segunda-feira, 6 de julho de 2009

Os desafios da economia brasileira: educação, emprego, responsabilidade e o Fundo Independência

Autor: Cristovam Buarque

Os desafios da economia brasileira: educação, emprego, responsabilidade e o Fundo Independência

Diz-se que é de Einstein a frase “cada problema, para ser solucionado, precisa ser entendido com idéias diferentes daquelas que o criaram”. Quando um problema surge, as causas ideológicas que o criaram não permitem encontrar-lhe solução. Além de serem causa do problema, elas obscurecem a realidade, dificultam o entendimento, escondem alternativas.

É isso que está impedindo a economia brasileira de encontrar alternativas que atendam aos anseios da população. Seus problemas foram criados por um conjunto de idéias que continuam sendo usadas para encontrar a solução dos problemas que elas mesmas criaram. Isso funciona como uma perversa âncora que impede o país de navegar rumo ao seu futuro.

Foi assim com a Independência, quando passamos a ter nosso próprio Imperador, mas mantivemos a economia escravocrata, latifundiária, e atrelada ao comércio exterior. Foi assim com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, quando o Brasil acabou com a escravidão e o império, mas não ajustou a economia ao desafio de uma sociedade justa, educada, ao mesmo tempo produto e indutora da eficiência econômica.

&nbspAo longo de cinco décadas, nossa economia se baseou em seis idéias:

• a riqueza é definida pelo PIB e sua renda;

• o crescimento econômico é o caminho para construir uma sociedade que, além de rica, seria também justa, segura, soberana, educada, saudável;

• o investimento na infra-estrutura e o apoio estatal ao setor privado são o meio para induzir o crescimento;

• a poupança externa é a fonte dos recursos para a realização do investimento;

• a exportação e a demanda interna de uma classe rica que concentra a renda são a base para a demanda da economia;

• o Estado é o instrumento dinamizador, utiliza leis que protegem a ineficiência e recursos públicos ilimitados, criados e utilizados de forma irresponsável.

&nbspAo longo da nossa história, grandes problemas foram criados – a desigualdade social, a inflação e a concentração da renda – e enfrentados sem que fossem mudadas as idéias que os criaram. Dez anos atrás, com o Real, houve a primeira ruptura de idéias: definiu-se a responsabilidade fiscal, eliminou-se a proteção à ineficiência e o Brasil conseguiu vencer a inflação. Mas nada foi feito para romper as idéias no que se refere às causas da pobreza e da concentração de renda. O marco teórico que pretende resolver esses problemas continua sendo o mesmo que serviu para criá-los. E os problemas se mantiveram, acrescidos da estagnação econômica e do problema ecológico.

Para resolver esses problemas da economia brasileira, será preciso rever as velhas idéias que a norteiam:

• Impedir que voltem as antiquadas idéias do voluntarismo político aliado à irresponsabilidade fiscal, que gastava além do possível e protegia a ineficiência, especialmente a estatal.

• Abrir mão das idéias que subsistem – a concentração da renda é o instrumento para dinamizar a economia, a exportação é solução para dinamizar a demanda, o crescimento da riqueza é o caminho da redução da pobreza, a economia deve ser tratada como um organismo separado do conjunto da sociedade e do povo brasileiros. E com novas idéias, ver os desafios da economia como os desafios do Brasil, em toda a sua complexidade e completude.

Os desafios da economia

Muitas vezes, os economistas, assim como os políticos, tomam decisões da mesma forma que o piloto que descarregou a bomba atômica sobre Hiroshima. “Foi um gesto impessoal, disse ele anos depois, sem o sentimento de seus efeitos negativos sobre as pessoas embaixo. Com um agravante: os economistas também não vêem os efeitos positivos de mudanças no sistema social sobre a economia.

Em geral, o desafio da economia é visto do lado de dentro da economia, como um fim em si mesmo. A miopia faz com que os economistas considerem os desafios da economia limitados à própria economia, seus números do PIB, da Bolsa, de juros e similares. Com essa visão, perdem a chance de ver que a importância da economia vai além de si mesma, como de fato os clássicos tentaram destacar (o próprio Adam Smith, ícone dos liberais, estava preocupado com a vida das pessoas e as questões efetivas de seu tempo) e de perceber a importância que tem o sistema nacional na indução do crescimento econômico.

