revolução tecnológica e isso traz conseqüências para a identidade do indivíduo. Se já no tempo de Simmel, era possível identificar uma desagregação nas “comunidades” nas grandes cidades, e se no tempo de Horkeheimer e Adorno também era possível identificar uma desagregação dos indivíduos e suas identidades, agora segundo vários sociólogos ou cientistas políticos (Baumman, Antonio Negri, Michael Hardt, Michel Mafesoli entre outros)
[57] as identidades estão frouxas, ou tornaram-se atualmente plásticas e esquizóides. Agora, ao contrário de anos atrás, quando o indivíduo se constitui não há mais uma identidade dada, é preciso fabricar uma – e isso, certamente, não é um processo simples. Podemos usar as referências de 40 anos atrás para pensar o processo contemporâneo que atravessa o mundo moderno? Quais as conseqüências desse processo, estudado por tantos autores contemporâneos na vida dos indivíduos? É claro que a teoria destes clássicos nos ajuda, como ajuda aos teóricos do tempo presente, entretanto, elas não contêm a observação empírica do hoje.
Como então pensar seu ato isolado romântico e heróico? Como entendê-lo? Como desconsiderar, por exemplo, a questão ecológica, as transformações sócioeconomicas pelas quais o mundo vem passando, a dissolução ou transformação dos modelos de sociedades humanas e de identidades, presentes na reflexão individual. De alguma forma, este filme fala do que somos hoje e do que nos tornamos, e da vontade ou (im?)possibilidade de resistir aos mecanismos disciplinadores. Talvez se trate de uma questão de fundo existencial, do indivíduo que, sujeitado por uma gama de feixes de força e poder, pergunta-se: “O que eu sou?”, “O que eu quero?”
Talvez, Georg Simmel possa iluminar-nos neste mistério:
La dernière raison des contradictions internes de cette configuration peut être formulée ainsi: entre l’individu, avec ses situations et ses besoin d’un côté, et toutes les entité supra- ou infra-individuelle et les dispositions intérieures ou extérieures que la structure collective apporte avec elle d’un autre côté, il n’y a pas de relation constante, fondée sur un principe, mais une relation variable et aléatoire. (…) Ce caractère aléatoire n’est pas un hasard, si l’on peut dire, mais l’expression logique de l’incommensurabilité entre ces situations spécifiquement individuelles dont il est question ici, avec tout ce qu’elles exigent, et les institutions et atmosphères qui régissent ou qui servent la vie commune et côte à côte du grand nombre.
[58]La faculté de l’homme de se diviser lui-même en parties et de ressentir une quelconque partie de lui-même comme constituant son véritable Moi, qui entre en conflit avec d’autres parties et lutte pour la détermination de son activité – cette faculté met fréquemment l’homme, pour autant qu’il a conscience d’être un être social, dans une relation d’opposition aux impulsions et intérêts de son Moi qui restent extérieures à son caractère social: le conflit entre la société et l’individu comme un combat entre les parties de son être.
[59]Entretanto, como Simmel, creio que uma realidade histórica é como uma multiplicidade de ações dos indivíduos, e que não se pode percebê-la muito bem
[60]. Enganei-me até agora quando pretendi encontrar razões para o “comportamento” do personagem real ou ficcional. Trata-se, na verdade, de debruçar-me sobre a obra fílmica e sobre o que ela diz sobre seu tempo, ou seja, não o tempo em que os “fatos” retratados pelo filme se passaram, mas sobre nosso próprio tempo, o tempo em que o filme foi feito. Trata-se talvez de se fazer uma História do Tempo Presente, por meio de um documento cinematográfico.
A esse respeito, são profundamente elucidativas as palavras de Coetzee, pois elas foram escritas com um olhar para nosso tempo, mas que são, claro, apenas um ponto de vista
[61]:
Nascemos sujeitos
[62]. Desde o momento de nosso nascimento somos sujeitos. Uma marca dessa sujeição é a certidão de nascimento. O Estado aperfeiçoado detém e mantém o monopólio de certificar o nascimento. Ou você recebe (e leva consigo) uma certidão do Estado, adquirindo assim uma identidade que no curso da vida permite que o Estado o identifique e localize (vá em seu encalço), ou você segue em frente sem uma identidade e se condena a viver fora do Estado como um animal (animais não têm documentos de identificação).
[63]O problema em analisar este filme é que justamente por ser baseado em fatos reais, e na vida de um homem real, torna-se uma tarefa quase mística tentar entender as razões que o fez abandonar a cidade: quem sabe ecos da fuga mundi medieval, tradição começada por Santo Antonio do Egito, e continuada por várias ordens monásticas – e que talvez tenha ecoado em críticos da vida na cidade como Thoreau, Nietzsche
[64], Emerson
[65] ou Dostoiévski
[66]. Ao meu ver, entretanto, é quase certo que idéias gerais, dispersas e difundidas, literatura e poesias teriam influência determinante em seu comportamento – mas esse não é meu problema. Também poderia dizer que encontramos nestes autores como no personagem do filme ecos de estoicismo. Entretanto, tais apostas seriam apenas conjecturas, pois eu nunca saberei o que se passava na cabeça de um indivíduo que nem mesmo está agora vivo (não posso entrevistá-lo, nem ao menos tenho acesso a documentos e vestígios de sua vida). Contudo, penso que estou enfrentando um falso dilema, pois que não estou refletindo entre a distância existente entre a representação (filme) e os acontecimentos em si – do hoje, penso que me deixei levar por uma vontade de verdade, do tipo que Nietzsche já falava:
O que é pois a verdade? Um exercício móvel de metáforas, mitomanias, numa palavra, uma soma de relações humanas que foram realçadas poética e retoricamente, transpostas e adornadas, e que, após uma longa utilização, parecem a um povo consolidadas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões das quais se esqueceu que elas assim são.
[67]Penso, que na verdade a problemática do filme, a questão principal seja, aquilo que nas palavras de Marcuse se expressou nos seguintes termos:
A proposição de Sigmund Freud, segundo a qual a civilização se baseia na permanente sublimação dos instintos humanos, foi aceita como axiomática. A sua interrogação, sobre se os benefícios da cultura teriam compensado o sofrimento assim infligido aos indivíduos não foram levadas muito a sério – ainda menos quando o próprio Freud considerou o processo inevitável e irreversível. A livre gratificação das necessidades instintivas do homem é incompatível com a sociedade civilizada: renúncia e dilação na satisfação constituem pré-requisitos para a civilização. Disse Freud: ‘A felicidade não é um valor cultural.’ A felicidade deve estar subordinada à disciplina da reprodução monogâmica, ao sistema estabelecido de lei e ordem. O sacrifício metódico da libido, a sua sujeição rigidamente imposta às atividades e expressões socialmente úteis, é cultura.
[68]Assim infiro que talvez o problema colocado seja muito mais de ordem teórica ou filosófica do que de ordem psicológica. O livro Dialética do Esclarecimento
[69], toca muito profundamente no problema principal colocado pelo filme, e que depois seriam desenvolvidos posteriormente tanto por Adorno quanto por Horkeheimer. A questão a que me refiro foi muito bem condensada por Jeanne Marie Gagnebin nos seguintes termos, quando comenta os episódios das sereias e do ciclope descritos na Dialética:
Na interpretação desses dois episódios da odisséia, Adorno e Horkheimer insistem, portanto, enfaticamente no preço que o sujeito racional deve pagar para se constituir, na sua autonomia, e poder se manter vivo. Esse preço é alto: não é nada menos que a própria plasticidade da vida, seu lado lúdico, seu lado de êxtase e de gozo
[70] ;a vida se auto-conserva renunciando à sua vivacidade mais viva e mais preciosa – daí a infinita tristeza do burguês adulto bem sucedido.
[71]Trata-se pois de um problema filosófico e sociológico, aquele que pergunta que parece ser o grande drama da modernidade: por que para sobrevivermos é preciso renunciar ao gozo da vida e ao êxtase? Por que deve-se sacrificar o “princípio do prazer” em nome do “princípio da realidade”? Esse questionamento foi expresso por Marcuse como: “Le confort, l'efficacité, la raison, le manque de liberté dans un cadre démocratique, voilà ce qui caractérise la civilisation industrielle avancée et témoigne pour le progrès technique.”
[72] Esse questionamento radical, que a escola crítica fez, (e continua a fazer talvez) e que pessoas como Simmel e Hannah Arendt também o fizeram: o fato de trabalharmos não faz da humanidade mais “humana”, mas mais inumana. Simmel o questionou esta questão em seu artigo “A Tragédia da Cultura”, nos termos em que cabe muito bem para a qustão indicada pelo filme: “Dans ce cas , l´être humain a, il est vrai, cultive certaines spécialités, mais il n ´est pas cultive; il ne le sera si les contenus provenant du supra-individuel sempblent ne venir développer dans l´âme, elle em tant que as pulsion la plus profonde, em tant que préfiguration intime de son accomplissement personel.”
[73]A visão dos integrantes da escola crítica é tão aguda, e forte que marca-se pela desesperança – características talvez de seu tempo e de suas experiências. Seria muito mais justificável pensar esta questão colocada em nosso tempo, pois ela é cada vez mais premente. Por isso, talvez seja oportuno trazer a contribuição de Axel Honneth:
“Les individus ne se constituent en personnes que lorsqu’ils apprennent à s’envisager eux mêmes, à partir du point de vue d’un ‘autrui’ approbateur ou encourageant, comme des êtres dotés de qualités et de capacités positives. L’étendue de telles qualités, et donc le degré de cette relation positive à soi-même, s’accroît avec chaque nouvelle forme de reconnaissance que l’individu peut s’appliquer à lui-même en tant que sujet.”
[74]Todavia, apesar desta contribuição ser um tanto mais fina e positiva
[75], em minha opinião ainda não responde ao problema colocado acima, além dos problemas colocados por uma nova configuração do mundo
[76]. Não me convenço que as condições sociais e políticas atuais permitam o livre desenvolvimento das individualidades e suas potencialidades configuradas sob a forma estatal ou coletiva. A meu ver, essa possibilidade somente poderia ser vislumbrada, paradoxalmente, em movimentos individuais subjetivados ou em movimentos horizontais da multidão
[77]. Como diz Hayden White "O historiador não ajuda ninguém construindo uma refinada continuidade entre o mundo presente e o que procedeu. Ao contrário, necessitamos de uma história que nos eduque a enfrentar descontinuidades mais do que antes; pois a descontinuidade, o dilaceramento e o caos são o nosso dote."
[78] Nosso tempo, é interessantemente marcado pela orfandade em utopias e por dilaceramentos, se por um lado isso constitui um desequilíbrio para o indivíduo e para a sociedade, de outro representa uma oportunidade que cada um redescubra os caminhos para viver e dar razão à liberdade. Nesse sentido, o “niilismo” da época atual pode ser considerado não um risco, mas uma oportunidade de reflexão e superação. Como afirmou Simmel, o “eu” que existe em cada um é um devir, não algo cristalizado, e em nosso tempo onde as instituições muitas vezes estão frouxas, se o risco de atomização e desagregação existe, também há uma potencialidade de libertação nesse afrouxamento. O problema é tão profundo e complexo que arrasta-se desde Marx, o nos tempos atuais em que o trabalho torna-se cada vez mais imaterial, torna-se ainda mais complicado pretender encontrar qualquer solução.
Essa contradição
[79] indicada por Marx como pelos vários integrantes da Escola Crítica constitui um paradoxo opressor para o indivíduo, como se libertar do trabalho sem morrer de fome? Talvez invertendo-se a questão mas também pode ser fonte de poder, já que o “capital” precisa necessariamente dos indivíduos para a realização do trabalho. Se, por algum motivo grande número de indivíduos trabalhadores, que antes estavam dispostos a abrir mão do gozo e da vivacidade, para direcionar suas energias psíquicas ao trabalho, cruzar os braços – haverá certamente um colapso no sistema. O problema, no entanto, é que na cultura moderna (ou pós-moderna) o espírito objetivo tende a esmagar o espírito subjetivo (Simmel) e sem este, me parece, que qualquer tipo de reflexão sobre o que fazer e o que (mais importante) não-fazer fica muito prejudicado. Contudo, a atitude aparentemente passiva de grande parte de setores sociais e a re-configuração de tribos urbanas, pode constituir muitas vezes uma forma negativa de resistência.
[80] O ato negativo de dizer não se torna um modo de insubmissão
[81].
Em seu artigo “O niilismo extático como instrumento da Grande Política”
[82], Yannis Constantinedès afirma que para curar o niilismo deve-se empregar um niilismo “conseqüente em ação”, extático, para se evitar o desespero da falta de rumos, utopias ou da crise de identidades. Ele escreve: “Para libertar enfim a ação e o horizonte humanos, até então prisioneiros do “refúgio” da moral, faz-se necessário não apenas rejeitar toda expectativa, mas também superar todo desespero, estar pronto para viver nos confins da incerteza radical, sem sofrer com o absurdo da existência e sem esperança de redenção. (...) A grande política possui um conteúdo definitivamente positivo: reencantar o mundo “ensombrecido” pelo ideal moral e devolver à vida, abatida e rasa após a morte de Deus, toda sua substância, a esquecida profundidade da imanência, da sombra dionisíaca.”
