domingo, 2 de março de 2008

O único tema cinematograficamente que realmente nos importa: a morte






















Augusto Patrini Menna Barreto Gomes



O único tema cinematograficamente que realmente nos importa: a morte


Alguns filmes parecem estar destinados à obscuridade pública, seja por motivos comerciais, ou simplesmente por que abordam temas que a maioria dos homens prefere ignorar. No meio destes temas estão: o consumismo[1], o suicídio, a maldade inerente aos homens, mas principalmente a morte. A morte é um tema importante, que interessa-nos filosoficamente, já que sabemos, mesmo que alguns tentem nos fazer esquecer, que inexoravelmente estamos destinados à ela.

Em meio a produção cinematográfica contemporânea muitos filmes consagrados abordam o tema, e estão disponíveis no mercado brasileiro de DVDs, entre eles, por exemplo, os surpreendentes “As Horas” de Sthefen Dalory e “O Segredo de Broukeback Mountain”, de Ang Lee. Ambos foram laureados com glórias, prestígio tanto pelo público quanto pela crítica e receberam vários tipos de prêmios. Outro filme bastante consagrado que trata do tema é o mexicano Y Tu Mama Tambien, de Alfonso Cuarón – filme ganhador do melhor roteiro em Veneza e que nos apresenta pela primeira vez o ator Gael García Bernal.
Entretanto, outros filmes que abordam a questão da morte e da natureza humana parecem passar despercebidos. Dois não são propriamente filmes independentes ou fora do comércio - porém eles me parecem bastante interessantes, e por isso, apresentarei-os um pouco mais longamente. O Primeiro, um filme bastante perturbador, e de alguma forma enigmático para algumas pessoas é Stay[2], de Mark Forter e Donnie Darko de Richard Kelly. Esses dois filmes ignorados, abordam questões interessantíssimas em suas tramas e mesmo em sua linguagem fragmentária. Infelizmente, não posso, por vários motivos comentar a trama dos filmes. Aconselho-os que vejam-os sem ler algum tipo de sinopse, isso simplesmente estragaria a epifania de suas conclusões, que nos levam obrigatoriamente a pensar sobre a fugacidade e a natureza das coisas e do mundo. Posso dizer, todavia, que ambos têm forte conteúdo psicanalítico. Eles lembram-nos de alguma maneira os suspenses psicológicos e sombrios Um Clarão nas Trevas (Wait Until Dark)[3], com Audrey Hepburn, clássico do suspense noir, The Spiral Staircase de Robert Siodmak ou ainda Cat People[4], de Jacques Tourneur.
Um outro filme que aborda o amor, o envelhecer e a morte, que é bastante desconhecido é Fast Food, Fast Woman, de Amos Kollek, que ao contrário destes últimos foi ganhador de vários prêmios em Cannes. Trata-se porém de um filme mais leve.
Entre os filmes pouco conhecidos que abordam o tema da morte e do consumismo, e que em alguma medida questionam a natureza humana estão os perturbadores Elefante, de Gus Van Sant, Veludo Azul, de David Lynch, Plata Quemada, de Marcelo Piñeyro, Extermínio, de Danny Boyle – todos eles consagrados pela crítica. Porém desconhecidos do grande público. Elefante é baseado no drama da Columbine High School[5], retratada com ímpar sensibilidade por Vant Sant. O tema da morte parece ser uma obsessão do diretor, como podemos ver no sensível e perturbador filme Paranoid Park, ainda em cartaz nos grandes cinemas brasileiros. Já o filme argentino é baseado em uma novela de Piglia – escritor consagrado argentino, que por sua vez baseou-se em um fato real que perturbou o país em medos dos anos 70. Trata-se de morte, amor, exclusão, a natureza humana, a cena da Plata Quemada é simplesmente ontológica e assume um caráter de protesto e subversão contra o sistema e as coisas do mundo.

Veludo Azul parece tratar de algo que ainda incomoda mentes e corações humanos, a aparente “banalidade do mal” – um pouco nos termos abordados por Hannah Arendt em A Condição Humana. O filme escancara de forma escancarada e ao mesmo tempo poética que sob a aparente normalidade, ordem e justiça, existe todo um mundo de loucura[6], dor e exclusão – que a maioria das pessoas prefere simplesmente ignorar. O filme é direcionado certamente para as pessoas que se encapsulam em proteções psíquicas e negam-se a ver a parte escura da vida e do mundo.
O filme britânico Extermínio (28 Days Later), de Danny Boyle, não é somente um filme de terror, é um filme que coloca em debate um tema crucial na sociedade contemporânea: até quando continuaremos a consumir e destruir o planeta? Pode cada ser humano ter um carro individual? O planeta agüentará? Outra questão colocada no filme é na verdade uma pergunta: qual é a natureza humana? Somos capazes de quais atos? E como nos comportamos em sociedade? Como, às vezes, a ciência se transforma em uma nova religião[7]. São questões que já haviam sido colocadas pelo seu precursor, Dia dos Mortos, filme cult, esgotado, último filme da trilogia do diretor George Romero sobre zumbis. Para se proteger deles, um grupo de pessoas se instala se instala em um abrigo subterrâneo. Trata de debater o consumismo e o trabalho na sociedade capitalista.
E, finalmente, meu último comentário é sobre o filme japonês O Pacto, que trata da morte, mas por meio de um tema tabu na sociedade brasileira: o suicídio[8]. O filme começa quando 54 garotas atiram-se juntas na frente de um trem no metrô de Tóquio. E as perguntas perturbadoras do filme parecem ser: por que somos e até onde você é você....O nome em inglês do filme, The Suicide Club, nos remete a uma novela do escocês Robert Louis Stevenson publicada pela primeira vez no London Magazine, em 1878. E é, por isso, não temos muito o que falar.



Say not of me that weakly I declined
The labours of my sires, and fled the sea
The towers we founded and the lamps we lit,
To play at home with paper like a child

(Robert L. Stevenson)

“ Aunque ni el diablo sabe qué es lo que há de recordar la gente, ni por qué. En realidad, siempre he pensado que no hay memória coletiva, lo que quizá sea uma forma de defensa de especie humana. La frase ‘todo tienpo pasado fue mejor’ no indica que antes sucedieran menos cosas malas, sino que – felizmente – la gente las echas en el olvido. Desde luego, semejante frase no tiene validez universal; yo, por ejemplo, me caracterizo por recordar preferentemente los hechos malos y así, casi podría decir que ‘todo tiempo passado fue peor’, si no fuera porque el presente me parece tan horrible como el passado; recurdo tantas calamidades, tantos rostros cínicos y crueles, tantas malas acciones, que la memoria es para mí como la temerosa luz que alumbra un sórdido museo de la vergüenza. !Cuántas veces he quedado aplastado durante horas, em um rincón oscuro del taller, depues de leer noticias em la sección policial! Pero la verdad es que no simpre lo más vergonzoso de la raza humana aparece allí; hasta cierto punto, los criminales son gente más limpia, mas inofensiva, esta afirmación no la hago porque yo mismo haya matado a um ser humano: es uma honesta y profunda convicción. Um individuo es pernicioso? Pues se lo liquida y se acabo. Eso es lo que yo llamo uma buena acción. Piensen cuánto peor es para la sociedad que esse individuo siga destilando su veneno y que em vez de alimentarlo que quiera contrarestar acción recuriendo a anônimos, maledicências y otras bajezas semejantes. En lo que a mi se refiere, debo confesar que ahora lamento no haber aprovechado mejor el tienpo de mi liberdad, liquidando a seis o siete tipos que conozco. Que el mundo es horrible, es una verdad que no necesita demostración. Bastaria um hecho para probarlo, em todo caso: em um campo de concentración um ex pianista se quejó de hambre y entonces lo obrigaron a comerse uma rata, pero viva.
No es de eso, sin embargo, de lo que quiero hablar ahora; ya diré más adelante, si hay ocasión, algo mas sobre este asunto de la rata.

(Sabato, Ernesto. El Túnel, Booket)
[1] (O Clube da Luta)
[2] A Passagem – nome deveras equivocado para ser usado
[3] Uma boneca recheada de heroína é a razão desta trama que envolve Roat, um frio assassino psicopata, e Suzy, uma moça que ficou cega e ainda não aprendeu a viver na escuridão. Seus caminhos se cruzam em uma noite de medo e agonia, onde a escuridão é a única chance de fuga para Susy. Apague as luzes, tranque as portas e prepare-se para se assustar com a interpretação magistral de Alan Arkin como o cruel e doentio Roat. E sofra com os passos incertos de Audrey Hepburn como a frágil Susy, papel que lhe rendeu a quinta indicação ao Oscar em 1967
[4] O nome em português é deveras ridículo para ser citado: Sangue de Pantera; na França foi lançado como La Féline.
[5] Fato esta que parece se repetir em um trágico eterno retorno em várias escolas e universidades do mundo desenvolvido, e que mereceria ser analisada como fenômeno por nossos filósofos e sociólogos.
[6] O tema da loucura também é muito bem tratado no filme À Beira da Loucura - On The Edge (2006), filme irlandês que discute a questão psiquiátrica e o que é normal ou não. Com o ator Cillian Murphy, que depois atuará em Extermínio.
[7] Tema também abordado no ótimo filme Calafrios – do renomado diretor David Cronenberg, infelizmente esgotado no Brasil.
[8] Assim como A Passagem também trata.

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