Os grandes desafios da economia sempre estiveram fora da economia.

Antes mesmo de a economia nascer como ciência, o grande desafio foram as Descobertas. Foram elas que enriqueceram Portugal e Espanha, as primeiras nações economicamente desenvolvidas. O segundo grande desafio foi a revolução tecnológica do século XVIII. Veio de fora da economia, do laboratório de Watts, o caminho para enfrentar desafios econômicos daquele tempo. O primeiro desafio dos tempos atuais ocorreu depois da crise de 1929. E Roosevelt teve a sabedoria de enfrentar o desafio da economia por um a ótica diferente: no lugar de se perguntar como voltar a crescer para criar empregos, ele se perguntou como criar empregos para voltar a crescer. Nas décadas seguintes, o desafio foi o avanço técnico para a criação de novos bens de consumo. No final do século XX, o desafio era realizar a revolução científica e tecnológica, o salto em educação, ciência e tecnologia.

O primeiro desafio da economia brasileira, no começo do século XIX, não estava na economia. Ao contrário, foi ajudar a construir a independência nacional e se beneficiar dela, trazendo para o Brasil o controle de seus recursos. O segundo, no final daquele século, foi fazer a agricultura sobreviver sem a escravidão e tornar a economia mais dinâmica, graças à libertação do potencial e ao poder de compra dos ex-escravos. O terceiro desafio, na primeira metade do século XX, foi construir uma sociedade de consumo que beneficiasse todos os brasileiros, com isso dinamizando uma economia industrial. O quarto desafio, ao longo de quase toda a segunda metade do século passado, foi eliminar a inflação que pesava sobre toda a sociedade, e usar a estabilidade monetária para construir uma sociedade mais justa e uma economia mais dinâmica.

O Brasil venceu esses quatro desafios, mas cada um deles de forma incompleta.

Beneficiou a economia sem garantir uma independência real, sem incorporar os excluídos, sem distribuir renda, sem garantir estabilidade nem crescimento e sem reduzir a tragédia da pobreza. Os desafios limitados aos aspectos econômicos não garantiram nem se preocuparam em garantir um sistema público eficiente de saúde, de segurança urbana, de moradia com higiene, em fazer um país educado e culto. Ao concentrar os desafios apenas nos aspectos econômicos, sem uma estratégia para o social, o Brasil deixou de atender às necessidades da população e perdeu a chance de se beneficiar de um sistema social eficiente. Por causa da inexistência de um programa efetivo e solidário, deixou de desfrutar de um mercado crescente, de abolir a pobreza e distribuir renda; e não se beneficiou de uma sociedade eficiente, devido ao descaso com a universalização no acesso à educação e saúde com qualidade.

A economia brasileira chega ao século XXI com duas formas de enfrentar seus desafios: o enfoque “míope” da manutenção do mesmo rumo, enfrentando o desafio da economia limitado à economia; ou o enfoque do enfrentamento do conjunto dos problemas nacionais, vendo a economia como meio para solucionar problemas sociais e como beneficiária de uma sociedade mais justa e eficiente.

Para o economista míope, o desafio é a retomada do crescimento, o aumento das exportações, a garantia da estabilidade, no máximo a criação de emprego. Mas para quem não for míope, o desafio é muito maior: construir uma sociedade sem exclusão social, cuja população seja educada e tenha saúde, uma infra-estrutura científica e tecnológica, uma economia com independência, um país com soberania, uma renda bem distribuída, preservando a estabilidade monetária. Ou seja, um economista não-míope busca transformar a utopia em esperança e a esperança em realidade, sempre tendo como meta a melhoria da vida das pessoas em uma sociedade integrada, sem exclusão ou pobreza, ainda que com desigualdade. Um economista não-míope tem a ética como condutor do processo econômico, especialmente do orçamento do setor público.

O desafio da economia é servir de base para completar o que não foi concluído em nenhum dos grandes momentos políticos do nosso país, desde a Independência, a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República. E de se beneficiar disso, crescendo de maneira estável, justa e independente, em uma nova realidade social de que o Brasil desfrutará pela primeira vez em sua história.