[83] Trata-se da proposta nietzscheana de usar o próprio niilismo radicalizado contra a crise da civilização moderna, trata-se de um remédio que não serve ao rebanho democrático, mas somente à “indivíduos sintéticos
[84] e soberanos”.
[85] Trata-se mais daquela proposta de L. Durant, destacada por P. Ricoeur
[86]: um indivíduo que é um universal da cultura e ser independente e autônomo não social ao mesmo tempo. Como nos lembrou Norbert Elias
[87], a solidão, a dificuldade de se estabelecer laços genuínos com outras pessoas é uma das características marcantes da “personalidade moderna”, entretanto se encaramos o indivíduo da forma proposta por Constantinedès, isto não é um aspecto negativo, mas talvez a possibilidade de uma superação e revolução individualizada. Uma proposta semelhante nos dá o professor Carlos A. R. de Moura:
Superar o niilismo não será de forma alguma reeditar um novo platonismo, voltar a vestir a velha casaca de professor da meta da existência e de redescobrir outro sentido para a vida. A superação do niilismo será um assunto interior ao próprio niilismo. O que se trata de fazer é pôr fim à associação entre o vir-a-ser e o sofrimento, aquilo mesmo que levava à condenação do mundo dava origem ao cristianismo, à moral e à filosofia. Era isso que facultava a culpabilização, o ressentimento e a vontade de vingança. (...) Esta nova perspectiva em que termina toda e qualquer distância entre ser e vir-a-ser, agora deliberadamente despojado de todo qualquer finalismo. (...) O niilista consumado não perguntará mas “para quê?” – precisamente a tópica que uma vez formulada, nos reinscrevia na órbita da tradição, da decadência, da fraqueza. (...) Se cada momento do vir-a-ser está justificado, visto que ali não se explica nenhuma meta, então todos os momentos do vir-a-ser têm igual valor, e a soma de seu valor permanece sempre igual.
[88]Isso significa de certo sentido dar um radical valor aos momentos da vida e talvez a recusa dos indivíduos em abrir mão do gozo e do êxtase em nome do trabalho, da produção, sobrevivência ou qualquer outro tipo de ação utilitarista. Talvez aí o problema esteja colocado nos termos que La Boètie, o havia feito em 1549. O texto
[89] de La Boétie colocava em questão a legitimidade de toda ‘autoridade’, e em certo sentido ao questionar a submissão à autoridade – seja príncipe ou autoridade eclesiástica (e as razões da submissão voluntária dos homens), acaba assumindo um caráter precursor «anarquista» avant-la-lettre. Ele debruçou-se sobre a relação dominação – servidão, pensando a liberdade como conceito fundamental. Discute-se neste texto, de forma marcante, a razão da submissão
[90] .Sem, no entanto nos oferecer uma resposta satisfatória ou conclusiva
[91]. Para La Boétie o homem é ‘naturalmente’ livre, e por isso a amizade e a sociedade entre os homens deveriam bastar, porém o que se vê, segundo seu ponto de vista, é o estabelecimento da dominação. Para entender a submissão ele supõe que a primeira natureza humana, a da liberdade, foi substituída por uma segunda natureza – que se deixa seduzir por princípios exteriores à liberdade de todos os homens, princípios do Poder, ou do Príncipe ou do Tirano. É, para ele, então o povo que cede sua liberdade, e não o tirano que a arranca do povo. Na verdade a conclusão mais interessante de La Boétie é que a servidão do homem não existe desde sempre e é na verdade uma construção histórica. O Discurso é, portanto, uma crítica radical ao fundamento do Estado absolutista que começa a tomar forma em sua época (1549) por meio de uma forma plena de dominação política. A solução ao problema da servidão e da dominação talvez para o autor pela uma forma de «resistência passiva»
[92] às formas de poder. Por isso sua contribuição tem muito valor em nossos dias. O poder, aqui, em nosso caso e em nosso tempo pode ser entendido em sentido largo, não somente o poder estatal, mas o poder micromolecular descrito por Foucault e desenvolvido por Antonio Negri em seus Livros Império e Multidão
[93]. Trata-se de uma rebelião contra o fetichismo e a reificação, e uma proposta política por um “retorno do reprimido”.
Agora como entender como a maioria dos homens aceita abrir mão do princípio do prazer sublimando-o em nome da sobrevivência no trabalho? Poucos autores
[94] puderam nos dar uma explicação para o assunto, e muito menos uma solução para tal problema, que já se colocava desde os primórdios da revolução industrial. Parece-me que muitas vezes os movimentos socialistas com seu culto ao trabalho criaram somente uma forma laica da ética protestante capitalista, já apontada por Max Weber. Podemos lembrar-nos de um comentário feito por um leitor de Thoreau sobre o que hoje podemos chamar de reificação e fetichismo do trabalho:
“Uma Vida que não consiste em nada além de comer, beber e trabalhar não é uma vida humana – é a vida de um animal irracional. Essa vida não vale a pena ser vivida. Se é (sic) para perdermos todos os nosso dias e noites em uma espécie de servidão penal, continuamente labutando e sofrendo para viver, é melhor quebrarmos logo as correntes de nossa amarga escravidão e morrer.”
[95]Isto não nos leva a compreender ou entender o problema colocado: aquele da reificação da vida, que segundo teóricos como Axel Hommeth, aquela experiência determinada segundo fins calculáveis (segundo a Definição de Lukács no livro História e Consciência de Classe
[96].),tornou-se um feixe de biopoder, uma reificação microfísica
[97]. Hoje, como nunca antes as pessoas são cotidianamente tratadas como objetos, as relações sociais e afetivas passam por uma mercantilização; e o corpo e o sexo não são mais do que subprodutos dos interesses do capital, internalizado no nível das inconsciências
[98]. Ora, o que fazer diante de um quadro tão absurdo e desolador, por que, penso que no fundo é disso tudo que se trata o objeto do filme “Into the Wild”. Quais as possibilidades de se quebrar com a lógica deste processo de desumanização do homem? Para Hommeth a solução parece estar no reconhecimento intersubjetivo, e em uma postura caracterizada pela participação ativa e pelo envolvimento existencial, atitudes que seriam absolutamente contrastantes com a atitude média de apatia e contemplação passiva. Na verdade penso que o problema é tão complexo, que mesmo que eu escrevesse uma tese talvez não encontrasse uma solução, pois acho mesmo que se trata do impasse em que a humanidade tem diante de si. Ou desperta de seu sonho mercantil, ou perecerá em um cataclismo ecológico. Muitas podem ser as saídas, muitas pessoas, felizmente, estão pensando sobre o problema, e nesse sentido, temos um componente individual presente e ativo, mas penso, entretanto que a solução passa necessariamente por capacidades de ação coletivas, que nos retirem desta perspectiva egoísta em que mergulhamos. Infelizmente, sou forçado a admitir, no final deste trabalho, que sou um tanto cético quanto as reais possibilidades de a humanidade sair da beira do abismo, por isso, gostaria de terminar meu trabalho com uma longa citação de Albert Camus, do Livro o Mito de Sísifo: pois que a questão do suicídio colocada no livro, hoje está colocada para nós enquanto espécie:
Cenários desabarem é coisa que acontece. Acordar, bonde, quatro horas no escritório ou na fábrica, almoço, bonde, quatro horas de trabalho, jantar, sono e segunda terça quarta quinta sexta e sábado no mesmo ritmo, um percurso que transcorre sem problemas a maior parte do tempo. Um belo dia, surge o “por quê” e tudo começa a entrar numa lassidão tingida de assombro. “Começa”, isto é o importante. A lassidão está ao final dos atos de uma vida maquinal, mas inaugura ao mesmo tempo um movimento da consciência. Ela o desperta e provoca sua continuação. A continuação é um retorno inconsciente aos grilhões, ou é o despertar definitivo. Depois do despertar vem, com o tempo, a conseqüência: suicídio ou restabelecimento.
