por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
Hoje a historiografia brasileira, assim como a escrita e desenvolvida nos centros de referência, não se debruça apenas sobre “fatos” e documentos políticos – para construir uma narrativa. Desde as escolas dos “Anais” outros aspectos são também objetos da história. Estes podem ser a cultura, a sociedade, as relações humanas, a alimentação, a arte, as idéias, as representações. O político e o econômico são apenas dois aspectos considerados entre muitos considerados igualmente importantes.
Desde a revolução historiográfica, que representou a Escola dos Analles, algumas ciências humanas tornaram-se parceiras da História, em sua busca em escrever e interpretar o passado. Entre elas estão a sociologia, a política, a antropologia, a filosofia, e principalmente a geografia. Alguns conceitos geográficos são, assim, muito importante para apreendermos as transformações dadas no tempo humano. Entre os conceitos que possibilitam pensar o território brasileiro, encontramos os termos: território, paisagem, espaço, mas também o conceito de rede e meio natural.
Mesmo que o determinismo geográfico tenha, praticamente, sido abolido da História, hoje ao se fazer Historia consideramos todo e qualquer particularismo do meio natural[1], pois estes são fatores fortemente influenciadores na história – mesmo que não sejam considerados mais determinantes. O conceito de território, assim como utilizado por Ratzel, mesmo contendo em sua definição grandes ambigüidades, ainda é utilizado pela história, ao relacionar, segundo as preferências e posições do historiador, território e cultura; território e estado, território e sociedade, território e nação etc. Com freqüência o termo é confundido com estes aspectos, principalmente com a dimensão estatal.
O Estado, por outro lado, é considerado, por meio do instrumental da política e geografia, observado como uma entidade histórica – penso que, artificial, diferente da identidade[2] ou etnicidade de um povo. A preocupação em diferenciar Estado e Território livram, ao meu ver, a historiografia do perigo propagandístico e/ou nacionalista.
Fundamentais, no entanto, são para a história, os conceitos de paisagem e espaço, assim como entendidos por Milton Santos: “A paisagem é o conjunto de forma que num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza.”[3] Está definição é ideal para possibilitar uma análise e interpretação dos vestígios históricos apresentados pela paisagem – por que esta “existe, através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual.”[4]. Para o historiador, a paisagem é um traço, um rastro de luz na escuridão do passado, uma fonte de compreensão das relações econômicas, sociais, políticas, culturais do passado. Já o conceito de espaço nos é importante, pois este é a própria história viva[5], talvez de apreensão impossível para a História, mas passível de ser analisado, registrado e revelado pela geografia, e demais ciências sociais – para que futuramente torne-se “testemunha” para o olhar historiador. Este historiador deverá estar atento para o fato que:
“Os movimentos da sociedade, atribuindo novas funções geográficas, transformando a organização do espaço, criam novas situações de equilíbrio, e ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo movimento. Por adquirirem uma vida, sempre renovada pelo movimento social, as formas – tornadas assim formas-conteúdo – podem participar de uma dialética com a própria sociedade e assim fazer parte da própria evolução do espaço.”[6]
Ou seja, isso quer dizer, de acordo com as noções legadas por Milton Santos que a paisagem só participa da História, quando, por meio da ação humana é transformada em espaço.
As formulações de Marcelo Escolar também são de capital importância para o historiador. Em seu texto “Território de dominação estatal e fronteiras nacionais: a mediação geográfica da representação e da soberania política”[7] esclarece-nos ao tratar da ambigüidade de termos referentes ou similares à Nação, País etc. Por meio de sua explanação pode-se perceber o quão artificiais e restritivas são algumas delimitação metodológicas referentes à classificações geográfica – principalmente aquelas de caráter político.
Assim, podemos-se questionar algumas delimitações - geralmente consagradas - como por exemplo: história do Brasil, história da América, História da Ásia etc. Quando debruçamo-nos de forma atenta sobre a história e formação brasileiras – temos que observar e diferenciar as esferas identitárias: culturais, social, étnica e estatal – o aspecto rizomático[8] deste desenvolvimento. Logo percebemos que a formação brasileira não esteve isenta de relações com outras áreas geográficas (Europa, África e Ásia), e limitar nossa visão histórica ao que hoje é o Brasil além de ser anacrônico empobreceria e reduziria a análise de qualquer processo histórico. É por isso, como nos lembra bem Escolar, que ao nos debruçarmos sobre a esfera política da formação brasileira temos de observar em três escalas: estatal-nacional, supra-estatal-nacional, e infra-estatal-nacional. Ou seja, deve-se também, além da esfera nacional, considerar-se o caráter supra-nacional e infra-nacional (macro e micro) das relações entre os homens ao longo da passagem do tempo.
Assim, o conceito geográfico de rede passa também a adquirir uma grande importância para o historiador, ao entender-se que “as redes, entendidas neste contexto como redes geográficas, são os nós criados e fixados pela sociedade no espaço terrestre. (...) São os nós articulados entre si por vias e fluxos, que podem ser materiais ou imateriais, instantâneos ou lentos, de âmbito local, regional, nacional ou global, entre outros atributos.”[9]. No caso brasileiro, podemos afirmar com certeza que as redes – econômicas, políticas, sociais, e comunicacionais - estão presentes desde o século XVI, e foram determinantes em nosso desenvolvimento histórico.