Mas talvez o Brasil esteja novamente frustrando o seu futuro, ao enfrentar o desafio da economia com uma visão restrita à economia.

O desafio frustrado

Nos anos 70 do século XIX, o mundo tinha três grandes países ricos ¬– Inglaterra, França e a recém-unificada Alemanha – e alguns pequenos, como Holanda, Bélgica, Suíça, todos na Europa. Os demais países eram absolutamente pobres e atrasados, ou uns poucos, entre os quais EUA e Brasil eram exceções, e tinham uma situação muito parecida do ponto de vista econômico e das perspectivas de futuro. A Itália sequer existia como país, Portugal, Espanha, Irlanda e Grécia eram países empobrecidos, com suas populações emigrando em massa, em busca de alternativas, para o Brasil, EUA, Argentina. Canadá, Austrália e Nova Zelândia eram territórios inexplorados. Os países escandinavos eram pobres e sem perspectiva. O Japão iniciava sua luta para sair do feudalismo e começar sua modernização, após a Revolução Meiji. Os demais países da Ásia eram massas imensas de pobreza, alguns com fome endêmica. Na África, as tribos estavam submetidas ao colonialismo.

Cem anos depois, nos anos 70 do século XX, o mundo tinha mudado. Havia um Primeiro Mundo composto por diversos países, ricos antigos e novos ricos, como EUA, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, quase todos os países europeus, à exceção de Portugal, Espanha, Irlanda, Grécia. No Leste Europeu (o Segundo Mundo) um grupo de países se desenvolvia de forma socialista. O resto era o Terceiro Mundo; entre esses, o Brasil era provavelmente o mais promissor: apresentava a maior taxa de crescimento em um século, uma nova infra-estrutura, urbanização rápida, ascensão social.

Trinta anos depois, no começo do século XXI, o mundo mudou ainda mais. A Europa tem hoje 25 países na sua comunidade econômica, todos com renda e situação social muito melhor do que o Brasil. Portugal, Grécia, Espanha e Irlanda pertencem a uma situação completamente diferente da brasileira. No Leste, os países começam a se recuperar, contando com uma sólida base social e um enorme background educacional oriundo da fase socialista. A Rússia, depois de dez anos de completo retrocesso, inicia o caminho da recuperação a partir de um patamar social e econômico superior ao Brasil. Na Ásia, países conhecidos pela miséria, por guerras, pela limitação de recursos naturais e por divisões étnicas, como Índia, China, Coréia do Sul, Formosa, Malásia e Cingapura, deram à sua maneira, um salto para o desenvolvimento. Embora sem sustentabilidade, países árabes produtores de petróleo apresentam elevado poder de compra e eficientes sistemas de proteção social.

O Brasil ficou para trás.

Atrás inclusive de países latino-americanos como México, Chile, Uruguai e Argentina, que começam a se recuperar a partir de uma base social bem superior à brasileira, e asiáticos, como a Turquia.

Em trinta anos, o Brasil perdeu o desafio de tornar-se um dos países desenvolvidos do mundo. Está atrás de pelo menos 50 países, no que se refere a indicadores como renda per capita, educação básica, segurança, independência, risco, saúde pública, produção de ciência e tecnologia, educação superior, produção cultural, redução ou abolição da pobreza, distribuição de renda, produtividade, auto-suficiência, consciência nacional, proteção ao patrimônio, perspectivas futuras, auto-confiança.

Não há resposta fácil para entender por que o Brasil perdeu o desafio e ficou para trás, mas certamente, uma das razões foi o erro de concentrar unicamente na economia o desafio da economia.

Entre todos os países que estão dando certo, há em comum o fato de que todos investiram nos seus cidadãos como vetores da transformação social e econômica, principalmente na educação, no atendimento das necessidades sociais, na distribuição da renda, na criação de ciência e tecnologia. Todos buscaram uma forma de inserção soberana, e souberam administrar suas dívidas, tanto a social quanto a financeira. A diferença fundamental estava na educação e na cidadania da população, bem como na visão de mundo de sua elite, consciente que o projeto econômico futuro transcendia a mera economia.