[99]Ainda nesta fase final deste trabalho, caio sobre um artigo do Le Monde Diplomatique - Brasil (ed 12), em que um artigo de Marcio Porchmann afirma:
A sociedade da nova economia está em construção, permeada por doenças profissionais depressivas, pela solidão e pela devastadora crise de sociabilidade. A escassez do trabalho autônomo (socialmente útil) parece inegável e constrangedora indicando o quanto se faz necessário a implementação de um novo padrão civilizatório plenamente compatível com os avanços materiais do século XXI. Essa luta é de todos aqueles que não se enquadram na República em que só os reacionários sentem-se tão bem.
[100]E assim lembro-me das palavras de Gilberto Dupas, em seu livro “O Mito do progresso”:
O progresso, assim como hoje é caracterizado nos discursos hegemônicos de parte dominante das elites, não é muito mais que um mito renovado por um aparato ideológico interessado em nos convencer que a história tem um destino certo – e glorioso – que dependeria mais da omissão embevecida das multidões do que da sua vigorosa ação e da crítica de seus intelectuais.
[101]Bibliografia Auxiliar:
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[1] FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. IN: _____ Microfísica do Poder. RJ: Graal, 1984, p.23.
[2] O historiador Nicolau Sevcenko utiliza-se como referencias teóricas Ludwig Wittgentein e o cita na epigrafe: “A Filosofia é a batalha contra o enfeitiçamento da nossa inteligência por meio da linguagem.” L. Wittgenstein. Philosophical Investigations apud: N. Sevcenko. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo: Companhia das Letras:2003. pp 6.
[3] RICOEUR, P. La Mémoire, L´histoire, l´obli. Paris: Éditions de Seuil, 2000.
[4] Como afirma Croce, “(...) deve haver uma razão pela qual tanto a crônica como os documentos sejam aparentemente anteriores à história e sejam sua fonte extrínseca. O espírito humano preserva os despojos mortais da história – as narrativas vazias, as crônicas; e esse mesmo espírito recolhe os vestígios da vida passada, despojos e documentos, procurando conservá-los tanto quanto possível intactos e restaurá-los à medida que se vão deteriorando. Qual é o objetivo destes atos de vontade que se concretizam na conservação daquilo que é vazio e morto? (...) Mas os sepulcros não são estultícia e ilusão; são pelo contrário, um ato moral pelo qual se afirma, simbolicamente a imortalidade das obras realizadas pelos indivíduos que, embora mortos, vivem na nossa memória e viverão na memória do futuro. E um ato de vida é aquele transcrever de histórias ocas e aquele recolher de documentos mortos. O momento virá em que eles se apressarão a reproduzir no nosso espírito e a tornar presente, enriquecida, a história passada. Com efeito, a história morta revive e a história passada de novo se torna presente na medida em que assim o exige o desenvolvimento da vida.” CROCE, Benedetto. História e Crônica IN: GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, s/d. pp.281-282
[5] Podemos nos remeter a Croce que afirmava corretamente que a escrita da história vê sempre o passado com os olhos do presente. Para Croce o desvendar do “sentir e pensar” de uma época é o que torna possível a descrição e a interpretação históricas. Perguntamo-nos, porém, será possível pensar o passado e os documentos selecionados pelo tempo com a mentalidade (o sentir e o pensar) da época em que nos debruçamos? Pessoalmente penso que não. A mentalidade de uma época pode ser intuída, aproximada, mas nunca exatamente compreendida. De qualquer forma concordo que a apreensão do pensamento e o sentir de uma época seria o objetivo primordial que busca o historiador em suas pesquisas.
[6] Essa questão muito pertinente diz respeito a refletir sobre o fato que o trabalho do historiador não possui um conjunto fechado de regras a seguir para se eliminar a subjetividade - já que essa eliminação é impossível – a objetividade hoje pode ser considerada um mito criado pelo entender positivista da ciência, próprio do século XIX. Por isso, Michel Foucault, seguindo a trilha traçada por Nietzsche, lembra-nos em um trecho interessante de “A Microfísica do Poder” que o historiador não deve temer ser subjetivo e perspectivo. Não deve, pois, tentar empreender um aniquilamento do eu : “Em vez de fingir um discreto aniquilamento diante do que ele olha, em vez de aí procurar sua lei e a isto submeter cada um de seus movimentos, é um olhar que sabe tanto de onde olha quanto o que olha.” FOULCAULT, Michel. Microfísica do Poder. São Paulo: Editora Graal, 2004. p.30. O historiador deve, assim saber de onde olha e para onde olha, e aceitar sua subjetividade, buscando penetrar na natureza do documento, em seu conteúdo e suas possíveis ausências.
[7] Seleção esta que pode ser feita pelo próprio tempo, pelo historiador, ou ainda outro ator envolvido no processo. Deve-se levar em conta que esta seleção pode ter sido feita com critérios variados, e muitas vezes, com fins específicos. É importante também lembrar que os documentos não são selecionados pelo tempo de forma estritamente objetiva, eles podem ser, por exemplos, guardados, produzidos ou encontrados de forma casual ou intencionada – o que pode modificar qualquer interpretação. Além disso, temos que lembrar que aquele que registra e/ou produz a fonte histórica, o faz com determinada ou indeterminada intenção – que nem sempre pode ser “apanhada” pelo historiador. Devemos então buscar quais eram esses critérios e quais estas intenções? É por isso que Collingwood, seguidor de Croce, afirma que temos que tentar nos aproximar da mentalidade da época para melhor interpretarmos qualquer documento. Para ele, o pensamento é conceito fundamental da investigação histórica.
