quarta-feira, 26 de março de 2008

A Imprensa Confiscada pelo Deops (1924-1954) – Imprensa Irreverente, Tipos Subversivos.

por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes


A Imprensa Confiscada pelo Deops (1924-1954) – Imprensa Irreverente, Tipos Subversivos.

A historiografia brasileira ainda não contemplou substancialmente a imprensa clandestina, e/ou dita subversiva. Esse tipo de imprensa desempenhou um papel fundamental na organização das classes populares no Brasil. Foi, apenas esse tipo de jornalismo que foi capaz de informar os brasileiros sobre eventos como a revolução Russa, a Guerra Civil Espanhola, dentre outros muitos fatos internacionais importantes. Ele também serviu para denunciar as injustiças brasileiras e convocar as classes populares a rebeldia. Envolveu estudantes, operários, intelectuais, artistas plásticos, músicos, editores entre outros, envolvidos em sua realização ou simplesmente em sua distribuição. Essa memória pode ser reconstituída com os jornais aprendidos pelo Deops. Cruzando as informações da polícia política e aquela dos jornais, podemos ter uma idéia de como funcionava a lógica do Estado (a censura, a não censura, etc) e dos vários grupos políticos. Por exemplo, é sintomático que durante o período 35-38 muitos jornais de extrema direita circularam livremente, enquanto aqueles de esquerda foram duramente reprimidos.
Estes jornais “subversivos”eram editados em muito idiomas, profundamente ligados a grande comunidade de estrangeiros que possuía então o país. Eles eram usados como “prova” de crimes políticos, e seus produtores eram considerados “mentores políticos”. Criou-se no estado uma lógica repressiva e da desconfiança.
A imprensa dita revolucionária sempre conviveu no Brasil com a censura e a repressão, desde D. João VI havia uma repressão institucionalizada a qualquer discurso que fosse conflitante ao dominante. No entanto os ápices da repressão aconteceram durante a ditadura Vargas (1930-1945) e a Militar (1964-1985), quando muitos produtores e colaboradores foram presos, ou até mesmo eliminados pelo Estado. Podemos classificar essa imprensa confiscada por sua orientação ideológica: – anarquistas, comunistas, socialistas, integralistas etc, pela comunidade idiomática e pela comunidade étnica.
Uma imprensa combativa e de oposição se desenvolveu desde o Império Brasileiro. Desde o começo do século XX, São Paulo foi o centro irradiador de toda agitação revolucionária, e, por conseguinte, produção editorial de jornais de oposição. Inicialmente se destacam os anarquistas, para que ao passar das décadas comecem a se sobressair os jornais comunistas. Também se destaca ainda no século XIX o surgimento da imprensa de categorias profissionais, como por exemplo, os tipógrafos e gráficos.
É interessante observar que cada um destes jornais aprendidos possuía um público alvo mais ou menos definido, e que ia da capital até o interior, em uma rede clandestina de distribuição.
Para a elite, estes jornais eram “erva daninha”, portadores de ideologias exóticas, perturbadores da ordem, entre outros “crimes” políticos. Os integralistas, católicos e outros reacionários também procuravam garantir sus públicos, sem serem muito controlados pelo Estado.
Para o historiador será muito importante observar o discurso e o desenvolvimento desse jornalismo “irreverente” para estudar a luta da mulher, do negro, entre outros grupos que lutaram no século XX. Podemos observar também, por meio deste tipo de jornalismo – fonte importante para o historiador, o desenvolvimento das relações de trabalho no Brasil, a política migratória, a política de vigilância (censura), além das condições de luta, as formas de resistência cotidiana, rituais de luta, e as formas de lazer das classe populares presente no Brasil. É interessante notar que como muito dos “produtores” de jornais censurados e perseguidos eram estrangeiros – donos de uma educação política diferente da dos brasileiros – muitos foram incriminados a partir de suas atividades e expulsos do país. Em 1923, um decreto-lei cerceou ainda mais o a liberdade política e de expressão, sobretudo aquela dos anarquistas e comunistas.


Outra forma de repressão que atingiu duramente, a imprensa “subversiva” foi a perseguição e destruições de suas tipografias e gráficas – em sua maioria improvisadas em casas e subúrbios. Quando da destruição a polícia fotografava esses locais e apresentava as fotos como provas do crime político dos então produtores dos jornais, isso acabou legando ao historiador importantes fontes de informação, de como eram confeccionadas e organizadas estas publicações.
O começo do século XX é também a época das greves, revoluções, panfletagens, além das discussões em cafés. São Paula era, talvez, a cidade brasileira da época mais pródiga no setor. Dos debates dos cafés, logo a vanguarda política presente no país, passava para a impressão suas idéias e impressões sobre sua época – anticlericais, socialistas, comunistas, antifascistas, entre muitos outros. O confisco destes jornais, que na época pretendiam furar o cerco repressivo, acabou legando-nos importantes indícios de como era o perfil dessa imprensa, das lideranças políticas e da luta política.
A imprensa do século XX pode ser divida entre grande imprensa (capitalista, com estrutura de empresa) e a pequena imprensa (proletária, efêmera, de pequena tiragem, marginal, etc). A grande imprensa era, como ainda o é, extremamente criticada pelos integrantes da pequena imprensa. A pequena imprensa, geralmente, adotava uma postura claramente de classe, com freqüência, critica ao Estado e às elites do país. Essa diferená também se evidencia pelo tipo de papel, formato e configuração dos jornais, além de é claro da rede de distribuição. Geralmente os jornais “revolucionários” tinham pouco dinheiro e sua rede era informal, já a grande imprensa não tinha esse problema pois era “livre’e tenha o apoio dos capitalistas e do Estado.
É importante perceber que:

“Se compararmos ao periodismo “liberado”, a imprensa clandestina presta-se como exemplo de luta do Bem contra o Mal. É neste sentido que ressaltamos a importância de estarmos atentos ao estilo e linguagem dos periódicos enquanto meio especifico de comunicação e expressão do pensamento. (TUCCI CARNEIRO, P. 36)


Esses jornais étnicos, partidários ou de classe são importante, pois tornaram-se uma rachadura no discurso da unanimidade – presente principalmente entre a grande imprensa. Eles “(...) transformaram-se em verdadeira ilhas alternativas de cultura contribuindo para preservar as tradições e o idioma de origem, (...)” (TUCCI CARNEIRO, p. 37).
Havia, é claro uma variedade de cores nesta imprensa, segundo os “rótulos”da polícia e dos próprios grupos – imprensa vermelha, amarela, marrom, negra, etc. E por meio do relato dos polícias da repressão podemos conhecer algo da realidade dos integrantes dessa imprensa e como influenciaram a dinâmica social em São Paulo e no país. A polícia usou da violência, e perseguiu todos aqueles que de alguma forma envolviam-se com a imprensa que contestava o status quo. Com essa política, o Estado negou a liberdade democrática, reprimiu o livre pensar e somente “abriram as portas para a mediocridade daqueles que nada criam e nada contestam.”


O Mito da Conspiração Judaico-Comunista.

O anti-semitismo assumiu, em determinadas épocas, formas e configurações diversas. Uma destas formas seria a forma que conflui o anti-semitismo com o anti-comunismo – ambos frutos de um pensamento conservador e reacionário. O mito da conspiração judaico-comunista está relacionado à tensão que surgiu com a modernidade e/ou seu processo. No século XIX já havia ‘sinal”de anti-semitismo entre as classes conservadoras, porém o anti-comunismo só veio a ser elaborado, como mistificação, com a eclosão da revolução Russa. Assim, seria importante entender a quem servia essa ideologia e por que ela era largamente aceita.
Na verdade, trata-se de um mito político. Uma explicação ideológica, que existe somente e para explicar uma realidade social, e determinada em vista de uma solução para essa realidade. No caso do mito da conspiração judaico-comunista, trata-se de explicar as transformações que trouxeram a modernidade – como tendo sido provocadas por judeus e comunistas – e quer combater estes elementos “conspiradores” perturbadores da ordem e da conservação. A idéia de conspiração está profundamente ligada à essa “explicação”.



Bibliografia

ARRUDA, José Jobson de Andrade. “Exploração colonial e capital mercantil”. In: T. Szmrecsányl. História econômica do período colonial. São Paulo: Hucitec/Fapesp/Associação Brasileira de pesquisadores em História Econômica 1996 p. 217-238.

__________. “o sentido da colônia. Revistando a crise do Antigo Sistema Colonial no Brasil (1780-1830)”. In Tegarrinha, José (org.). História de Portugal. São Paulo: Unesp/Lisboa/Instituto Camões, 2001, p. 245-263.

BACELLAR, Carlos A. P. Viver e sobreviver em uma vila colonial - Sorocaba, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Annablume/Fapesp, 2001, 274 p.129-176.

__________. “A escravidão miúda em São Paulo colonial”. In: SILVA, Maria Beatriz Nizza da (org.). Brasil: colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000, p. 239-254.

CARDOSO, Ciro Flamarion. “As Concepções Acerca Do Sistema Econômico Mundial E Do Antigo Sistema Colonial: A Preocupação Obsessiva Com A Extração de Excedente”. In: LAPA, José Roberto do Amaral (org.).Modos De Produção E Realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Vozes 1980, p. 109-132.

COSTA, Iraci del Nero da.. Arraia-Miúda: um estudo sobre os não-proprietários de escravos no Brasil. São Paulo: MGSP Editores, 1992.

Da Costa, Emília Viotti. Da Senzala à Colônia. São Paulo: Editora Unesp, 1997.

FRAGOSO, João Luís Ribeiro. "Homens de Grossa Aventura. Acumulação e Hierarquia na Praça Mercantil do Rio de Janeiro 1790- 1830." Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2000.

LINHARES, Maria yedda Leite (1996).”a pecuária e a produção de alimentos na colônia.” In: T. Szmrecsányl. História econômica do período colonial. São Paulo: Hucitec/Fapesp/Associação Brasileira de pesquisadores em História Econômica 19960p. 109-121.

Marcílio, Maria Luiza. “Crescimento Demográfico e Evolução Agrária Paulista 1700-1836” São Paulo: Edusp/Hucitec, 2000.

MARX, Karl. “Introdução [à Crítica da Economia Política]” e [O rendimento e suas fontes]. In: MARX, Karl. Para a Crítica da Economia Política. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999, p. 57-85 e p. 187-254.

____________. Capítulo VI inédito de O capital: resultados do processo de produção imediata. São Paulo: Editora Moraes, 1985.

MESQUITA, Eni de. “Uma contribuição ao estudo da estrutura familiar em São Paulo durante o período colonial: a família agregada em Itu de 1780 a 1830”. In: Revista de História, 53(105):33-45, São Paulo, jan./mar. 1976.

NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: Hucitec, 2001.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Editora Brasiliense, 2000.

SCHWARTZ, Stuart B. “Escravos, Roceiros e Rebeldes”. São Paulo: Edusc, 2001 p.123-170.

Nenhum comentário: