sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Carta de um fauno para os homens


A imprevisibilidade da vida é parte da fragilidade humana; somos todos frágeis e vulneráveis. Pois sim. Mesmo que o recusemos – além dos fatos e de nossas dores. Aceitar essa fragilidade faz-nos mais fortes, mais leves e mais serenos. Dá-nos consciência de nossa fugacidade, da efemeridade de todas as coisas. É inútil racionalizar nossas dores, nossos medos, nossos amores. Ora, seja, esteja, vida e ponto.
Está, tudo bem, dói muito às vezes. Dói ainda um pouco. Mas aceitar algumas coisas, dizer adeus e falar bem, tudo vai ficar bem... Mas aceitar a mediocridade, e o conformismo é pior, é um suicídio cotidiano, como já dizia Balzac. Faz parte então do jogo, da vida reformular as coisas, pensar as coisas, para ser e estar melhor. Mas quem pode saber do futuro. Quem? Quem pode saber quais separações nos farão sentir gosto da morte? Eu não quero mais me separar, de ninguém. Estou cansado de me limitar, limitar meus carinhos, meus sorrisos e afogá-los em lágrimas. Não quero mais aceitar estas limitações do tempo e do espaço, por que na verdade intuo que somos todos apenas Um. Mesmo que isso pareça naïf.
Mas vamos esquecer aquilo que se tornou pesado, aquilo que se tornou triste e para sempre soturno. Contudo mesmo assim aceitemos nosso lado escuro, aquele que com força diz: viva, continue e sinta. Foda-se o mundo e toda sua decadência! Fodam-se as bombas (H), os tiranos e todas as criancinhas pobres. Esse é um lado necessário, sombrio, demoníaco, meio que mágico e duro que diz: ‘sobreviva!’, pois que nesta tosca selva de plástico e lixo, ferram-se os poucos humanistas que restam, os inocentes e as polianas geralmente já bem descabeladas. Mas tudo bem, no meio de toda essa dor, todo esse derretimento e este fedor de enxofre, eu ainda quero, quero mais e além. Quero você(s). Quero sentir, comunicar, religare e amar. Quero ser mais que um, plural, múltiplo e brutal. Porquanto que tenho fome, tanta fome. Daquilo em você, nele, nos outros, em mim-outros, daquilo que nos olhos das vespas de gravata e terno não há... Daquele mistério insondável e terrivelmente vasto. Talvez isso que busco, que buscas, seja toda a poesia, todo o lúdico e o ilusionismo, algo que se perdeu no tempo, com toda essa eletricidade, toda essa técnica e mecânica – toda essa fumaça cinza. E é esse algo além que busco, esse além, como um fauno, ou um Pã. Selvagem e desgraçadamente. Vivo. Nômade. Te amo e te amarei para sempre.
Guilhermo de Mont Serrat

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