[8] Lucien Lebvre por isso afirmava: Ora, sem teoria prévia, sem teoria preconcebida, não há trabalho científico possível. Construção do espírito que responde à nossa necessidade de compreender, a teoria é a própria experiência da ciência. De uma ciência (a história) que não tem como último objetivo descobrir lei, mas sim possibilitar-nos a compreensão. Febvre, Lucien. Combats pour l’histoire IN: MOTA, Carlos Guilherme. Febvre. São Paulo: Editora Ática, 1978. pp. 106
[9] É por isso que Gilles Deleuze e Félix Guattari afirmam: “O que a História capta do acontecimento é a sua efetuação em estados de coisas ou no vivido, mas o acontecimento em seu devir, em sua consistência própria, em sua autoposição como conceito, escapa à História. Os tipos psicossociais são históricos, mas os personagens conceituais são acontecimentos. A história não é a experimentação, ela é somente o conjunto das condições quase negativas que tornam possível a experimentação de algo que escapa à história. Sem história, a experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a experimentação não é histórica, ela é filosófica.” DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. p. 143, Ou seja, essa posição afirma que não podemos compreender o fato do passado em seu “devir”, apenas em estado de coisas, em outras palavras, a história apenas tenta recriar, através de um discurso, o vivido, o "fato como ocorreu". Para esses autores somente a filosofia poderia, realmente experimentar. Esta crítica é pertinente em alguns casos e posições historiográficas, porém, mesmo assim, parece esta ser uma crítica pautada em um fazer histórico visto ao modo de Ranke ou da escola metódica.
[10] Febvre, Lucien. Combats pour l’histoire IN: MOTA, Carlos Guilherme. Febvre. São Paulo: Editora Ática, 1978
[11] Whyte, Hayden. Trópicos do Discurso. Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001.
[12] Meta-História: A imaginação histórica do século XIX. São Paulo, Edusp, 1995.
[13] Austen, Jane. The Northanger Abbey. Londres: Penguin Uk, 2001.
[14] Ginzbourg, Carlo. “Sinais: Raízes de um paradigma indiciário” in: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo, Companhia das Letras, [s. d.].
[15] Devemos lembrar também que os documentos de caráter não-ficcional encerram em certa medida um caráter de ficção. Penso não ser mais possível, desde Nietzsche, falar em verdade sem aspas sem que usemos de alguma ironia. Assim, um documento encerra todas as contradições, subjetividade e paradoxos de seu produtor e sua época. Mesmo que o discurso deste documento pretenda-se verdadeiro, sabemos que o historiador deve consciente disso refletir sobre essa contradição, e fazer uma análise crítica em sua tentativa de re-apresentar um tempo. Nietzsche: A defesa Poética da História no modo metafórico. IN: Meta-História: A imaginação histórica do século XIX. São Paulo, Edusp, 1995.
[16] Le Goff, Jacques. História e Memória, Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.
[17] Por isso Antonio Candido escreve: “(...) a primeira tarefa é investigar as influências concretas exercidas pelos fatores socioculturais. É difícil discriminá-los, na sua quantidade e variedade, mas pode-se dizer que os mais decisivos se ligam à estrutura social, aos valores e ideologias, às técnicas de comunicação. O grau e a maneira por que influem estes três grupos de fatores variam, conforme o aspecto considerado no processo artístico. Assim, os primeiros se manifestam mais visivelmente na definição da posição social do artista, ou na configuração de grupos receptores; os segundos na forma e conteúdo da obra; os terceiros, na fatura e transmissão. Eles marcam, em todo caso, os quatro momentos da produção, pois: a) o artista, sob o impulso de uma necessidade interior, orienta-o segundo os padrões de sua época, b) escolhe certos temas, c) usa certas formas e d) a síntese resultante age sobre o meio”.” - Candido, Antonio. Literatura e Sociedade: estudos de teoria e história literária, 6ª ed, São Paulo: Editora Nacional, 1980, p. 21.
[18] Pesavento, Sandre Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p. 113
[19] Berguer, Peter; Berger, Brigitte e Kellner, Hansfried. Sobre la Obsolescendia Del concepto de honor. Um mundo sin hogar (modernización y conciencia). Espanha: Sal Terrae – Santander, 1979.
[20] O primeiro, durante a segunda Guerra Mundial engajou-se na resistência francesa ao ocupante nazista, o segundo publicou panfletos anti-semitas, foi considerado colaborador e condenado a morte pela resistência. Com a invasão americana, teve que se refugiar na Dinamarca, onde com o fim da guerra cumpriu pena.
[21] MARCUSE, Herbert. A Ideologia da Sociedade Industrial: O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar Editores: 1978.
[22] MARCUSE, Herbert. Eros e a Civilização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor: 2007.
[23] FREUD, Sigmund. Mal Estar na Civilização. Rido de Janeiro: Imago, 1997.
[24] Marcuse (1967) afirmou em A Ideologia da Sociedade Industrial que o estabelecimento da modernidade foi fruto da maquinização (tecnização), do nascimento das grandes cidades industriais e de todos as dificuldades ligados à relação do indivíduo com a sociedade de massa. O indivíduo passou a ser mantido por meio da labuta em uma condição letárgica que o empobreceu culturalmente e fisicamente.
[25] NIETZSCHE. Genealogia da Moral, 3ª Dissertação – O que significam ideais ascéticos. SP: Cia das letras, 20006. p. 149
[26] ANSELL-PEARSON, Keith. Nietzsche como pensador Político. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor: 2007
[27] Seria interessantíssimo estudar como o pensamento de Nietzsche foi influenciado por Shopenhauer e a escola do pessimismo alemão, assim como Dostoievski, Leopardi e Paul Bourget – com sua teoria da decadência. Infelizmente me falta tempo, competência e espaço para tal pesquisa.
[28] O termo cunhado por Weber, inicialmente dizia respeito a um certo desencantamento do religioso do mundo, mas amplia-se aos poucos, como nos mostra bem o professor Pierucci sobre o mundo da ciência: “Se há ampliação de seu ponto de vista quando se passa do desencantamento religioso para o desencantamento cientifico do mundo, os dois usos se mostram ora simultâneos ou intercalados, nunca porém sucessivos no sentido de ir deixando para trás prismas de análise menos gerais.” (p. 218) PIERUCCI, Antônio Flávio. O Desencantamento do Mundo –Todos os passos do conceito em Max Weber. São Paulo: Editora 34, 2003.
[29] Nietzsche, Friedrich. Crepúsculo dos Ídolos. Trad. Paulo César de Souza. SP: Cia das Letras, 2006.