O sucesso desses países mostrou que o desafio da economia é não ficar presa ao desafio da economia. Todos eles investiram antes em educação.

As metas possíveis

O primeiro passo para o Brasil dar seu salto educacional é não submeter este salto como conseqüência do crescimento econômico. No lugar disso, definir suas metas, estimar os custos, ajustar o cronograma de execução de acordo com a realidade política para o uso dos recursos e estruturar as medidas necessárias para sua execução.

Nos primeiros dias do Governo Lula, ainda em janeiro, foram definidas 31 metas com o cronograma possível para sua execução.

Metas definidas para a educação no Brasil

1. 100% das crianças até 14 anos de idade na escola até 2006

2. 100% das crianças até 17 anos de idade na escola até 2010

3. O trabalho infantil abolido no Brasil até 2006

4. A prostituição infantil abolida no Brasil até 2006

5. O Brasil alfabetizado até 2006

6. Toda criança alfabetizada até os dez anos de idade até 2006

7. 96% das crianças terminando a 4ª série até 2010

8. 80% das crianças terminando a 8ª série até 2010

9. 80% dos jovens até 17 anos de idade concluindo o ensino médio até 2015

10. O Brasil ocupando posições de destaque no Programa Internacional de Avaliação dos Estudantes até 2015

11. Toda escola de ensino fundamental com horário integral até 2010

12. Toda escola de ensino médio com horário integral até 2015

13. Novo ensino profissionalizante implantado em 2004

14. Matrícula garantida a todas as crianças a partir dos 4 anos de idade até 2006

15. Apoio nutricional e assistência pedagógica a todas as crianças de 0 a 3 anos até 2006

16. Todos os professores com formação adequada até 2006

17. O Programa de Valorização e Formação do Professor implantado em 2003

18. O salário médio do professor duplicado até 2007

19. O piso salarial do professor definido em 2003

20. O Fundeb criado em 2004

21. O valor do Fundef ampliado em 2003

22. O Sistema Brasileiro de Formação do Professor implantado em 2004

23. Toda escola recuperada nas suas instalações fisicas, com prédio de boa qualidade até 2010

24. Toda escola com equipamento moderno e incluída digitalmente até 2010

25. Um novo projeto para a universidade brasileira definido em 2003

26. A autonomia das universidades federais ampliada a partir de 2003

27. O PAE (novo FIES) criado em 2003

28. O Sistema de Hospitais Universitá-rios recuperado até 2005

29. As universidades com vagas ociosas preenchidas e número de vagas aumentado a partir de 2003

30. A Universidade Aberta do Brasil implantada em 2003

31. Toda desigualdade de renda, de classe, de gênero, de região, de raça e de deficiência fisica no acesso à educação abolida até 2015

As medidas necessárias

Para utilizar os recursos com a finalidade de atingir as metas, bastaria um conjunto de medidas legais e instrumentos operacionais a serem executados ao longo dos próximos anos.

1. Obrigatoriedade da educação básica: O Brasil é um dos raros países, com renda média, onde o Estado ainda não tem obrigação de oferecer vagas para o ensino médio; e para a educação fundamental o Estado só tem obrigação de oferecer vagas depois dos 6 anos. A situação é tão absurda, que a chamada Constituição Cidadã, não apenas deixou de incluir essa obrigação, como determinou que nenhum governo federal possa instituí-la, sem uma difícil, pouco provável, reforma constitucional. Depois de resolver o problema da educação dos filhos dos 10% mais ricos, desde os 4 anos de idade até a universidade, em horário integral, por meio da educação privada, financiada em parte com recursos públicos, e de abandonar a educação básica dos 50% mais pobres a escolas públicas sem qualidade, o sistema federativo brasileiro exige uma reforma na Constituição para atender às necessidades dos filhos dos 50% mais pobres. No Brasil, o federalismo tem mais força do que o interesse nacional de oferecer uma escola com o mesmo padrão de qualidade a todas as crianças brasileiras. Um governo que deseje fazer um programa para a pobreza tem que apresentar um projeto de reforma constitucional, de maneira a tornar obrigatória para o Estado brasileiro a garantia de vagas para todas as crianças e jovens brasileiros com idade entre 4 e 18 anos; e determinar como obrigação dos pais a matrícula e comparecimento às aulas dos filhos entre 6 e 17 anos. Para evitar que os pobres tenham a desculpa da necessidade dos filhos trabalharem, o governo terá que pagar Bolsa-Escola a suas famílias.

