domingo, 16 de março de 2008

Integração e Identidade Nacional






Uma questão atual

Por Augusto Patrini Menna Barreto Gomes




No final do século passado e no começo do século XXI observamos no mundo uma grande quantidade de conflitos relacionados à crise da identidade e integração dos Estados nacionais – que se evidenciaram em Guerras Civis na ex-Iugoslávia, na Tchetchênia, no Afeganistão, no Kosovo etc. O Brasil, porém, ao contrário de muitos outros países, preservou um forte sentimento de integração e identidade nacional. O país permanece unido, apesar das diferenças regionais e sociais.
Apesar disso, os brasileiros não deixam de enfrentar conflitos relacionados a questões de integração, identidade e soberania nacional – como, por exemplo, o são os conflitos pela terra, os protestos contra as negociações da ALCA e os recentes episódios envolvendo indígenas no Mato Grosso do Sul e na reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Conceitos como identidade, integração e soberania nacional, se tornam cada vez mais polêmicos na medida que o processo de globalização econômica se intensifica. A identidade nacional seria aquele sentimento de pertencimento, que nos leva a dizer “nós” para aqueles que nos são compatriotas e os “outros” para aqueles que nasceram em outros lugares. O conceito de identidade nacional é, porém, ainda bastante polêmico, sobretudo em países multinacionais como Brasil, EUA e Canadá, onde não se é possível estabelecer uma singularidade comum entre todos seus cidadãos. Muitos críticos da idéia de identidade e integração nacional ressaltam que não pode haver uma homogeneidade cultural (ou qualquer outra, seja religiosa, biológica ou social), pois existem sempre mudanças importantes promovidas por migrações, mudanças sociais e econômicas etc. Assim, o próprio ato de “distinguir” entre um povo e outro estaria baseado em uma forma de preconceito ou em estereótipos. Estas idéias afirmam que a identidade nacional em países multiculturais como o Brasil ou os EUA não pode ser baseada em noções étnicas, religiosas, ou raciais. Nesse caso, a identidade e a integração nacional somente poderiam estar baseadas em uma história comum ou em um sentimento de cidadania plena entre todos os seus habitantes.
Porém, para outros estudiosos, como Darcy Ribeiro, em seu livro “O Povo Brasileiro”, existe a noção de identidade nacional. Para ele a unidade brasileira nasceu da confluência (e miscigenação) de povos de cultura, religião e modelos de sociedade diferentes (negros, índios e brancos), formando assim uma nova etnia - a etnia brasileira: “Mais que uma simples etnia, porém o Brasil é uma etnia nacional, um povo-nação, assentado num território próprio e enquadrado dentro de um mesmo Estado (...) os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado-único”. Ele afirma ainda que no Brasil: “Essa unidade resultou de um processo continuado de violência de unificação política, logrado mediante um esforço deliberado de supressão e opressão de toda tendência virtualmente separatista.” Na verdade, Darcy Ribeiro afirma que a única “desunião” existente entre os brasileiros é o abismo social que separa ricos e remediados dos pobres e miseráveis.