[30] Aqui uma das referências parece ser Oswald Spengler, que desenvolveu uma Teoria da História baseando-se nas idéias de Nietzsche, e que foi cortejado pelo nazi-facismo, sem, no entanto nunca aderir a ele. O tema da vida parece ser um tanto atual, já que encontramo-nos em época de aquecimento global e desastre ecológico eminente. SPENGLER, Oswald. A Decadência do Ocidente. Ed. Cond. Helmut Werner Trad. Herbert Caro. Brasília: Editora Universidade de Brasília.
[31] ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento, RJ: Jorge Zahar Editor, 1985.
[32] O livro La Raza Cósmica do mexicano José Vasconcelos parece ser um bom exemplo. Foi usado diversas vezes entre os mexicanos tanto pelos campos da direita como da esquerda. VASCONCELOS, José. La Raza Cósmica. Baltimore: 1997. Particularmente penso que um elogio a mestiçagem é sempre interessante, em um tempo em que cada vez mais muros são levantado entre os homens – o muro México/EUA, as cercas que “protegem” a Europa Unida dos imigrantes africanos no sul da Espanha, os muros israelenses etc. O Brasil poderia, neste contexto internacional dar um bom exemplo “levantando” radicalmente as suas fronteiras e abrindo-se para os povos.
[33] MARTINS, Hermínio. Heguel, Texas e Outros ensaios de Teoria Social. Lisboa: Século XXI, 1996.
[34] Há ainda em Nietzsche um flagrante recusar do Estado, que ainda pode ser bastante relevante, mesmo assim como nos diz Dupuy :Voilá pourquoi Nietzsche, em dépit de sa haïne de L´État. Certes, Il avait lu Max Stirner, non sans em subir la séduction, notamment par la tentative, menée au non de la liberté de l´esprit, par l áuteur de L´Unique pour exorciser ses fantômes que les hommes entretiennent dans leur ame, qu´il les aient créés eux-même ou qu´ils leur aient été inculqués par les maîtres de ce monde, souvarains ou penseurs dominants. Ce refus de l´idelisme, comme l antiéttatisme, a pu encontrer em lui qulque écho. Mais les conclusions sociales de Stirner ne pouvaint être les siennes, non plus que celles des autres membres des diverses sectes anarchistes. (Politique de Nietzsche, Presenté e org. René-Jean Dupuy. Paris: Librarie Armand Colin, 1969.)
[35] Toda aquela moral que nega a vida.
[36] CORAZZA, Sandra, TADEU, Tomaz e Zordan Paola. Linhas de Escritas. São Paulo: Autêntica, 2004
[37] HORKHEIMER, MAX. Ascensão e declínio do indivíduo. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: Labor, 1976.
[38] DUPAS, Gilberto. O Mito do Progresso. SP: Ed. Unesp, 2006. P. 56-90.
[39] HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razão. RJ: Labor do Brasil, 1976
[40] Há certamente um eco do espírito dos anos trinta do século XX e do movimento romântico de volta à natureza nesta ação.
[41] Aqui também é possível vincular a atitude individual do jovem ao movimento alemão do começo do século XX chamado Wandervogel (pássaro migratório) que se propunha por meio de uma “volta à natureza” libertar a juventude da sociedade burguesa, “repressiva e autoritária”. (Hölffkes, K. Wandervogel:révolte contre l´esprit bourgeois, Ed ACE, s/d.
[42] Certamentes versos de Byron como: What Exile from himself can flee?/To zones though more and more remote,/ Still, still pursues, where´er I be,/ The blight of life – the denin Tgought. (Byron. Poemas, trad. Péricles Eugênio da Silva, ed. Bilíngüe, SP: Editora Hedra, 2008, p. 58.
[43] Talvez ele também tenha lido Dostoiévski que afirmava: “A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inefável é não se poder estar sozinho."
[44] SIMMEL, G. As grandes cidades e a vida do espírito. MANA 11(2): 577-591, 2005. [Tradução de Leopoldo Waizbort].
[45] SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da sociologia. Rio: Jorge Zahar Ed., 2006.
[46] MAFFESOLI, Michel. O Ritmo da Vida. SP: Record, 2007
[47] “Le monde se développe uniquement en fonction des hérésies, en fonction de ce qui rejette le présent, apparemment inébranlable et infaillible. Seuls les hérétiques découvrent des éléments nouveaux dans les sciences, l'art, la vie sociale. Seuls les hérétiques sont l'éternel ferment de la vie.” (Zamiatine, Ievgueni. Nous Autres (dystopie), 1920 - traduit par B. Cauvet-Duhamel, L'Imaginaire Gallimard, 1979.
[48] RICOEUR, Paul. Indivíduo e identidade Pessoal in: Veyne, P. Indivíduo e Poder. Lisboa: Edições 70, 1988.
[49] ELIAS, N. Mudanças na Balança nós-eu. In: A Sociedade dos Indivíduos. Rio de Janeiro: J. Zahar Editor, 1994.
[50][50] Ver um lindo romance de Coeetze chamado “A vida e o Tempo de Michael K.”
[51] FOULCAULT, Michel Vigiar e Punir. História da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1977.
[52] LOEWITH, K. – Racionalização e liberdade: o sentido da ação social. In: Foracchi, M. & Martins, J. S. Sociologia e sociedade. Leituras de Introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1977.
[53] Lembra-me as palavras de Emma Goldmann: “O individuo é a verdadeira realidade da vida, um universo em si. Ele não existe em função do Estado ou dessa abstração denominada “sociedade” ou “nação”, que não é senão um ajuntamento de indivíduos. O homem sempre foi e é – necessariamente – a única fonte, o único motor de evolução e progresso. A civilização é o resultado de um combate contínuo do indivíduo ou dos agrupamentos de indivíduos contra o Estado, e até mesmo contra a sociedade, quer dizer, contra a maioria hipnotizada pelo Estado e submetida a seu culto. As maiores batalhas já travadas pelo homem foram contra obstáculos e prejuízos artificiais que ele próprio se impôs e que paralisam seu desenvolvimento. O pensamento humano sempre foi falseado pelas tradições, pelos costumes, pela educação enganadora e inócua, dispensada para servir os interesses daqueles que detêm o poder e gozam de privilégios; ou seja, pelo estado e pelas classes proprietárias. Esse conflito incessante dominou a história da humanidade” A visão da anarquista é decerto a-histórica, mas possui elementos que o personagem do filme parece trazer – a resistência radical ao Estado e suas instituições, à Escola. O escrito é do entre-Guerras quando Goldman se encontrava exilada nos Eua. GOLDMAN, O indivíduo, a sociedade e o Estado; e outros ensaios (org e trad: Plínio Augusto Coelho. SP: Editora Hedra: 2007. pp. 31-32. Não posso deixar de pensar também no livro de Henry Miller, Pesadelo Refrigerado.
[54] CANETTI, E. Masse et puissance (1960), (trad. Robert Rovini), éd. Gallimard, coll. Tel, 1998, p. 25
[55] “Toutes les distances que les hommes ont créées autour d’eux sont dictées par cette phobie du contact.” (CANETTI, Elias Masse et puissance (1960), (trad. Robert Rovini), éd. Gallimard, coll. Tel, 1998, p. 11)
[56] Neste aspecto ele me parece um bom seguidor de Thoreau, entretanto no fim do filme ele faz uma “autocritica” com a frase: “Happiness only real when shared”
[57] SIMMEL, G. Indivíduo e liberdade; (1009-117) In: Souza, J. e Öelze, Berthold (org) Simmel e a modernidade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998.;SIMMEL, Georg. Questões Fundamentais da sociologia. RJ: Jorge Zahar Editor, 2006.; SIMMEL, George. As Grandes Cidades e a Viça do espírito, tradução Leopoldo Waizbort. Mana 11 (2): 577-591, 2005.; MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. RJ: Editora Forense Universitária, 2006. Idem, O Ritmo da Vida. SP: Record, 2007; Idem, Sobre o Nomadismo. SP: Record, 2001.MARTINS, Hermínio. Heguel, Texas e Outros ensaios de Teoria Social. Lisboa: Século XXI, 1996., HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001 / idem, Multidão. RJ/SP: Record, 2005, BAUMAN, Zygmunt. Identidade. São Paulo, Jorge Zahar Editores, 2005, BHABHA, Homi K. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007. Capítulo II: Interrogando a Identidade.
[58] SIMMEL, G. Sociologies, Paris: Puf, 1999. p. 200.
[59] IDEM, Sociologie et épistémologie, Paris: Puf, 1981, pp. 137-138
[60] RICKERT, H. Les problèmes de la philosophie de l'histoire une introduction. Toulouse: Presses Universitaires Mirail-Toulouse
[61] Particularmente penso que nossa sujeição não passa somente pelo estado, hoje ela é muito mais complexa. Se pensarmos, por exemplo no fenômeno da moda, onde o que está a venda não são roupas mas “identidades”, percebemos que essa sujeição vai muito além do problema do Estado.
[62] Grifo meu.
[63] COETZEE, J. M. Diário de um ano Ruim, SP: Cia das Letras, 2008. pp. 10
[64] "O que é ser livre ? É não termos vergonha de sermos quem somos." (aforismo 275)
Nietzsche In: Gaia Ciência. SP: Cia das Letras, 2007, p. 186
[65] Emerson, Ralph Waldo. Société et solitude. 1995. IN: ftp://ftp.bnf.fr/002/N0027859_PDF_1_304.pdf
[66] "A falta de liberdade não consiste jamais em estar segregado, e sim em estar em promiscuidade, pois o suplício inefável é não se poder estar sozinho." (Dostoievski)
[67] NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra moral. (org e trad.: Fernando de Morais Barros). SP: Editora Hedra, 2007. p. 36-37. Também podemos observar os comentários de White: “(...) se não existem fatos brutos, mas eventos sob diferentes descrições, a factualidade torna-se questão dos protocolos descritivos para transformar eventos em fatos (...) Os eventos acontecem, os fatos são constituídos pela descrição lingüística. O modo da linguagem usado para constituir os fatos pode ser formalizado e governado por regras, como nos discursos científicos e tradicionais; pode ser relativamente livre, como em todo discurso literário modernista ou pode ser uma combinação de práticas discursivas formalizadas e livres.” WHITE, Hayden. “Teoria literária e escrita da história.” In: Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro, n. 7, 1994, pp. 21-48).
[68] MARCUSE, Herbert. Eros e Civilizaçao: Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. RJ: Guanabara/Koogan, s/d. p. 25
[69] ADORNO & HORKHEIMER. Dialética do Esclarecimento, RJ: Jorge Zahar Editor, 1985
[70] grifo da autora.
[71] GAGNEBIN, Jeanne Marie. Homero e a Dialética do Esclarecimento In: Lembrar escrever esquecer. SP: Editora 34, 2006. p. 34.
[72] MARCUSE, H. L'Homme unidimensionnel (1964), (trad. Monique Wittig), éd. Les Éditions de Minuit, coll. Points, 1968, p. 29
[73] SIMMEL, G. La tragédie de La Culture. Introduction: Vladimir Jankélévich. Paris: Rivages poche/ petit bibliotjèque, 1988. P. 183
[74] Honneth, A. La lutte pour la reconnaissance, Paris: Cerf, 2000
[75] Em um artigo posterior o mesmo autor acrescentaria sobre a possibilidade de realização individual depende da relação com o outro, e afirma de maneira crítica: De manière indirecte, j’ai déjà fait précédemment allusion à ma manière d’imaginer la justification normative de l’idée selon laquelle le point de référence d’une conception de la justice sociale doit trouver son ancrage dans la qualité des relations de reconnaissance mutuelle au sein d’une société. Pour les sociétés modernes, je pars ce faisant de la prémisse que l’égalité sociale consiste à permettre à tous les membres de la société de se forger une identité individuelle. Pour moi, cette formulation revient à dire que le véritable but recherché lorsque l’on parle de l’égalité de traitement de tous les sujets dans nos sociétés doit être la possibilité pour tous de réalisation individuelle. La question qui se pose est cependant de savoir à partir d’un tel point de départ (libéral), s’il est possible d’en arriver à la conclusion que c’est la qualité des conditions de reconnaissance sociale qui doit constituer le cœur d’une éthique politique ou d’une morale de la société. Mon idée est, ici comme je l’ai déjà évoqué, que nous devrions généraliser nos connaissances relatives aux conditions sociales de la formation de l’identité dans une conception qui prenne la forme d’une théorie de la moralité de type égalitaire. Dans une telle conception, nous exprimions quelles conditions nous considérons comme impératives pour donner à chaque individu la même chance de réaliser pleinement sa personnalité individuelle. (…) E conclui neste mesmo artigo: Il découle de ces réflexions qu’un concept de la justice basé sur la théorie de la reconnaissance peut assumer une fonction critique, et non pas seulement là ou il est question de la défense juridique de progrès moraux dans les sphères de reconnaissance respectives. On a également constamment besoin d’un examen réflexif des frontières qui se sont établies entre les territoires respectifs des différents principes de reconnaissance, car le soupçon ne peut jamais être levé, que le partage du travail établi entre les sphères morales ne porte atteinte aux possibilités de formation de l’identité individuelle. Et il n’est pas rare qu’une telle remise en question en vienne à la conclusion qu’un élargissement des droits individuels est nécessaire lorsque, sous le régime des principes normatifs de « l’amour » ou de la « contribution », les conditions de respect et d’autonomie ne sont pas suffisamment garanties. L’esprit critique d’un tel concept de justice peut bien sûr ici entrer en conflit avec sa fonction propre de préservation, puisque toutes les légitimations morales en faveur des déplacements de frontières comportent également la nécessité d’un maintien de la séparation des sphères, car les conditions de la réalisation individuelle dans la société moderne ne sont, comme nous l’avons vu, garanties que socialement, lorsque les sujets ont la possibilité de faire l’expérience d’une reconnaissance intersubjective, non seulement de leur autonomie personnelle, mais aussi de leurs besoins spécifiques et de leurs capacités particulières. Idem, Reconnaissance et justice In: Revue Le Passant Ordinaire, número 32, 2002 (http://www.passant-ordinaire.com/revue/38-349.asp)
[76] Ver: HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001 / idem, Multidão. RJ/SP: Record, 2005.
[77] Idem
[78] WHITE, Hayden. "O fardo da história in: Trópicos do discurso: ensaios sobre a crítica da cultura. Trad. Alípio Correia de Franca Neto. 2ª ed. São Paulo: EDUSP, 2001. p. 39-64.
[79] Indicada acima.
[80] Ver: MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. RJ: Editora Forense Universitária, 2006.
[81] É exemplar o caso das periferias francesas onde uma “horda de novos bárbaros” incendiou carros em uma fúria aparentemente sem objetivos políticos concretos. Cabe pensar se este tipo de acontecimento é uma nova forma de resistência aos mecanismos biopolíticos de dominação.
[82] In:Cadernos Nietzsche 22, São Paulo: GEN/FFLCH, 2007
[83] Idem, p. 136-137
[84] Seria o verdadeiro homem, que é retratado no filme, esse tipo de indivíduo? Existe esse tipo de indivíduo?
[85] Iden, p. 127
[86] RICOEUR, Paul. Indivíduo e identidade Pessoal in: Veyne, P. Indivíduo e Poder. Lisboa: Edições 70, 1988.
[87][88] MOURA, Carlos A. R. de, Nietzsche: civilização e cultura. SP: Martins Fontes: 2005. p. 258-261
[89] LA BOÈTIE, Étienne, Discurso da Servidão Voluntária. São Paulo: editora Brasiliense, s/d.
[90] Antecipando uma questão levantada por Wilhem Reich: por que o povo não se revolta?
[91] “Incrível coisa é ver o povo, uma vez subjugado, cair em tão profundo esquecimento da liberdade que não desperta nem recupera; antes começa a servir com tanta prontidão e boa vontade que parece ter perdido não a liberdade mas a servidão.” (La BOÈTIE, Idem.)
[92] Principio este que será retomado por Henri David Thoreau, em seu livro A Desobediência Civil.
[93] HARDT, M.; NEGRI, A. Império. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2001 / idem, Multidão. RJ/SP: Record, 2005.
[94] Marcuse é certamente um autor notável, que deu-nos uma interpretação interessantíssima em seu Eros e a Civilização.
[95] Robert Blatchford em seu jornal The Clarion, fundador do Partido Trabalhista Britânico Independente. Apud: KIRK, A. Desobediência Civil de Thoreau. RJ: Jorge Zahar Editor, 2008. p. 70
[96] http://www.scielo.br/pdf/ln/n59/a08n59.pdf
[97] Pergunto-me se o problema da sublimação do gozo isso não se origina de algum conteúdo primitivo reprimido no homem moderno:
“Les instincts de l'homme restent intacts, voici la simple vérité qu'oublient les « rationalistes». Or, sa soif de salut fait partie de l'ordre naturel des choses. Quoi qu'il lui arrive, quels que soient les changements qui s'opèrent en lui, l'homme veut, espère, croit faire son salut, trouver le sens central de son existence, valoriser sa vie.” (Fragmentarium (1989), Mircea Eliade (trad. Alain Paruit), éd. éditions de l'Herne, coll. biblio essais (le livre de poche), 1997, p. 130)
Tradução: Augusto Patrini Menna Barreto Gomes:
“Os instintos do homem permanecem intactos, aqui está a simples verdade que esquecem os “racionalistas”. Ora, sua sede de bem-estar faz parte da ordem natural das coisas. Não importa o que lhe aconteça, e de que ordem sejam as suas transformações, o homem quer, espera, crê poder encontrar seu conforto, encontrar o sentido central de sua existência, valorizar sua vida.”
[98] Poderia-se questionar para quê? Por quê? Como o faz Albert Caraco: “Mais à quoi bon prêcher ces milliards de somnambules, qui marchent au chaos d’un pas égal, sous la houlette de leurs séducteurs spirituels et sous le bâton de leurs maîtres ? Ils sont coupables parce qu’ils sont innombrables, les masses de perdition doivent mourir, pour qu’une restauration de l’homme soit possible. Mon prochain n’est pas un insecte aveugle et sourd, n’est pas un automate spermatique. Que nous importe le néant de ces esclaves ? Nul ne les sauve ni d’eux-mêmes, ni de l’évidence, tout se dispose à les précipiter dans les ténèbres, ils furent engendrés au hasard des accouplements, puis naquirent à l’égal des briques sortant de leur moule, et les voici formant des rangées parallèles et dont les tas s’élèvent jusqu’aux nues. Sont-ce des hommes ? Non, la masse de perdition ne se compose jamais d’hommes” (Bréviaire du chaos, Collection Amers dirigée par le Collège du Revizor, Éditions L'Âge d'Homme, Lausanne, Suisse, 1999.)
“Mas para quê fazer despertar estes milhares de sonâmbulos, que caminham para o caos, com passos sempre iguais, apoiados na bengala de seus sedutores espirituais e sobre o bastão de seus mestres? Eles são culpados por que eles são inumeráveis, as massas da perdição devem morrer, para que uma restauração do homem seja possível. Meu semelhante não é um inseto cego e surdo, não é um autômato espermático. O que nos importa sua escravidão? Nada pode salvá-los nem mesmo deles mesmo, nem da evidência, que tudo tende a se precipitar na obscuridade, eles foram engendrados ao acaso nos cruzamentos, pois que nasceram como tijolos saindo do forno, aí estão eles formando de filas exatas e paralelas que se acumulam até as nuvens. Eles são homens? Não, a massa da perdição não se compõe jamais de homens” (Breviário do caos)
Albert Caraco, foi um filósofo de nacionalidade uruguaia e escritor de expressão francesa, nasceu em Constantinopla, no dia 10 de julho de 1919, em uma família sefaradita instalada na Turquia há quatro séculos. Ele morreu em setembro de 1971. Falava e escrevia quatro línguas: francês, espanhol, alemão e inglês. Tradução Livre: Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
[99] CAMUS, Albert. O Mito de Sísifo. São Paulo: Record, 2004. p. 27
[100] p.5.
[101] DUPAS, Gilberto. O Mito do progresso. SP: Editora Unesp, 2006, p. 290.