Esta obrigação não exigirá nenhum investimento inicial, porque as escolas já existem, os professores já estão lá, a nova lei apenas transforma a necessidade, do aluno na calçada da escola, sem direito de nela entrar, em uma demanda, do aluno dentro da escola, mesmo que em condições precárias no primeiro momento. Essa demanda, imediatamente pressionará o Brasil, estados, municípios e união a oferecerem crescente apoio para que a escola seja para todos, e todas com a máxima qualidade.

2. Federalização da educação básica: A Constituição de 1824 previa que a educação básica seria gratuita e garantida pela Coroa em todo o território, para todas as crianças, exceto, obviamente, os filhos de escravos. Em 1827, a lei que regulamentava esta intenção constitucional propunha a criação de escolas nacionais de primeiras letras, em todas as cidades. Na primeira reforma da lei constitucional, essa obrigação passou para os estados e municípios. A chamada Constituição Cidadã de 1988 manteve o total abandono da educação básica para os estados e municípios, embora garantindo a federalização das escolas técnicas que servem ao sistema industrial e das universidades que formam os filhos da elite. Em 1996, com o Fundef, o governo do presidente Fernando Henrique, pelas mãos do ministro Paulo Renato, deu um tímido passo no sentido da federalização, ao apoiar com recursos federais os salários e os demais gastos de escolas nas cidades mais pobres. Além de tímida nos seus objetivos, valor e abrangência geográfica, a lei nunca foi cumprida integralmente. O Governo Lula não avançou nem um milímetro no que o governo anterior deixou e, em alguns momentos, regrediu nos gastos feitos pelo Fundef. O resultado é que no Brasil, diferentemente de todos os outros países, a escola não é um instrumento de construção da identidade nacional, mas um instrumento de desigualdade, porque dependendo da cidade em que nascer, a criança terá uma educação melhor ou pior, ou nenhuma.

Para abolir a exclusão, a União precisa intervir no processo de educação básica, assegurando por lei e com recursos federais: um piso salarial satisfatório para todos os professores, um curriculum mínimo obrigatório para todas as escolas, regras de garantia dos equipamentos básicos mínimos para cada escola, incluindo as edificações, as bibliotecas e os laboratórios.

O caminho para isso é a transformação do Fundef tímido em um Fundeb ambicioso, que permita garantir com recursos federais os objetivos centrais da educação de todos os brasileiros, independentemente de onde nasce e da família em que nasce.

3. Lei de Responsabilidade Educacional: O Brasil deu um grande passo administrativo quando criou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000). Mas, não a completou com uma necessária lei de responsabilidade educacional. O resultado é que, no Brasil, um prefeito fica inelegível ou vai até preso se não pagar suas dívidas com os bancos, mas não sofre qualquer restrição se tirar bancas das escolas de seus municípios, se não garantir escola com qualidade para as crianças de seu município. Se não pagar pontualmente ao banco, vai preso, se não pagar bem aos professores, não tem qualquer punição prevista em lei.

O Brasil precisa de uma lei que obrigue cada prefeito, sob o risco de perder seu mandato e até ser preso, se não apresentar e cumprir durante seu mandato os objetivos determinados pelo Plano Nacional de Educação e outros objetivos que permitam avançar no que o Plano prevê, como: abolição do analfabetismo de adultos, garantia de vaga nas escolas a partir dos quatro anos de idade, até o final do ensino médio. A Lei de Responsabilidade Educacional não deve se limitar aos governantes. A boa educação depende do Estado, da escola, do professor, da família e da mídia. Por isso, a LRE dos governantes deve vir acompanhada de Leis de Responsabilidade das escolas, dos professores, das famílias e da mídia.

Com apenas programas de incentivos sociais podemos, em menos de duas décadas, mudar radicalmente a situação social brasileira.

