Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
SAID, E. W. Representações do Intelectual. As conferências Reith de 1993. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
Existe um livro editado em 2005 que parece ter passado um pouco despercebido pela inteligntsia brasileira, trata-se de "Representações do Intelectual" de Edward W. Said. O livro não recebeu a atenção merecida nem pela academia nem pela imprensa especializada, e, portanto, trata-se de um texto fundamental; basilar em tempos de crises de paradigmas. Como o título do livro indica, a temática é justamente a função e a condição do intelectual no tempo presente, e como sua imagem foi representada em tempos passados.
Para lembrar-nos das representações, Said nos lembra de personagens ilustres da literatura universal que representaram de forma magistral a liberdade do intelectual sem filiações: Bazárov de Turguéniev e Stephan Dedalus de Joyce:
“Vou lhe dizer o que farei e o que não farei. Não vou servir àquilo em que não acredito mais, seja meu lar, minha pátria ou minha religião; e tentarei exprimir-me num certo modo de vida ou de arte tão livre e tão plenamente quanto puder, usando em minha defesa as únicas armas que me permito usar: silêncio, exílio e sagacidade.”(JOYCE apud: SAID, E. W. Representações do Intelectual. Conferências Reith de 1993, Cia das Letras:2005. pp.31).
Esta citação parece condensar de forma magistral a defesa do tipo de intelectual defendido por Said; aquele quase impossível de ser encontrado nos dias de hoje; aquele independente, desvinculado e livre de amarras institucionais. Em tempos de utilitarismos burros, tecno-burocracias e especializações radicais não se valoriza mais o livre pensador, o amador, o flâneur - justamente aquele que Said defende:
“Todo mundo hoje professa uma linguagem liberal de igualdade e harmonia para todos. O problema para o intelectual é fazer com que essas noções se relacionem com situações concretas, em que existem uma enorme distância entre o discurso de igualdade e justiça e a realidade bem menos edificante. (pp. 97) [...] Penso, no entanto, que um dever especial do intelectual é criticar os poderes constituídos e autorizados da nossa sociedade, que são responsáveis pelos cidadãos, particularmente quando esses poderes são exercidos numa guerra manifestamente desproporcional e imoral, ou então em programas deliberados de discriminação, repressão e crueldade coletiva.” (pp.100)
Ou seja, para o autor, o intelectual tem que ter a coragem e o desprendimento de falar a verdade ao poder, mesmo que estas palavras resultem-lhe ostracismo, exílio e ou acusações de traição. Para Said profissionalismo e especialização no campo intelectual significam: indiferença e alienação. Por saber das conseqüências desta atitude contestatória e rebelde que ele introduz um belo capítulo sobre o exílio intelectual e os expatriados. É neste capítulo que ele destaca a grandiosidade de espírito que foi Theodor W. Adorno, exemplo de coragem intelectual, e exílio
[1] forçado – que na opinião de Said, outro exilado, sempre – é trágico para qualquer homem, seja ele intelectual ou não. Porém, por causa do exílio Adorno foi capaz de manter uma independência invejável e produzir textos profundos e audazes como aqueles contidos em Mínima Moralia (1953)[2]. Outros exemplos de grandes intelectuais exilados podem ser encontrados: W. Benjamin, e o ainda pouco conhecido no Brasil; Émile Cioran[3], notável pela capacidade de se manter cético, sua audácia e brutalidade críticas. Ou seja, para Said o intelectual verdadeiro é aquele que age e vive a margem do poder, que se torna livre para um ceticismo construtivo fundamental para qualquer tipo de análise intelectual.
Penso que o livro deveria ser leitura obrigatória, sobretudo para sociólogos, historiadores e comunicólogos[4]. Ele é fundamental na medida que ataca de forma clara e precisa qualquer tipo de dogmatismo e preconceito intelectual. Cioran de outro exilado também combateu durante toda sua vida os dogmatismos e teve a coragem ou a loucura de permanecer independente, nos disse: "A inconsciência é uma pátria; a consciência, um exílio." [...] “A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior.” [...] “O verdadeiro saber reduz-se às vigílias nas trevas: só o conjunto de nossas insônias nos distingue dos animais e de nossos semelhantes.” [...] “O momento em que pensamos ter compreendido tudo dá-nos ar de assassinos.” (Émine Cioran)
Penso que o livro deveria ser leitura obrigatória, sobretudo para sociólogos, historiadores e comunicólogos[4]. Ele é fundamental na medida que ataca de forma clara e precisa qualquer tipo de dogmatismo e preconceito intelectual. Cioran de outro exilado também combateu durante toda sua vida os dogmatismos e teve a coragem ou a loucura de permanecer independente, nos disse: "A inconsciência é uma pátria; a consciência, um exílio." [...] “A timidez, inesgotável origem de tantas infelicidades na vida prática, é a causa direta, mesmo única, de toda a riqueza interior.” [...] “O verdadeiro saber reduz-se às vigílias nas trevas: só o conjunto de nossas insônias nos distingue dos animais e de nossos semelhantes.” [...] “O momento em que pensamos ter compreendido tudo dá-nos ar de assassinos.” (Émine Cioran)
Já Said finaliza o libro com a brilhante colocação: "O Intelectual tem de circular, tem de encontrar espaço para enfrentar e retrucar a autoridade e o poder, pois a subserviência inquestionável no mundo de hoje é uma das maiores ameaças a uma vida intelectual ativa, vaseada em princípios de justiça e eqüidade." E finalmente nos avisa: "Qualquer um que tenha sentido a satisfação de ser bem-sucecedido nissso e ao mesmo tempo conseguir manter-se alerta e firme poderá avaliar como essa convergência é rara (aqui ele se refere à integração institucional e a permanência da atividade cética nessessária para um intelectual de verdade). Mas a única forma de alcançar essa convergência é lembrar -se constantemente de que, enquanto intelectual, você tem escolha: representar a verdade de forma ativa e da melhor maneira possível, ou então se permitir, passivamente, ser dirigido por uma autoridade, ou um poder. Para o Intelectual secular, esses deuses sempre falham" (p. 121)
[1] Podemos lembrar de outros intelectuais exilados notáveis como Hannah Arendt, Émile Cioran, Marcuse, Herman Hesse, Cortázar etc. O aspecto trágico do exílio é justamente deixar o sujeito em um “entre-lugar”, onde as identidades – sempre historicamente construídas - são estilhaçadas para sempre. Isso faz parte da dor do exilado, porém permite-lhe uma independência por vezes imprevista, e uma capacidade de alteridade ímpar, diferente daqueles que permanecem estanques em apenas uma identidade e um lugar. Sobre o tema do Exílio existe no Brasil um livro com uma reunião de Ensaios de Said com o Nome “Reflexões sobre o Exílio” lançado em 2003.
[2] Infelizmente ainda não traduzido para o português.
[3] Histoire et Utopie parece ser um livro fundamental para entender este autor.
[4] Não falo para jornalistas pois duvido que ainda exista algum jornalista independente e crítico em um país como Brasil.
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