segunda-feira, 17 de março de 2008

Artéria viva.








“Eu, que tenho uma juventude cheia de vozes,
de relâmpagos e artérias vivas,
que deitado nos meus músculos, atento a como corre
e chora o meu sangue,
a como se amontoam as minhas angústias
como mares amargos
ou como espessas pedras de desvelo,
ouço que se juntam todos os gritos
qual um bosque de estreitos corações apertados;
ouço o que dizemos ainda hoje,
tudo aquilo que ainda diremos,
na ponta dos pés, sobre os nossos graves latidos,
pela boca das árvores, pela boca da terra."
José Revueltas. Canto Irrevocable




Encolheu-se no canto, enrugado e triste, como a quem estremece os galhos de uma roseira seca. Jovem, tinha os olhos intumescidos e cheios d’água, os cabelos fora de prumo – revolta esvoaçada entre lágrimas. Cansado, tenso triste e cheio de aflição. A terra vermelha-roxa em seu nostálgico pesar – era parte da mãe que abandonara- sufocava-lhe o peito.
Por que, um dia, ao se levantar viu os homens entre tripas e fogo, mas hoje lá fora aquelas ruas rápidas esfumaçadas, vingando a terra e estilhaçando os abomináveis gritos dos trapos, fustigavam sua vida. Lembrou: “Não são sussurros, são gritos”. Tenso. Pensa e cai. Grita. Não se meche.
Está novamente, perto do sono, calmo, quimicamente calmo e feliz, pois o sangue cai pelas feridas dos quaisquer bares e quando se faz de álcool e praças não há por que ter medo da vida. “Por que o medo se o futuro é a morte?” Tatuado no braço. Mais um programa, mais vida dentro das veias, além da dor e dos gritos, para amanhã mais um dia de triste recordações e depois e depois aquelas noites sujas de tesos sexos tristes. Gostava daquilo, dos sexos desejosos e das lágrimas brancas. Dos homens entristecidos e da devoção que em sua perdição medrosa lhe ofereciam. Sua percepção distorcida sendo devastada por aquela coisa de sua vida devaneada em um momento de seco estalo. Mas sabia, ao contrário daqueles homens, que podia realmente enfrentar a vida. Sem medo. Cansado, sim, mais dois programas e nada mais. Aprumou-se e resolveu. Lá fora ouvia Elis cantarolar uma música que era a vida tocando com pena aos homens sem lar. Tinha que levantar.
Mas noutro dia era a mesma coisa, precisava comer e viver, além da putrefação das coisas queria crescer e ser mais, e por isso entregava-se ao que tinha, ganhar-levar-descobrir e se ia sempre vazio aos beijos úmidos delirantes do pavor da inexistência embriagante da lógica da vida daqueles homens que queriam um pouco da verdade-coragem que era sua. Queriam sempre lhe roubar que não sabia bem o que, era a vida, a juventude ou apenas o perigo daquilo nos rios de fumo e nas poças barrentas da vida.
Esticou as costas largas espreguiçando os músculos, pôs os olhos para fora da noite começando e mais dois programa por que depois nada mais, recomeçava – o já-mais-de-meio-dia despertar cheio de nostalgias e a luz solar impertinente, entre sombras rochas, penetrando seu pequeno quarto infinito e branco. Ou até podia chover, pois daí era pior, se afogava no cinza das nuvens, gordas e fodidas como aquela puta que conhecera na rua da esquina e levara-o bêbado como uma mãe para deitar-se em sua cama. Na sua cama de mãe, velha de fodida. Pois assim que no outro dia, tinha de estar cansado, penetrado, relaxado e livre, com vida nas veias e o dinheiro no bolso, pois a vida é como uma ferida, gangrena quem não se vira.
Agora o que precisava era de cigarro nas mãos, ou as mãos nos bolsos, calça jeans e camisa banca – era tudo que tinha – além de seu corpo forte e juvenil. Isso era, não queria mais carregar no lombo a riqueza dos velhos podres entristecidos, preferia beijar-lhe a carne velha e mostrar-lhes sádico que de seu viço na verdade nada teriam. Havia de assim dizer que a vida era mais, além da suas pelancas velhas e cinzas, era a coragem de foder com a morte lancinante e com o cotidiano simples e selvagem das ruas de lama. As vezes contava-lhes como era bom foder com a puta gorda e velha, assim mesmo de graça, pois achava bom como foder com a mãe ou com a avó. Não tinha pena, são covardes e velhos por que querem, pensava – por que se a coragem tivessem estavam hoje eternos e grandes – como só o dinheiro pode fazer. Mas isso lembrava-lhes sempre. Eram pequenos, fodidos nanicos insignificantes em suas vidinhas tediosas e burras. Bom, na verdade já não lembrava-lhes tanto assim, pois preferia dar-lhes o conforto úmido, pois alguém havia de lhes dar algo na vida maldita, a ele lhe dava o conforto a puta velha e gorda da rua da esquina sempre quando chegava bêbado de seus dezenove anos feitos de terra roxa e mel de laranjeiras, e aos velhos fodidos e tristes em seus carrões de luxo era ele que confortava bulindo em suas extremidades e feridas e lembrando-lhes quão tolas e inúteis tinham sido suas vidas. Mas apesar disto, gostava, quanto mais perto da cova mais lhe pagava o cliente, pois assim, achava graça, a vida fazia-se corajosamente de sexo e de morte. Levantou-se. Riu e saiu.
Guilhermo Bazárov de Mont Serrat

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