1. Bolsa-Escola: o conceito da Bolsa-Escola é o mais amplo e mais conhecido destes incentivos sociais. Consiste em empregar mães pobres para serem fiscais garantidoras da freqüência de seus filhos à escola. Com o nome de Bolsa-Escola, esse incentivo social foi levado a todo o Brasil pelo governo FHC, e com diferentes nomes, entre eles Bolsa-Família, vem sendo mantido pelo Governo Lula. Mas esse programa tem tido três defeitos que o impedem de dar o salto social de que o Brasil precisa:

• paga um valor muito baixo;

• não exige com rigor a freqüência dos beneficiados às aulas;

• não conta com a necessária qualidade da escola pública, de forma a deixar um resultado concreto na educação das crianças.

Um programa eficiente de Bolsa-Escola deverá pagar um valor básico de meio salário-mínimo em média a cada família, e exigir com o máximo rigor a freqüência às aulas e ser complementado com medidas que assegurem a melhoria na qualidade da escola.

Para isso, seria necessário um gasto anual de R$ 7,8 bilhões dos quais R$ 6 bilhões já estão previstos no orçamento para o Bolsa-Família. Com o valor médio de meio salário-mínimo, a Bolsa-Escola pode ser considerada uma forma de emprego às mães para que elas “trabalhem” como fiscais da freqüência às aulas de seus filhos.

2. Piso salarial e aumento no salário médio dos professores: um programa brasileiro para a erradicação da pobreza passa pelo aumento nos salários dos professores do ensino básico, condição principal da melhoria na qualidade da educação. Para dobrar este salário, atualmente em R$ 530 por mês, elevando-o para mil reais, o caminho seria a garantia pelo governo federal de um piso salarial para todos os quase dois milhões de professores municipais e estaduais das escolas públicas. O piso federal mensal médio de R$ 500 seria diferenciado, tanto maior quanto menor fosse a renda média das cidades. Esse programa, o mais caro dos incentivos sociais necessários para a abolição da pobreza, custaria R$13 bilhões por ano.

3. Formação dos professores e certificação federal: a qualidade da educação passa também pela boa formação dos professores. Ao garantir um piso salarial federal médio, o governo federal teria a possibilidade e o direito de vincular este piso à exigência de formação dos professores. Para isso, faria um concurso anual com os professores que se submetessem a um programa de formação e fossem aprovados, recebendo um Certificado Federal e tornando-se aptos a receberem o piso salarial. O custo deste programa de formação, dividido entre o governo federal e os estaduais e municipais custaria no máximo R$ 500 milhões, para até 200 mil professores a cada ano. Esse programa geraria algumas dezenas de milhares de empregos e transferiria recursos para as universidades, encarregadas de parte da formação dos professores.

4. Equipamento de escolas: um intenso programa de equipamento das 180 mil escolas brasileiras, incluindo recuperação de seus edifícios, no prazo de cinco anos, custaria um total anual de R$ 500 milhões. O equipamento das escolas dinamizará o setor de construções, permitirá o fortalecimento da indústria de computadores, televisão, audiovisuais em geral, criando dezenas de milhares de empregos

5. Poupança-Escola: a Bolsa-Escola assegura a freqüência dos alunos à escola ao longo dos meses, mas, para garantir sua permanência até o final do ensino médio, é necessário adotar o programa Poupança-Escola, já testado, pelo qual o governo deposita um valor anual em caderneta de poupança, no final do ano, a cada criança, das beneficiadas pela Bolsa-Escola, se ela for aprovada e passar de ano letivo. A poupança fica depositada e só será liberada se e quando a criança concluir o ensino médio. Um programa Poupança-Escola no valor de meio salário mínimo por ano para todas as crianças beneficiárias da Bolsa-Escola custaria um total de R$ 1,3 bilhão, mas só deverá ser liberado quando estas crianças começarem a concluir o ensino médio. Os benefícios desta conclusão superam em muito o valor que seria gasto, porque o custo de manter uma criança repetente representa um valor muito maior do que o depósito realizado na conta-poupança do aluno aprovado. Enquanto o depósito não é liberado, dentro de anos, não há necessidade de desembolso real para esse programa.

