domingo, 25 de janeiro de 2009

Vico e a interpretação de Collingwood


Por Augusto Patrini-Menna-Barreto-Gomes


Historiador – USP, Brasil.



1. Introdução histórico-identitária:


O fazer historiográfico é hoje uma forma de conhecimento aberta. A maioria dos historiadores deve ter consciência de seu lugar e sua subjetividade. O passado já pode ser encarado, por meio dos vestígios e memórias - em suas formas mais polissêmicas e plurais. Atualmente a escolha do documento histórico expandiu-se para uma ampla gama de atividades humanas, ampliando-se as fronteiras e as possibilidades. Hoje não somente a economia e a política inscritas nesta rede documental são objetos da reflexão historiográfica, mas também os aspectos culturais e intelectuais do passado. Talvez um dos objetivos do fazer histórico, não é mais como pensam ainda alguns revelar o passado por meio de vestígios históricos ou revelar várias formas possíveis deste passado – encarado assim de forma unidimensional, mas, sim fazer refletir de forma crítica e consciente sobre o passado, o tempo e seus vestígios – admitindo-se as limitações e possibilidades desta forma de conhecimento. Assim sendo penso tanto melhor a historiografia e os historiadores que se aproximem de outras formas de conhecimento, em especial da filosofia e da semiologia etc. Hoje há clareza entre a maioria dos historiadores que há uma diferença entre as palavras e as coisas, assim como entre o passado vivo e suas representações historiográficas. Assim a História não têm mais direção, começo nem fim; abandonou as tentativas de se estabelecer causalidades totalizantes, ou tentativas positivistas – deterministas ou evolucionistas, assim como esquemas lineares, e cíclicos. Assim o discurso historiográfico ganha em pluralidade e complexidade.


Outra função do fazer histórico, importantíssima, é certamente refletir sobre as concepções de tempo, e sobre as idéias, já que podemos admitir que as idéias são tão atuantes no mundo material como reveladoras deste. Assim, é preciso que em história faça-se uma crítica das formas positivistas, evolucionistas unidimensionais e dogmáticas das formas de encarar e representar o tempo passado, assim como representar e construir o saber histórico. As idéias, e os diversos pensadores que pensaram o tempo são fonte riquíssima para se realizar tal crítica. Apresentando, e refletindo sobre eles, podemos refletir sobre a forma como pensamos, realizamos e saber histórico. São tantos os pensadores que se debruçaram sobre o tempo, e assim são tantas as formas de fazer, e refletir sobre o tempo histórico. Como disse Foucault: “É preciso saber reconhecer os acontecimentos da História, seus abalos, suas surpresas, as vacilantes vitórias, as derrotas mal digeridas [...] A História com suas intensidades, seus desfalecimentos, seus furores secretos, suas grandes agitações febris como suas simcopes, é o próprio corpo do devir. É preciso ser metafísico para lhe procurar uma alma.”[1]



Giambattista Vico (1668-1774) é considerado hoje um dos pioneiros da reflexão moderna sobre o tempo histórico ou das Teorias da História. A forma como pensou o tempo, no livro “A ciência Nova” é original e pioneira. A história ideal eterna é, em seu tempo, uma forma nova da de concepção temporal e histórica. Sua trajetória biográfica é das mais especiais, porém não me cabe aqui comentá-la, já que penso que muitas outras pessoas participantes desta “jornada” o farão. Entretanto, seria importante lembrar alguns pontos para aqueles que conhecem pouco de suas reflexões sobre o tempo histórico, para então passar para alguns comentários sobre seus interpretes contemporâneos. O pensamento de Vico apresenta uma ambigüidades e complexidades e é bastante peculiar, pois se desenvolveu em oposição ao racionalismo “cartesiano”, contudo fez parte do que hoje poderíamos chamar de “iluminismo”. Talvez meu comentários iniciais pareçam um pouco simplistas para os filósofos aqui presentes, peço, assim desculpas de antemão, por qualquer simplificação que lhes pareça grosseira.


Seu pensamento sobre o tempo histórico é marcado pela crença na possibilidade em traçar paralelos entre a História e as mais variadas “nações” humanas. Sua concepção de tempo histórico era cíclica, marcada por uma teoria em que estabelecia “classificações” entre eras. Estas eras eram: a era religiosa – marcada pela preponderância da religião; a era heróica – marcada pelo despotismo, guerras e violência; e a era dos homens – marcada pela utilização da razão e da preponderância dos homens. Esta última era também seria o começo da decadência de um ciclo, marcando assim que sua visão cíclica do tempo histórico não era fechada, mas aberta. Se fizéssemos um paralelo geométrico o tempo em Vico seria marcado não por um arco, mas por uma espiral.


