sábado, 1 de novembro de 2008

Viver verdadeiramente é recusar os outros; para aceitá-los, é preciso saber renunciar, violentar-se, agir contra sua própria natureza, enfraquecer-se; só se concebe a liberdade para si mesmo: ao próximo só a concedemos a duras penas; daí a precariedade do liberalismo, desafio a nossos instintos, êxito breve e miraculoso, estado de exceção oposto a nossos imperativos profundos... Função de um ardor extinto, de um desequilíbrio, não por excesso, mas por falta de energia, a tolerância não pode seduzir os jovens... Dê aos jovens a esperança ou a ocasião de um massacre e eles lhe seguirão cegamente.- História e Utopia

O burguês não crê em nada, é um fato; mas é esse, se pode-se dizer, o lado positivo de seu vazio, já que a liberdade só pode manifestar-se no vazio de crenças, na ausência de axiomas, e só aí onde as leis não têm mais autoridade que uma hipótese. Se me dissessem que o burguês crê, entretanto, em algo, pois o dinheiro desempenha para ele a função de um dogma, eu replicaria que esse dogma, o mais terrível de todos, é, por estranho que pareça, o mais suportável para o espírito. Perdoamos aos outros suas riquezas se, em troca, nos deixam a liberdade de poder morrer de fome a nosso modo.- História e Utopia

No curso dos tempos, a liberdade ocupa tantos instantes quanto o êxtase na vida de um místico. Ela nos escapa no momento mesmo em que tentamos apreendê-la e formulá-la: ninguém pode desfrutar dela sem tremor. Desesperadamente mortal, desde que se instaura postula sua ausência de futuro e trabalha, com todas suas forças minadas, para sua negação e sua agonia. Não há algo de perverso em nosso amor por ela? - História e Utopia

Conhecer a nós mesmos é identificar o motivo sórdido de nossos gestos, o inconfessável inscrito em nossa substância, a soma de misérias patentes ou clandestinas das quais depende nossa eficácia. Tudo o que emana das zonas inferiores de nossa natureza está investido de força, tudo o que vem de baixo estimula: produzimos e rendemos mais por inveja e rapacidade do que por nobreza e desinteresse. - História e Utopia

O que é certo é que o princípio de expansão, imanente à nossa natureza, nos faz olhar os méritos dos outros como uma usurpação dos nossos, como uma contínua provocação. Se a glória nos é vedada, ou inacessível, acusamos aqueles que a alcançaram porque pensamos que a obtiveram nos roubando: ela nos cabia de direito, nos pertencia, e sem as maquinações desses usurpadores teria sido nossa. “Bem mais que a propriedade, é a glória que é um roubo”, ladainha do amargurado e, até certo ponto, de todos nós.- História e Utopia


A capacidade de desistir constitui o único critério do progresso espiritual: não é quando as coisas nos abandonam, mas quando nós as abandonamos que atingimos a nudez interior, esse extremo em que já não pertencemos mais nem ao mundo nem a nós mesmos, extremo no qual vitória significa demitir-se, renunciar com serenidade, sem remorsos e, sobretudo, sem melancolia; pois a melancolia, por discretas e etéreas que sejam suas aparências, implica ainda ressentimento; é um devaneio carregado de agrura, uma inveja disfarçada de languidez, um rancor vaporoso. - História e Utopia
Emil Cioran

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