Podemos finalmente afirmar, que grande parte dos conceitos desenvolvidos pela geografia fornecem arsenal teórico para o historiador melhor desenvolver seu trabalho de interpretação e escritura históricos.
[1] Vale lembrar que a natureza foi parte fundamental da ideologia que forjou a identidade nacional, e que mesmo hoje ainda os elementos naturais são usados como elemento que agregador de todos os brasileiros – das diversas e dispares regiões nacionais.
[2] Apesar disto, sobre a identidade brasileira, Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, afirma que esta nasceu da confluência (e miscigenação) de povos de cultura, religião e modelos de sociedade diferentes (negros, índios e brancos), formando assim uma nova etnia - a etnia brasileira: “Mais que uma simples etnia, porém o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado (...) os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado-único”. Ele afirma ainda que no Brasil: “Essa unidade resultou de um processo continuado de violência de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista.” DARCY, Ribeiro, O povo brasileiro : a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
[3] SANTOS, M. A natureza do espaço, São Paulo, Hucitec, 1996, p.83.
[4] Idem, p. 84
[5] É por isso que Deleuze e Guattari afirmam criticando alguns modos de fazer história estritamente “ históricos”: “O que a História capta do acontecimento é a sua efetuação em estados de coisas ou no vivido, mas o acontecimento em seu devir, em sua consistência própria, em sua autoposição como conceito, escapa à História. Os tipos psicossociais são históricos, mas os personagens conceituais são acontecimentos. A história não é a experimentação, ela é somente o conjunto das condições quase negativas que tornam possível a experimentação de algo que escapa à história. Sem história, a experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a experimentação não é histórica, ela é filosófica.” DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. pp.143
[6] SANTOS, M, p. 86.
[7]ESCOLAR, M. Territórios de dominação estatal e fronteiras nacionais: a mediação geográfica da representação da soberania política IN: SANTOS, M. e outros. Fim de século e globalização, São Paulo: Hucitec/Anpur, p. 83-102.
[8] De acordo com Roberto Lobato Corres: “A circulação de mercadorias e pessoas apresenta, em realidade, uma historicidade redefinida a cada momento, resultado de uma combinação da qual participam, com pesos distintos, aspectos econômicos, políticos e tecnológicos.” CORREA, R. L. “Logística do espaço brasileiro: as redes geográficas” IN: Atals nacional do Brasil, RJ: IGBE, 2000.
[9] Idem, p. 27
Desde a revolução historiográfica, que representou a Escola dos Analles, algumas ciências humanas tornaram-se parceiras da História, em sua busca em escrever e interpretar o passado. Entre elas estão a sociologia, a política, a antropologia, a filosofia, e principalmente a geografia. Alguns conceitos geográficos são, assim, muito importante para apreendermos as transformações dadas no tempo humano. Entre os conceitos que possibilitam pensar o território brasileiro, encontramos os termos: território, paisagem, espaço, mas também o conceito de rede e meio natural.
Mesmo que o determinismo geográfico tenha, praticamente, sido abolido da História, hoje ao se fazer Historia consideramos todo e qualquer particularismo do meio natural[1], pois estes são fatores fortemente influenciadores na história – mesmo que não sejam considerados mais determinantes. O conceito de território, assim como utilizado por Ratzel, mesmo contendo em sua definição grandes ambigüidades, ainda é utilizado pela história, ao relacionar, segundo as preferências e posições do historiador, território e cultura; território e estado, território e sociedade, território e nação etc. Com freqüência o termo é confundido com estes aspectos, principalmente com a dimensão estatal.
O Estado, por outro lado, é considerado, por meio do instrumental da política e geografia, observado como uma entidade histórica – penso que, artificial, diferente da identidade[2] ou etnicidade de um povo. A preocupação em diferenciar Estado e Território livram, ao meu ver, a historiografia do perigo propagandístico e/ou nacionalista.
Fundamentais, no entanto, são para a história, os conceitos de paisagem e espaço, assim como entendidos por Milton Santos: “A paisagem é o conjunto de forma que num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza.”[3] Está definição é ideal para possibilitar uma análise e interpretação dos vestígios históricos apresentados pela paisagem – por que esta “existe, através de suas formas, criadas em momentos históricos diferentes, porém coexistindo no momento atual.”[4]. Para o historiador, a paisagem é um traço, um rastro de luz na escuridão do passado, uma fonte de compreensão das relações econômicas, sociais, políticas, culturais do passado. Já o conceito de espaço nos é importante, pois este é a própria história viva[5], talvez de apreensão impossível para a História, mas passível de ser analisado, registrado e revelado pela geografia, e demais ciências sociais – para que futuramente torne-se “testemunha” para o olhar historiador. Este historiador deverá estar atento para o fato que:
“Os movimentos da sociedade, atribuindo novas funções geográficas, transformando a organização do espaço, criam novas situações de equilíbrio, e ao mesmo tempo novos pontos de partida para um novo movimento. Por adquirirem uma vida, sempre renovada pelo movimento social, as formas – tornadas assim formas-conteúdo – podem participar de uma dialética com a própria sociedade e assim fazer parte da própria evolução do espaço.”[6]
Ou seja, isso quer dizer, de acordo com as noções legadas por Milton Santos que a paisagem só participa da História, quando, por meio da ação humana é transformada em espaço.