Arrisco, já que minha formação não é em filosofia, em afirmar que talvez sua compreensão teórica do tempo aproximava-se mais daquelas orientais ou ainda daquelas de Shelling ou Fitche. Se minha formação permitisse, eu poderia mesmo traçar alguns paralelos ou influências de sua teoria em pensadores posteriores como Hegel, Marx, Comte e Spengler, uma vez que para estes pensadores o tempo histórico é marcado por um desenvolvimento processual, que pode ser interpretado como cíclico, e que culminariam em uma fase final – o Estado prussiano para Hegel, a sociedade positiva para Comte, o comunismo e a ditadura do proletariado para Marx, e a decadência do ocidente para Oswald Spengler. Entretanto, como não tenho longa formação em filosofia, estas seriam apenas suposições talvez bastante temerárias.


Para Vico, entretanto, do mesmo modo que o mundo natural é concreto, o mesmo acontece com o mundo social – ou seja, a realidade do mundo social é a História. Como nos esclarece o professor Humberto Guido, para Vico, eu cito: “A ciência social permite o conhecimento do ato de criação do mundo civil, porque é a mente humana que incessantemente cria este mundo, por isso com propriedade o mundo histórico é o mundo das mentes humanas ou o mundo metafísico”.[2] Para ele, é claro não seria possível pensar a ciência sem método. Cito mais uma vez o professor Guido, para Vico: “A Filosofia orienta a arte da escavação do terreno da memória, que esconde no seu interior os registros do passado. [...] A memória para Vico é a mentalidade comum da humanidade que promove a imanência do passado no presente, preservando os valores sociais que sustentam a sociedade humana, assim como os mitos gregos sustentaram por um determinado período a sua sociedade. [...] (...) O advento da ciência, a qual faz surgir um novo ordenamento das coisas humanas. ”[3] Entretanto, para Vico, parece ser inviável ao homem moderno, penetrar completamente no pensamento humano primitivo, pois este seria marcado por um caráter poético incompressível para as “nossas mentes civilizadas.” Ou seja para ele, quem pretende tentar realizar este empreendimento arriscado – desvelar o pensamento do homem do passado - deve estar ciente que o fará a partir de seu próprio tempo e própria mente.



2. R. G. Collingwood (1889 - 1943)


Para Collingwood, filosofo e historiador, professor de filosofia metafísica na universidade de Oxford, influenciado por Croce, Kant e Vico. Em seu livro A idéia de História, ele nos apresenta Vico como um pensador e historiador anticartesiano, que tentou formular um método histórico, assim como Bacon o havia feito para o método cientifico. Nesta tenta, segundo Collingwood entrou em choque com o pensamento cartesiano, que para ele só poderia ser aplicado à Matemática, e desta forma afirmou que o critério da verdade, não é um postulado “claro e distinto”, mas “subjetivo e psicológico”. Collingwood afirma a propósito desta formulação de Vico: “O fato de eu considerar as minhas idéias claras e distintas só prova que eu acredito nelas, não que são verdadeiras.” E ainda: “Qualquer idéia, diz Vico, ainda que falsa, pode convencermos pela sua aparente auto-evidência – e nada fácil do que considerar auto-evidentes as nossas convicções, quando, na verdade São ficções infundamentadas, atingidas por meio de argumentação sofística.” Assim, Collinwood lembra-nos da convergências destas idéias de Vico com aquelas de Hume, explicando-nos que Vico buscava um principio que permitisse diferenciar aquilo que pode ser conhecido do que não pode. Ou seja, Vico buscava uma doutrina que encontrasse limites para o conhecimento humano – e por isso chega à hipótese verun et factum convertuntur – ou “O que é verdadeiro e o que está feito equivalem-se”. Isso quer dizer, que somente pode-se conhecer aquelas coisas que tenham sido criadas. Para Collingwood este postulado, verum-factum, permite à Vico concluir que a História é uma forma de conhecimento feita exclusivamente pelo espírito humano, e apta a ser um conhecimento em sentido pleno.


