sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Bobók, de Dostoiévski









Augusto Patrini Menna Barreto Gomes




O conto Bobók é talvez uma porção da genialidade de Dostoievski, que ao dialogar com a tradição das sátiras menipéias com outras obras[1] da literatura russa, desenvolveu um texto intricado, rico e muito interessante. Nele estão presentes elementos como a interiorização das ações, uma trama diminuta e o fantástico construído por elementos do sonho e da perturbação mental do protagonista. Além disso, o texto é todo permeado pelo grotesco e pelo fantástico (os mortos falam e são tomados por impulsos “vivos” ou sensuais-carnais, absurdos grotescos como a busca de um médico depois de morto), pela carnavalização - de acordo com aquela concepção de Bakhtin - a inversões do status co, o cômico no mundo dos mortos etc, o intricado conflito de vozes que entre outros elementos que tornam a obra mais complexa do que poderia parecer sob uma leitura rápida e superficial.
Na verdade, este texto insere-se em um contexto interessantíssimo e apresentou-se como uma resposta[2] irônica e sarcástica às criticas recebidas por Dostoiéviski por seu algo profético romance “Os Demônios”, que é uma incrível crítica feroz ao niilismo político então em voga na Rússia, sobretudo entre os populistas. O conto Bobók foi portanto publicado anonimamente em 1873 no semanário Gradjanin, onde Dostoiévski era redator chefe. Entretanto, talvez seu aspecto mais interessante, é que nesse conto é possível identificar um diálogo polifônico com as vozes dos críticos d´”Os Demônios”- por exemplo: quando o protagonista de “Bobók” é tachado de louco, uma chacota com fato que o próprio Dostoiévski ter sido tachado assim pela crítica que ao ler o referido romance ultrapassou em muito os aspectos desta obra. Para responder estas críticas, muitas vezes de caráter ofensivo, Dostoiévski, cria um estranho narrador que não é ninguém, mas muitas vozes (a chamada polifonia identificada por Backthin), a do próprio Dostoievski, mas também a dos seus críticos. O dialogismo de Dostoiévski, presente neste texto, deixa espaço para que outros textos, autores e obras possam se introduzir e interagir em seu texto.[3] O texto assim nos remete obrigatoriamente para a leitura de “Os Demônios”, mas também para a leitura de seu tempo, e das várias vozes críticas que lhe faziam oposição.
Além disso, o conto é uma violenta crítica ao modo de vida da aristocracia russa de sua época, que segundo Dostoiévski era decadente, mal-cheirosa, imoral e “morta-viva”[4]. Há uma aberta crítica aos valores burgueses que penetram nesta dita “aristocracia” levando-a um comportamento imoral, e vulgarmente ansiosa por prazer.
O fantástico introduzido no texto pelos elementos conflitantes de ir-realidade - realidade também tornam interessante o texto Bobók, já que o autor utiliza-se do devaneio, do sonho, e da perturbação mental do protagonista para criar essa dúvida e tensão na natureza fantástica e ou doentia dos fatos narrados e diálogos travados Porém como nos lembra Paulo Bezerra[5], para Dostoiévski, o fantástico é apenas uma das formas de manifestação do real. Assim os “fatos” narrados em “Os Demônios”, suas conseqüências, do mesmo modo que as críticas ao livro e ao seu autor são tão fantásticos e “extra-ordinários” como os acontecimentos fantasmagóricos de Bobók. Nesta compreensão há portanto, uma convicção que a realidade russa estava profundamente marcada por um certo sentido de absurdo e mentira – o que acaba por tornar tudo tão “extra-ordinário”, morto e putrefato.

[1] De acordo com Paulo Bezerra este conto dialoga com o Diálogo dos Mortos, de Luciano de Samósata, algumas narrativas fantásticas de Púshkin – (A dama de Espadas e O Fazedor de Caixões), O Morto Vivo de Boboríkine Diário de um Louco de Gógol.
[2] É interessante lembrar que Dostoiévski utilizava-se da ficção para opinar sobre assuntos em pauta nos meios jornalísticos e intelectuais russos de sua época. Outro texto deste tipo, bastante interessante é A Dócil – onde o autor aborda o tema do suicídio.
[3] BEZERRA, p. 120
[4] “Como para Dostoiévski,(...) esses mortos aristocratas perderam o sentido da dignidade humana e a razão de viver, e por isso, não passam de cadáveres em decomposição [...] (...) e não foram capazes de propor senão o mesmo hedonismo vazio, a mesma trivialidade que lhes marcaram a existência enquanto vivos.” BEZERRA, p. 162.
[5] Idem, 161.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aprendi muito