As formulações de Marcelo Escolar também são de capital importância para o historiador. Em seu texto “Território de dominação estatal e fronteiras nacionais: a mediação geográfica da representação e da soberania política”[7] esclarece-nos ao tratar da ambigüidade de termos referentes ou similares à Nação, País etc. Por meio de sua explanação pode-se perceber o quão artificiais e restritivas são algumas delimitação metodológicas referentes à classificações geográfica – principalmente aquelas de caráter político.
Assim, podemos-se questionar algumas delimitações - geralmente consagradas - como por exemplo: história do Brasil, história da América, História da Ásia etc. Quando debruçamo-nos de forma atenta sobre a história e formação brasileiras – temos que observar e diferenciar as esferas identitárias: culturais, social, étnica e estatal – o aspecto rizomático[8] deste desenvolvimento. Logo percebemos que a formação brasileira não esteve isenta de relações com outras áreas geográficas (Europa, África e Ásia), e limitar nossa visão histórica ao que hoje é o Brasil além de ser anacrônico empobreceria e reduziria a análise de qualquer processo histórico. É por isso, como nos lembra bem Escolar, que ao nos debruçarmos sobre a esfera política da formação brasileira temos de observar em três escalas: estatal-nacional, supra-estatal-nacional, e infra-estatal-nacional. Ou seja, deve-se também, além da esfera nacional, considerar-se o caráter supra-nacional e infra-nacional (macro e micro) das relações entre os homens ao longo da passagem do tempo.
Assim, o conceito geográfico de rede passa também a adquirir uma grande importância para o historiador, ao entender-se que “as redes, entendidas neste contexto como redes geográficas, são os nós criados e fixados pela sociedade no espaço terrestre. (...) São os nós articulados entre si por vias e fluxos, que podem ser materiais ou imateriais, instantâneos ou lentos, de âmbito local, regional, nacional ou global, entre outros atributos.”[9]. No caso brasileiro, podemos afirmar com certeza que as redes – econômicas, políticas, sociais, e comunicacionais - estão presentes desde o século XVI, e foram determinantes em nosso desenvolvimento histórico.
Podemos finalmente afirmar, que grande parte dos conceitos desenvolvidos pela geografia fornecem arsenal teórico para o historiador melhor desenvolver seu trabalho de interpretação e escritura históricos.
[1] Vale lembrar que a natureza foi parte fundamental da ideologia que forjou a identidade nacional, e que mesmo hoje ainda os elementos naturais são usados como elemento que agregador de todos os brasileiros – das diversas e dispares regiões nacionais.
[2] Apesar disto, sobre a identidade brasileira, Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, afirma que esta nasceu da confluência (e miscigenação) de povos de cultura, religião e modelos de sociedade diferentes (negros, índios e brancos), formando assim uma nova etnia - a etnia brasileira: “Mais que uma simples etnia, porém o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado (...) os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado-único”. Ele afirma ainda que no Brasil: “Essa unidade resultou de um processo continuado de violência de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista.” DARCY, Ribeiro, O povo brasileiro : a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
[3] SANTOS, M. A natureza do espaço, São Paulo, Hucitec, 1996, p.83.
[4] Idem, p. 84
[5] É por isso que Deleuze e Guattari afirmam criticando alguns modos de fazer história estritamente “ históricos”: “O que a História capta do acontecimento é a sua efetuação em estados de coisas ou no vivido, mas o acontecimento em seu devir, em sua consistência própria, em sua autoposição como conceito, escapa à História. Os tipos psicossociais são históricos, mas os personagens conceituais são acontecimentos. A história não é a experimentação, ela é somente o conjunto das condições quase negativas que tornam possível a experimentação de algo que escapa à história. Sem história, a experimentação permaneceria indeterminada, incondicionada, mas a experimentação não é histórica, ela é filosófica.” DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. O que é a Filosofia? Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997. pp.143
[6] SANTOS, M, p. 86.
[7]ESCOLAR, M. Territórios de dominação estatal e fronteiras nacionais: a mediação geográfica da representação da soberania política IN: SANTOS, M. e outros. Fim de século e globalização, São Paulo: Hucitec/Anpur, p. 83-102.
[8] De acordo com Roberto Lobato Corres: “A circulação de mercadorias e pessoas apresenta, em realidade, uma historicidade redefinida a cada momento, resultado de uma combinação da qual participam, com pesos distintos, aspectos econômicos, políticos e tecnológicos.” CORREA, R. L. “Logística do espaço brasileiro: as redes geográficas” IN: Atals nacional do Brasil, RJ: IGBE, 2000.
[9] Idem, p. 27
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