No que diz respeito à compreensão de História Collingwood destaca que Vico encarava o tempo histórico como um processo – durante o qual o homem “elaboram variados sistemas de linguagem, costumes, leis, governo. A história seria, pois a história da gênese e de seu desenvolvimento. Collingwod destaca a modernidade desta compreensão, as ações históricas do homem não encontram antítese nas ações divinas. Assim como lembra que o sistema histórico de Vico não era prefixado, nem fechado, sem ter em si uma pré-determinação – já que é completamente humano. Desta forma para ele é manifesto que Vico via no Homem o centro e ator único da História – e isto é particularmente moderno e inovador. Por outro lado para Vico, a História podia ser plenamente conhecida pelo homem, já que é um factum somente humano. Para Collingwood o historiador poderia, segundo Vico, “reconstituir , no seu espírito, o processo que as coisas foram criadas” – o fato do historiador ser também um Homem lhe da capacidade de captar uma “harmonia” comum – permitindo o entendimento dos documentos e vestígios históricos. Esta idéia é como destaca Collingwood profundamente anti-cartesiana, pois contradiz a “estrutura” deste pensamento: cético – que vê uma relação entre as idéias e as coisas. Para Vico, quando se pensa a forma de conhecimento histórico nem se podia estabelecer tal inferência, pois para ele a História não diz respeito ao passado mas sim à “estrutura do mundo em que vivemos”, para ele não faz sentido perguntar-se se algo ou alguém realmente existiu – a pergunta não faz sentido. Assim Collingwood deixa-nos esclarecidos que para Vico cada coisa é o que é, e que para o historiador o que importa é o ponto de vista humano – não há como estabelecer diferenças entre idéias e as coisas: ele diz: “A história é uma espécie de conhecimento em que os problemas respeitantes às idéias e os problemas respeitantes aos fatos não são distinguíveis. Ora acontece que precisamente que a filosofia de descarte distingue esses dois tipos de problemas”.[4] Portanto, para Collingwood, ampliando infinitamente os limites do conhecimento histórico e suas possibilidades, Vico chega a formulação dos ciclos, eras ou períodos históricos – que poderiam apresentar-se de forma a possibilitar configurar paralelismos com relação à determinados aspectos em ciclos diversos e localizados em temporalmente distantes entre si. Por exemplo, Grécia do período homérico tinha traços semelhantes àqueles da idade média. Vico concluiu assim, que esses períodos poderiam ser classificados e se remeteriam periodicamente mas não de forma fixa e fechada. Nas palavras de Collingwood: “Por vezes, Vico apresenta o seu ciclo, do seguinte modo: primeiramente, o principio orientador da História é a força bruta; depois a força corajosa ou heróica; a seguir, a justiça corajosa; depois a originalidade brilhante; seguidamente a reflexão construtiva; e finalmente uma espécie de opulência esbanjadora e ruinosa, que destrói o que foi anteriormente construído. No entanto, Vico tem plena consciência de que um tal esquema é demasiado rígido para não admitir inúmeras exceções[5] Está claro, assim, que essa teoria não nos permite prever o futuro, como naquelas formulações teóricas que compreendem o tempo histórico de maneira circular.




5. Bibliografia.



· Berlin, Isaiah. Limites da Utopia: Capítulos da História das Idéias. São Paulo: Cia das Letras, 1991.


· ____________ A Força das Idéias.(org. Henry Hardy) São Paulo: Cia das Letras, 2005.


· BURKE, P. Vico. São Paulo: Editora da Unesp, 1997.


· CRISTOFOLONI, Paolo. Vico et l´histoire. Paris, PUF, 1995.


· Collingwood, R. G. A Idéia de História. Lisboa: Editorial Presença, s/d


· GARDINER, Patrick. Teorias da História. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 1995.


· GUIDO, Humberto.e SAHAD, Luiz F. N. de Andrade e Silva. Tempo e História: no pensamento ocidental. Ijuí: Editora Unijuí, 2006.


· HUNT, Lynn (org.). A Nova História Cultural. SP: Martins Fontes, 2006


· WHITE, Hayden. Trópicos do Discurso: Ensaios sobre a crítica da cultura. São Paulo: Edusp, 2001


· Vico, Giambattista. Ciência Nova. São Paulo: Ícone Editora, 2008.









[1] FOUAULT, Michel. Nitzsche, a genealogia e a história. IN: _____ Microfísica do Poder. RJ: Graal, 1984, p.23.



[2] O Tempo e a História como Elaboração da Memória: G Vico e a História das Idéias Humanas. IN:GUIDO, Humberto.e SAHAD, Luiz F. N. de Andrade e Silva. Tempo e História: no pensamento ocidental. Ijuí: Editora Unijuí, 2006. p. 43



[3] Iden, p. 45



[4] Pp. 112



[5] pp. 113

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