6. Abolição do analfabetismo: nenhum país deveria ter ainda adultos sem qualquer educação, em pleno século XXI, ainda menos o Brasil, pelo nível de renda que já dispõe e pelo fato de que nossa bandeira republicana não é reconhecida por milhões de brasileiros porque não sabem ler “ordem e progresso”. Poucas coisas envergonham mais o Brasil, reduzem mais a eficiência de suas economia e sociedade do que o analfabetismo. Um programa para a sua abolição – incluindo o custo de R$ 90 por aluno, a ser pago à entidade alfabetizadora, e um benefício, também de R$ 90, como uma Bolsa-Alfa, para cada analfabeto no dia em que aprender a ler – custaria R$ 675 milhões por ano, para alfabetizar os 15 milhões de brasileiros adultos em quatro anos.

Estimativas do impacto da alfabetização sobre os rendimentos no mercado de trabalho indicam que a alfabetização eleva os salários em 41% e a remuneração dos analfabetos ocupados representaria um aumento na renda nacional de R$ 5,6 bilhões por ano. A insuficiência de renda da população pobre é de R$ 21 bilhões por ano, a erradicação do analfabetismo reduziria essa insuficiência em 7% (R$ 1,4 bilhões/ano). A insuficiência de renda da população extremamente pobre é de R$ 4,4 bilhões por ano, a erradicação do analfabetismo reduziria essa insuficiência em 9% (0,4 bilhões/ano).

7. Implantação do horário integral: uma educação de qualidade não se faz com apenas quatro horas de atividades educacionais por dia. Uma educação decente exige horário integral para todas as crianças brasileiras. Para isso, é preciso um programa de investimentos anuais adicionais que possam aos poucos levar o horário integral a todas as 180.000 escolas brasileiras, até 2015, ou, no máximo em 2022, no ano do segundo centenário da independência do Brasil. Isto exigiria um custo adicional entre R$ 1 e R$ 2 bilhões por ano.

8. Recuperação da universidade brasileira: não há superação da pobreza sem uma universidade eficiente na formação do pes-soal necessário especialmente nas áreas de saúde, educação, engenharia e ciências. O programa nacional de abolição da pobreza exige um financiamento de até R$ 600 milhões por ano às universidades, com a condição de que tais recursos sejam investidos nas áreas universitárias com impacto social. Além disso, não há desenvolvimento nacional sem uma universidade moderna, eficiente e isso exige um investimento anual de cerca de R$ 1 bilhão a mais nos próximos anos.

O custo possível

O custo de todas estas metas ficam ao redor de R$ 25 bilhões por ano, o que significará um acréscimo de menos de 50% nos gastos atuais totais com educação pelos estados, municípios e União. O equivalente a apenas 1,5% da renda nacional, menos de 5% da renda do setor público. Este custo não representa o verdadeiro desembolso, uma vez que ele provoca um imediato retorno de parte dele com receita fiscal e um retorno fiscal decorrente do crescimento econômico induzido pelo gasto público. O custo líquido, inferior a R$ 15 bilhões está dentro das possibilidades do Brasil, se houver vontade política nacional para realocar os recursos orçamentários, que não precisariam ser investidos imediatamente. Todos eles podem ter um cronograma de crescimento ao longo dos próximos anos, especialmente o maior deles, responsável por quase a metade do custo total, com elevação dos salários e formação dos professores da rede pública, com recursos de origem federal.

O Fundo Independência

No caso em que o egoísmo das classes privilegiadas brasileiras não estiverem dispostas a fazer estes investimentos com base em simples realocação dos recursos disponíveis no orçamento, o Brasil pode perfeitamente recorrer ao mesmo instrumento utilizado atualmente para financiar obras de infra-estrutura: o lançamento de títulos que permitam cobrir os gastos de um fundo para o salto educacional brasileiro. Um fundo que se auto-pagará com a rentabilidade social advinda dos seus investimentos educacionais. Este Fundo poderia ser ressarcido no ano de 2022, data do segundo centenário de nossa Independência, completando o gesto incompleto do 7 de Setembro de 1822, por falta dos necessários investimentos na educação do povo brasileiro.

Nenhum comentário: