terça-feira, 11 de março de 2008

Mercado Interno na Colônia x Clássicos

por Augusto Patrini


Há na historiografia uma grande polêmica sobre o mercado de abastecimento (ou mercado interno) no período colonial. Alguns autores – considerados clássicos – afirmam que o mercado interno estaria subordinado ao “caprichos” da atividade exportadora. Outros no entanto vêm esta economia de abastecimento como ente autônomo não dependente.
Autores como Celso Furtado, Caio Prado Jr, e F. Novaes são defensores da primeira hipótese. De acordo eles, o sentido do sistema colonial no Brasil era o mercado exterior. Toda a produção considerada significativa economicamente fosse ela de açúcar (cana), algodão ou fumo estava vinculada ao Mercado europeu e as políticas mercantilistas da metrópole e dava-se sob a forma da grande lavoura, monocultura e escravista (a atividade mineradora seria uma exceção). Caio Prado, por exemplo, afirma que a grande lavoura, a agricultura que produz para exportação e que é a única que dá perspectivas amplas de ganhos econômicos. . Para ele a colonização européia nos trópicos inaugurou essa forma de agricultura extensiva e em larga escala, que terá segundo vários autores importância econômica fundamental, durante séculos na área ao sul do equador.
Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil explica que a própria criação da colônia (Brasil) foi uma iniciativa vinculada a expansão mercantilista européia, que se viabiliza somente com a empresa agrícola. A forma adotada para tal empreendimento seria a típica forma colonial sob o mercantilismo, ou seja, o comercio metrópole – colônia, sob o dito exclusivismo comercial, que no caso português assume a forma diferencial “produtiva” (agricultura).

“Sendo uma grande plantação de produtos tropicais, a colônia estava integrada na economia européia, das quais dependia. Não constituiria, portanto, um sistema autônomo, sendo simples prolongamento de outros maiores” (Celso Furtado, p. 95)

Apesar disto, reconhece-se a existência do mercado interno. Nos referidos autores - este reconhecimento é limitado e subscrito às áreas consideradas periféricas e/ou interioranas. Com exceção da mineração, toda outra atividade de vulto econômico ocuparam as áreas litorâneas da colônia. As atividades de pecuária (nordeste, Rio Grande do Sul e em menor medida São Paulo) surgem em áreas periféricas onde não existem condições para a grande lavoura e, no entanto estão estritamente vinculadas à produção para o mercado externo. A pecuária não concorreria em nada com a grande lavoura, mas seria totalmente complementar a esta. Podemos mesmo afirmar que segundo os autores ela nasce das necessidades da população vinculada a grande produção agrícola.

Para Furtado, o crescimento mercantil e monetário da produção não vinculada ao mercado internacional dependia, em última instância, das flutuações econômicas do próprio mercado internacional. Para F. Novaes, as flutuações do mercado interno, como em Furtado, estariam submetidas aos sabores das conjunturas internacionais, e sua estreiteza redundaria no reforço frente ao capitalismo europeu.
Isso explica por que em períodos de expansão da agro-exportação, a pecuária e a produção autônoma de alimentos podiam ver sua renda monetária ampliada, já que os escravos das grandes plantações eram deslocados da produção de alimentos para a produção do produto de exportação. Esta redução da produção de mantimentos nas empresas agroexportadoras podaria, em alguns casos, causar carestias e conseqüentemente aumento da demanda e aumento dos preços. O processo contrário também se produzia, no momento de depressão do mercado exportador a produção interna também era reduzida. Portanto, os setores econômicos não exportadores dependiam também do mercado exportador e da flutuação dos preços internacionais.
A mesma complementaridade em relação a grande produção vai ocorrer com a agricultura de abastecimento interno, ou como prefere Caio Prado de subsistência:

“De um lado a grande lavoura, seja ela de açúcar, do algodão e de alguns outros gêneros de menos importância, que se dedicam todos ao comércio exterior. Doutro, a agricultura de “subsistência”, isto é, produtora de gêneros destinados à manutenção da população do país e do consumo interno.” (Prado Jr., p. 141)

Do mesmo autor também se destaca a afirmação que “A grande lavoura representa o nervo da agricultura colonial; a produção dos gêneros de consumo interno – a mandioca, o milho, o feijão, que são os principais – foi um apêndice dela, de expressão puramente subsidiária.” (Prado Jr., P. 141).
De acordo com Caio Prado as estruturas da agricultura de abastecimento interno serão muito diferentes da grande produção exportadora e poderão variar de uma região para outra. Variam, desde a “grande lavoura” até a “insignificante roça, chácara ou sitio” do pequeno produtor autônomo. Interessante observar como ele explica que a produção dos bens de abastecimento se da em áreas contíguas às cidades, por exemplo, ao Rio de Janeiro, ou à fazendas agroexportadoras.
A importância do setor, sobretudo como ocupação e fonte de renda para uma parcela substantiva da população, que apesar de poucas posses era livre, também se dá pela dependência do setor agroexportador e das cidades em relação a produção de abastecimento.
Celso Furtado chega a admitir que na medida em que a produção de abastecimento crescia em importância – principalmente no norte, sul e interior nordestino, reduzia-se a participação das exportações no produto da colônia.
Conforme destacou recentemente Marcio Pochmann em artigo Recente:

“Caio Prado Junior e Celso Furtado identificaram e valorizaram o papel desse tipo de economia (de subsistência) ao longo da história do Brasil. Com o período colonial, coube à agricultura de subsistência o exercício da função estratégica de acomodar estratos crescentes da população que excediam às necessidades do modelo econômico sustentado pelo latifúndio, pela monocultura e pelo escravismo. Não teve papel econômico pronunciado, mesmo que esse tipo de agricultura fosse quantitativamente expressiva e absorvesse um amplo segmento populacional, mais conhecido como agregado social.”(Marcio POCHMANN, P. 36, Carta Capital 29/12/2004)

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