sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

O Sofrimento do Jovem Goethe, e o advento moderno do homem-indivíduo






Augusto Patrini Menna Barreto Gomes










Romance de 1774[1], “Os Sofrimentos do Jovem Werther” é o primeiro livro de Johann Wolfgang Von Goethe, e pertence à tradição do movimento Sturm Und Drang (Tempestade e Ímpeto)[2]. Lançado anonimamente na feira de livros de Leipzig (Alemanha), tornou-se rapidamente um sucesso. Baseado em fatos reais[3], o livro narra a experiência de um rapaz atormentado pelas agruras de uma paixão não correspondida.
O protagonista é um típico representante do Empfindsamkeit (Sentimentalismo), e seus conflitos são paradigmáticos para entendermos as tensões - surgidas após a Revolução Francesa e Revolução Industrial e as transformações da modernidade - entre o individuo e a sociedade (a aristocrática e a nascente burguesia), seus códigos, contradições e normas. Nesse sentido, pode-se mesmo afirmar que a própria noção de individualidade é muito tributária desta época, quando haverá um descompasso entre os hábitos consolidados e aqueles homens e mulheres com um espírito novo[4]. No caso da história do livro de Goethe, este conflito entre individualidade e sociedade é mais agudo ainda, na medida que é transpassado pelo triângulo afetivo: Werther, Albert e Lotte, o qual transgride em muitos momentos alguns códigos e posturas da antiga e moribunda sociedade aristocrática. A própria narrativa, de forma epistolar e em primeira pessoa, é sintoma especial da nova mentalidade surgindo e expressa uma introspecção psicológica e uma confissão lírico-dramática. Tanto Werther como Goethe, podem ser vistos como portadores deste novo tipo de mentalidade.
O livro “Os Sofrimentos do Jovem Werther” é considerado pela historiografia da literatura alemã obra inaugural do movimento artístico, político e – principalmente literário, “Sturm und Drang” (1765-1785), que de forma contestatória, revoltou-se “artisticamente” e existencialmente contra os valores tanto da aristocracia quando contra aqueles da burguesia. Os heróis dos livros pertencentes a este movimento são paradigmáticos na medida que ilustram a tentativa de se romper às convenções e representações morais.
O Sturm und Drang foi um movimento essencialmente alemão da segunda metade do século XVIII, que precedeu o período das Luzes (Aufkärung), nasceu em resposta ao racionalismo, pregando a superioridade dos sentimentos. As emoções são exaltadas constantemente pelo movimento: Werther diz no livro “Apesar disso, diga-se o que se disser, toda regra destrói o verdadeiro sentimento e a verdadeira expressão da natureza”.[5]
Pode-se afirmar que ele foi uma reação ao classicismo acompanhante do absolutismo[6], na medida em que também constituiu uma revolta dos “jovens cultivados” contra o status quo e contra os príncipes alemães. Apesar de ser representante de um irracionalismo, tinha como referências[7] fundamentais a Revolução Francesa, a liberdade e os Direitos dos Homens, já que era acompanhado por uma vontade de emancipar os indivíduos: “Como a espécie humana é uniforme! A maioria trabalha quase todo o tempo para viver, e o pouco tempo livre que lhe resta pesa-lhe de tal modo, que procura todos os meios possíveis para dele se libertar. Oh! O destino do homem!”[8] Werther parece ser um bom exemplo de individuo que se revolta contra as normas e busca uma libertação pelo seu contato com a natureza. Essa contestação (ou revolta), pode ser, então, levada ao extremo em que dar fim à própria a vida corresponde à única saída: “A natureza humana – prossegue – é limitada: ela suporta a alegria, a tristeza, a dor até um certo ponto, se ultrapassar, irá sucumbir (...) Nesse caso, acho tão absurdo dizer que um homem é covarde por haver dado cabo da própria vida, como seria absurdo chamar de covarde o que está morrendo de uma febre maligna”[9]. O trecho expressa bem o conflito, talvez aquele do próprio Goethe, exemplo do novo “homem-indivíduo” torturado pelas limitações impostas pelo meio social. É nesta época que aparece na arte e nas idéias a concepção de “gênio” – no momento que a igualdade humana é negada em nome das singularidades individuais.
Esse movimento é visto por parte da critica literária como precursor do Romantismo, e por isso, é eventualmente e normalmente chamado de pré-romantismo. Muitos de seus pontos são similares com o romantismo, porém algumas de suas idéias, principalmente políticas, são opostas aquele. O Sturm und Drang, movimento politicamente contestatório, foi fortemente marcado pela influência de Rousseau, Shakespeare, e Herder[10], além de claro, do jovem Goethe. Já o Romantismo do Século XIX, assume alguns aspectos de reacionarismo e foi fortemente influenciado por Fitchte e Shelling. Mesmo assim, é verdade, há uma intima ligação entre os dois movimentos. Grande parte dos historiadores considera o Sturm und Drag uma das varias forma de romantismo, assim parece proceder Benito Nunes quando escreve sobre o Romantismo:
(...) por trás destes aspectos do culto da natureza, enquadrados num confronto dramático com o mundo, está silhuetada a tácita insatisfação com o todo da cultura, misto de afastamento desencantado e de reprovação à sociedade, depois do assomo libertário do idealismo de 1789. [11]

O comentário pode, muito bem, se adequar perfeitamente ao livro de Goethe, e a seu protagonista. Sobre isso, escreve Gerd Bornheim em “A Filosofia do Romantismo”:

Estas idéias de Rousseau encontram profunda repercussão no espírito dos “gênios” do chamado pré-romantismo alemão, o Sturm und Drang. Esses jovens “gênios” levam a sério a oposição entre natureza e cultura, exagerando-a a ponto de se entregarem a uma rebelião frenética a todos os valores estabelecidos. [...] Assim, os “gênios”, como o Werther, de Goethe, também buscam refúgio na natureza, e inspirados em Rousseau, procuram uma participação que dá primazia ao sentimento. [12]

E ainda acrescenta sobre a diferença entre os dois movimentos:

O Sturm und Drang foi, sem dúvida, um grande precursor do romantismo. A filiação a Rousseau, sobretudo, apresenta-se com características eminentemente românticas. Mas é precisamente esta filiação que permite medir toda a distância que há entre o Pré-romantismo e o movimento romântico propriamente dito, pois este parte, não do genebrino protestante, mas do criticismo transcendental de Kant e do idealismo de Fichte. A despeito disso, o Sturm umd Drang revela-se um antecipador do Romantismo, pois constitui uma etapa decisiva na evolução da cultura romântica.

Finalmente Gerd Bornheim diferencia os dois movimentos vinculando o Sturm und Drang à reforma e ao irracionalimo pietista[13]. Já Anatol Rosefeld, lembra-nos que o que acaba por destruir o protagonista do livro é “seu subjetivismo exacerbado, nutrido pelo pietismo; é o voluptuoso e auto-devorador sentimentalismo que encontra satisfação no gozo da dor e acaba minando a relação entre este Eu-mórbido e o mundo real.”[14]
Portanto, talvez o sofrimento do Jovem Werther represente o sofrimento do próprio autor, Goethe, e uma sensação de inadequação, comum a muitos artistas e “homens-Indivíduos” perante um mundo semimoribundo, e por seus valores envelhecidos pelas modificações sociais, políticas, artísticas e culturais em curso a partir de 1789.

Bibliografia Auxiliar:

ANCELET-HUSTACHE, Jeanne. Goethe par lui même. Paris, Seuil, s/d.
Vários. Século XIX : O Romantismo. RJ: Museu Nacional de Belas Artes, 1979.
[1] Há uma segunda versão, modificada de 1787, as modificações o enquadram, porém, no Classicismo de Weimer, tendência artística (oposta ao anterior Sturm und Drang) a que Goethe representou em sua maturidade.
[2] O nome vem de uma peça de Friedrich Maximilian Klinger. São representantes desta escola, além de Goethe em sua juventude, também Friedrish Von Schiller (1759-1805) e Johann Georg Hamann, Johann Gottfried Herder, Göttinger Hain, Friedrich Leopold Heinrich Leopold Wagner, e Friedrich Maximilian Klinger. Um dos ídolos do movimento era Friedrich Gottlieb Klopstock.
[3] De acordo com alguns estudiosos, o livro é baseado no amor malsucedido de Goethe por Charlotte Buff, e o suicídio de Werther inspirado no caso de um colega da universidade que se suicidou para fugir dos conflitos de uma paixão.
[4] Um ótimo estudo realizado por Norbert Elias, sobre Mozart é exemplar para ilustrar este conflito que se aprofundaria posteriormente mais ainda no século XIX: ELIAS, Norbert. Mozart: Sociologia de um gênio. RJ: Jorge Zahar Editor, s/d.
[5] Goethe, Johann Wolfgang. Os Sofrimentos do Jovem Werther. São Paulo, Editora Martins Claret, 2005, p. 20
[6] É interessante notar que quando Werther se suicida encontram a peça Emília Galotti aberta, a qual critica os abusos dos príncipes absolutistas.
[7] Estas referências não estavam livres de ambigüidades.
[8] apud, p. 17
[9] apud, p. 50
[10] Johann Gottfried von Herder foi um filósofo e escritor alemão (Mohrungen, Prússia Oriental, 25 de agosto de 1744 - Weimar, 18 de dezembro de 1803). Autor de Ensaio sobre a origem da linguagem, de 1772, Herder publicou suas duas principais obras: Outra filosofia da história para a educação da humanidade, de 1774 e Idéias sobre a filosofia da história da humanidade (1784 a 1791).
[11] NUNES, Bento.A Visão Romântica. IN: guinsburg, J. O Romantismo. Editora Perspectiva, p. 67
[12] BORNHEIM, Gerd. Filosofia do Romantismo. IN: apud, p.81
[13] Movimento religioso alemão que fazia da religião algo estritamente individual.
[14] ROSENFELD, Anatol. Introdução. IN: Autores Pré-Românticos Alemães. São Paulo:EPU: 1992.

Um comentário:

Anônimo disse...

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