segunda-feira, 13 de julho de 2009

A sociedade só reconhece direitos quando está na lei, diz líder LGBT


A sociedade só reconhece direitos quando está na lei, diz líder LGBT

Por Camila Souza Ramos [Quarta-Feira, 8 de Julho de 2009 às 17:32hs]

A procuradora-geral da República, Deborah Duprat, entrou na semana passada com uma arguição no Supremo Tribunal Federal (STF) para que o Estado brasileiro reconheça a união homossexual com os mesmos direitos e deveres de qualquer união heterossexual. Dessa forma, o casal homossexual pode adotar filhos e receber pensão do companheiro em caso de falecimento, o que muitas vezes lhes é negado. Apesar do princípio da igualdade estar assegurado na Constituição, a procuradora entende que é necessário um reconhecimento específico aos homossexuais.

A luta pelo reconhecimento da união homossexual começou em 1995, quando a então deputada federal Marta Suplicy enviou projeto de lei ao Congresso que regulamentava a união de pessoas do mesmo sexo. O projeto sofreu críticas por parte da bancada conservadora do Congresso, alegando que a união não era constitucional.

A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) foi proposta com base em representação do Grupo de Trabalho de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. No estado do Rio de Janeiro já há uma ação semelhante, mas a Advocacia Geral da União (AGU) decidiu ampliar o recurso para o restante do país.

"Seria possível citar as decisões judiciais de diversos tribunais, que se negam a reconhecer como entidades familiares as referidas uniões, e os atos das administrações públicas que não concedem benefícios previdenciários estatutários aos companheiros dos seus servidores falecidos", exemplificou Deborah.

Alexandre Santos, presidente da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo, apoia a postura da procuradora. “Se você tem um casamento com uma pessoa do mesmo sexo, para algumas pessoas isso não existe. A partir do momento em que isso é legalizado, as pessoas começam a respeitar mais essa relação”, afirma.

Ele acredita que, apesar da discriminação ter diminuído inclusive em algumas instituições, como na área da saúde, o amparo legal aos homossexuais afirma o reconhecimento de sua existência e de seus direitos.

Confira a íntegra da entrevista abaixo.


Fórum – Qual a importância do reconhecimento da união homossexual, já que, em tese, a Constituição garante o princípio de igualdade?
Alexandre Santos – A união não é uma garantia que a Constituição consegue abranger. Não tem direitos garantidos aos casais LGBT, nem, por exemplo, quanto à escolha do nome, quanto à adoção, não consegue atender aos direitos quanto à união afetiva. O princípio da igualdade da Constituição existe, mas quando você fala de casamento, ele não é garantido, porque o casal constrói um patrimônio, e quando um companheiro ou companheira morre, os direitos do outro companheiro não existe. É a primeira luta do movimento, que vem desde 1995 com a proposta da Marta (Suplicy). Acho essa medida importantíssima, com certeza. É um passo de cidadania que está se dando porque é o reconhecimento de que somos cidadãos, de que é nosso direito também. Ela entende que a questão não é porque somos LGBT, mas que somos cidadãos e temos que ter direito. Não se pode colocar as questões de preconceito acima de questões de cidadania, porque sem cidadania não se constroi um país de respeito. E o Brasil é o país da diversidade.


Fórum – Na prática, o que pode mudar esse reconhecimento? A sociedade também vai entender melhor a união homossexual?
Alexandre – Acho que a questão não é a sociedade entender. Quando você tem um direito regulamentado, as pessoas respeitam. Se você tem um casamento com uma pessoa do mesmo sexo, para algumas pessoas isso não existe. A partir do momento em que isso é legalizado, começam a respeitar mais essa relação. O reconhecimento legal de que existem esses casais é deixar de ser hipócrita, porque existem há muito tempo. Não dá para falar que não existe casamento homossexual, tem muitas famílias constituídas, o INSS já aceita o sujeito homossexual que tem uma declaração de união para pagar pensão. Mas existem empresas que não estão nem aí. A partir desse reconhecimento, a questão do nome pode avançar, a segurança também.


Fórum – Você acha que essa discriminação, na sociedade e nas instituições, ela tem se tornado menos forte, ou mais camuflada?
Alexandre – Sob um certo ponto de vista, a questão do preconceito é uma questão individual. O número de famílias que você encontra na parada LGBT é muito grande. Acho que a questão não é de aceitação, é respeito ao outro. Tolerar e aceitar são palavras que eu não gosto. Prefiro que me respeitem do que me aceitem. Existem grupos de indivíduos que não aceitam, por isso temos que mostrar que estamos aqui. Mas o preconceito tem diminuído, dá para perceber que não é a sociedade, são alguns indivíduos.

Fórum – Nas instituições, como órgãos públicos, na Justiça, existe uma diferença no tratamento?
Alexandre – No campo da saúde, o atendimento na rede pública melhorou muito, principalmente com pessoas travestidas ou transexuais. No Judiciário, prevalece é a questão machista, não é nem uma questão de preconceito com o LGBT. Quando você tem uma desembargadora, uma procuradora, mulheres tomando essas atitudes, como a desembargadora Maria Berenice Dias, que entendeu e defendeu a causa lá no Rio Grande do Sul (ela aprovou vários reconhecimentos de direitos de casais homossexuais), isso vai mudando a cara do Judiciário. Acredito que vai mudar muito mais.

Fórum – A legislação ainda é falha na garantia dos direitos e dos respeito aos homossexuais? Como está o projeto de lei que pune homofobia?
Alexandre – Essa é uma causa pela qual a gente está batalhando, já está no Senado, mas está complicado de ser votado. Na Constituição, existe o Estado laico, mas isso não impede que os senadores usem a questão religiosa para não aprovar uma lei. Alguns senadores usam a Casa como se fosse uma Igreja para dizer que não podem aprovar uma lei que criminaliza a homofobia. Há pessoas morrendo, apanhando, sendo espancadas, e parece que é normal para essas pessoas, porque, pela religião delas, acredita-se que a homossexualidade é uma aberração, é imoral, é doença.
Se você fizer uma pesquisa, vai ver um número muito grande de pessoas que morreram apenas porque são transexuais. A gente está batalhando por essa lei desde 2006. Quanto à união, a primeira vez que alguém propôs o reconhecimento legal foi em 1995. E precisamos de uma lei porque nosso país é assim, as pessoas só respeitam quando existe uma lei, infelizmente. Acho que a gente poderia viver numa sociedade tranquila se tivesse respeito. O movimento LGBT da Bahia divulgou uma pesquisa que o professor Luis Borges fez e que aponta que a cada dois ou três dias, uma pessoa é assassinada no Brasil simplesmente pelo fato de ser LGBT. Fora o que acontece diariamente, as piadinhas. Tem gente que tem a cara-de-pau de entrar num restaurante e mandar que uma lésbica saia, porque não existe uma lei.

Fórum – Contra que grupo LBGT o preconceito se manifesta mais, mesmo nas instituições?
Alexandre – O segmento LGBT que mais sofre preconceito é das travestis e transexuais, com certeza. Imagine um gay ali, na dele, imagine que uma menina olha para um cara lindo e descobre que ele é gay, ou no caso de uma mulher maravilhosa, toda feminina. Essas pessoas só vão ser entendidas como lésbicas e gays se elas assumirem, e não sofrem tanto preconceito contra aquela mulher mais masculinizada ou aquele gay mais afeminado. Já o travesti e o transexual não têm como se esconder. Imagina uma mulher, com 1,75m, com um cabelão, toda transicionada, entra numa escola, e a escola coloca o nome dela que está no RG, porque o Judiciário ainda não muda o nomeA questão do uso do nome social dentro das escolas, como o qual ela se identifica, ainda é uma questão complicada. Tem escolas que falam “não, o nome dele é o que está no RG”. A questão do uso de banheiro também é complicada, porque coloca em risco a pessoa. Não é só o desejo de usar o banheiro masculino por um homem transexual ou uma mulher transexual querer usar o banheiro feminino. É a questão da segurança. Se você entrar num banheiro de uma escola, geralmente esse banheiro não é perto da diretoria, e alguém pode entrar no banheiro e bater, xingar. A lésbica também enfrenta o medo de ser mal-tratada no banheiro feminino. Ela não vai querer usar o banheiro masculino, porque ela é uma mulher, mas o estereótipo dela a faz sofrer discriminação porque está dentro de um banheiro feminino.

Camila Souza Ramos

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