Formação do Brasil e Integração Nacional

A integração do que hoje chamamos Brasil começou no século XVI, quando Portugal e Espanha iniciaram o ciclo das grandes navegações e, conseqüentemente, a conquista da América. Quando Portugal deu início a exploração das terras brasileiras, inicialmente restritas à porção leste da linha de Tordesilhas, nasceu o que viria a ser mais tarde chamado de Brasil. Antes da chegada dos europeus não havia entre os índios um sentimento de identidade e nacionalidade.
Somente com a chegada dos portugueses e com o início das atividades econômicas nos vários ciclos que se seguiram, como o do pau Brasil, o ciclo de mineração, da cana de açúcar, da borracha e do café, o Brasil pôde expandir seu território e elaborar entre sua população um sentimento de identidade nacional.
Com a chegada da corte portuguesa e de Don João VI ao Brasil, passamos a realizar comércio com outras nações (abertura dos portos), principalmente com a Inglaterra. Esta foi a primeira etapa para nos tornar um país politicamente independente, inicialmente como Reino, no Império, e logo, algumas décadas depois, como República. Neste processo histórico formou-se uma mistura de povos (indígenas, negros e brancos) que passaram a ter uma identidade nacional, baseada em grande parte em seu território e em sua história comum.
Como afirma o professor Rafael Villa, Doutor em Ciência Política pela USP, a integração nacional no Brasil nasce, então, quando: “(...) desde o século XIX as elites políticas e sociais brasileiras tiveram sucesso na tentativa de elaborar a idéia de nação acima das diferenças sociais e raciais, embora estas diferenças existam de maneira muito prolongada na sociedade brasileira. É muito mais importante a administração dos conflitos sociais e raciais, que eventualmente pudessem existir, os quais tiveram no Estado um colchão capaz de administrar e amortecer com eficácia as tensões no nível da sociedade civil”.
Ao longo destes quase 500 anos de história, essa identidade nascida da mistura de culturas de povos diferentes ajudou a formar o Brasil, uma nação multicultural e miscigenada. De acordo com Villa, a união entre culturas e povos tão diferentes foi possível porque “durante todo o século XX, foi muito difundida a idéia harmônica de que no Brasil se pratica uma“democracia racial”, a qual permitiu que os grupos sociais e raciais dominantes tivessem um forte instrumento ideológico que lhes permitiu administrar a questão da integração e da participação da população negra na sociedade brasileira” Além disso, ele ressalta que contribui também para essa integração nacional o fato de que a sociedade brasileira foi majoritariamente catequizada na religião cristã.
Desse modo, no começo do século XXI, os brasileiros possuem um sentimento de identidade que os integra em um só país e são unidos por este sentimento, pela língua (o português), pelo território de seu país e por uma história social e econômica comum, a qual colaborou para a formação de um único Estado Nacional ao mesmo tempo em que garante esta mesma identidade entre todos os seus habitantes.

Globalização e Integração Nacional


O processo histórico que criou o Brasil e definiu sua integração e identidade nacional, acabou, ironicamente, desembocando em nossa atual integração brasileira ao processo de Globalização. É justamente isso que afirma o livro “Globalização e Identidade Nacional”, lançado pela Editora Atlas, e coordenado por João Rodrigues Barroso, ao afirmar que "As relações entre Globalização e Identidade Nacional tornam-se interessantes neste momento, sobretudo diante da tese de que o Estado Nacional estaria supostamente perdendo terreno em sua capacidade de construir significados "nacionais" para apropriação por parte de seus cidadãos. Em outras palavras, de acordo com tal tese, o Estado Nacional estaria desaparecendo diante de uma nova ordem mundial". O livro afirma, no entanto, que a identidade nacional é importante na tendência atual de integração mundial e na formação de blocos econômicos (Mercosul, ALCA, NAFTA) e blocos multinacionais (União Européia e União Africana).
Entretanto, ao falar sobre integração nacional e globalização, o economista Celso Furtado, afirmou recentemente que “Os países marcados por acentuada heterogeneidade cultural e/ou econômica (como é o caso do Brasil)[1] serão submetidos a crescentes pressões desarticuladoras. A contrapartida da internacionalização avassaladora é o afrouxamento dos vínculos de solidariedade histórica que unem no quadro de certas nacionalidades populações marcadas por acentuadas disparidades de nível de vida”. O problema, segundo ele, seria que com o avanço da internacionalização das trocas econômicas, financeiras e tecnológicas, promovido pela globalização, os sistemas econômicos nacionais seriam enfraquecidos e, assim, a ação do Estado, mantenedora da unidade e identidade nacional, tenderia a limitar-se às áreas sociais e culturais. Furtado afirma também que somos um país em construção, e que por vivermos em um mundo dominado por transnacionais é muito importante preservarmos a identidade nacional para garantirmos a integridade nacional.

Ação do Estado Brasileiro

No Brasil o principal órgão responsável em promover a integração nacional é o Ministério da Integração Nacional (MI). Esse ministério é o encarregado de ações que fundamentais para a manutenção da unidade nacional como, por exemplo, a formulação e condução da política de desenvolvimento nacional integrada; a formulação dos planos e programas regionais de desenvolvimento; o estabelecimento de estratégias de integração das economias regionais; o estabelecimento das diretrizes e prioridades na aplicação dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia e do Fundo de Desenvolvimento do Nordeste; o acompanhamento e avaliação dos programas integrados de desenvolvimento nacional; a defesa civil; as obras contra as secas e de infra-estrutura hídrica; a formulação e condução da política nacional de irrigação; a ordenação territorial; e obras públicas em faixas de fronteiras. Estas atividades são em sua maioria atividades estruturais.
O Ministério da Integração Nacional (MI), foi criado em 28 de maio de 2003, da transformação da então Secretaria Especial de Políticas Regionais, mas tem suas origens no Alvará, de 28 de julho de 1736, assinado por D. João VI para criação da Secretaria de Estado dos Negócios Interiores do Reino, que, depois, no Império e na República, passou a denominar-se, respectivamente, Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Secretaria de Estado dos Negócios do Interior.
O Estado brasileiro também atua para integração e consolidação da identidade nacional por meio dos ministérios da Cultura, Educação, Justiça Social, Comunicação, Desenvolvimento Agrário e Justiça, além das secretarias especiais dos Direitos Humanos, de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Política para as Mulheres.


Qual o Tamanho da Integração Nacional?

Apesar do Brasil possuir uma forte unidade nacional e da ação ativa do Estado na promoção da integração nacional, existe ainda uma desunião entre os brasileiros. Como já dizia Darcy Ribeiro essa diferença ou desunião entre os brasileiros acontece principalmente entre as classes sociais. De acordo com o relatório "Desigualdade na América Latina e no Caribe: ruptura com a história?", do Banco Mundial (Bird), o nosso país é o mais desigual da América Latina. Aqui, a diferença entre ricos e pobres é uma das maiores do mundo. Segundo um relatório do WorldWatch Institute, a desigualdade entre ricos e pobres é a maior ameaça para a estabilidade social de nosso país. Neste relatório o Brasil é um destaque por sua desigualdade de renda das mais alarmantes: os 20% mais pobres da população recebem 2,2% da renda, enquanto os 20% mais ricos ficam com 64,1%. Infelizmente a desigualdade social parece não progredir com a mesma força que o desenvolvimento econômico brasileiro. Segundo o Atlas do Desenvolvimento Humano da ONU, a desigualdade de renda aumentou na década de 90 em dois terços dos municípios brasileiros. O índice que avalia a desigualdade de renda elevou-se de 0,53 para 0,56 entre 1991 e 2000.
O relatório "Estatísticas do Século 20", elaborado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), afirma que a desigualdade entre ricos e pobres, ainda é enorme no Brasil: os 10% mais ricos recebem o equivalente a 60 vezes a renda dos 10% mais pobres. O IBGE também divulgou em janeiro de 2004 que a renda média do trabalhador brasileiro caiu no ano passado, com uma perda de 12,5%, contra 11,7% do ano anterior.
Essa realidade acaba por criar um fosso que separa os brasileiros e dificulta a união nacional. De acordo com o Ministro do Planejamento, Guido Mantega, estima-se que de 70 a 90 milhões de pessoas no Brasil não tenham acesso à saúde, educação e ao consumo. Estas são diferenças que dificultam uma verdadeira integração entre os brasileiros, e que a longo prazo, podem ser fatores importantes de desestabilização social.
Mas como afirma o professor Rafael Villa, essa situação, chamada por ele de “tolerância social e racialmente tensa”, acaba permitindo que os “de abaixo” possam ter algumas brechas de mobilidade social ou política, tendo na eleição de um operário um dos maiores exemplos dessa tolerância tensa.”“.



Augusto Patrini
MTB 36458
[1] Nota do jornalista

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