domingo, 16 de março de 2008

Entrevista Rafael Villa










Para entendermos um pouco mais sobre Identidade e Integração Nacional, fui entrevistar o cientista político Rafael Villa. Ele é Doutor em Ciência Política e Relações Internacionais pela USP e Professor Doutor de Relações Internacionais do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP). É também autor do livro, "Da Crise do Realismo à Segurança Global Multidimensional", editado pela Annabluem e a Fapesp, 1999.







Augusto: No final do século passado e no começo do século XXI observamos no mundo uma grande quantidade de conflitos relacionados à crise da identidade e unidade dos Estados Nacionais – que se evidenciaram em guerras civis na ex-Iugoslávia, na Tchetchênia, no Afeganistão, no Kosovo etc. O Brasil, porém, ao contrário de muitos outros países, preserva um forte sentimento de integração e identidade nacional. Em sua opinião, a que se deve isso?

Dr. Rafael Villa: Podemos levantar quatro hipóteses para explicar essa característica da identidade nacional no Brasil. Em primeiro lugar, desde o século XIX as elites políticas e sociais brasileiras tiveram sucesso na tentativa de elaborar a idéia de nação acima das diferenças sociais e raciais, embora estas diferenças existam de maneira muito prolongada na sociedade brasileira. É muito mais importante a administração dos conflitos sociais e raciais, que eventualmente pudessem existir, tiveram no Estado um colchão capaz de administrar e amortecer com eficácia as tensões no nível da sociedade civil. Segundo, durante todo o século XX foi muito difundida a idéia harmônica de que no Brasil se pratica uma “democracia racial”, que permitiu que os grupos sociais e raciais dominantes tivessem um forte instrumento ideológico através do qual administrar a questão da integração e da participação da população negra na sociedade brasileira A idéia da “democracia racial” continua agindo como uma importante válvula de escape para as pressões raciais. Terceiro, a sociedade brasileira, foi majoritariamente catequizada na religião cristã. Essa maior homogeneidade religiosa difere de realidades como a Ex-Iugoslávia, onde as proporções de credos religiosos (ortodoxos, cristãos católicos e muçulmanos) eram mais distribuídas entre a população. E, por último, me parece que houve no Brasil um processo de internalização de princípios de tolerância de diferenças étnicas e religiosas quando comparados com alguns casos mencionados na sua pergunta. Claro que é uma tolerância social e racialmente tensa, mas que tem uma funcionalidade permitindo que os “de abaixo” possam ter algumas brechas de mobilidade social ou política, tendo na eleição de um operário um dos maiores exemplos dessa tolerância tensa.


Augusto: O que define a integração nacional de uma nação? Como surge o sentimento de identidade nacional?

Dr. Rafael Villa: A integração se dá pela própria idéia de pertencimento a uma nação. Mas certamente esse é um processo que acontece de maneira diferente em cada país, porque os símbolos que vão se elaborando para conjugar o sentimento de nacionalidade são diferentes em cada caso. No Brasil é muito importante o apelo para alguns elementos como a natureza. Isso marcante para quem escuta as primeiras partes da letra do hino nacional do país. E mesmo um centro moderno e cosmopolita como Rio de Janeiro, cartão postal do país, é vendido para o turismo internacional através da idéia do tropicalismo. Certamente que alguns elementos como idioma, etnia e culinária são importantes para definir a idéia de identidade nacional num país, mas no caso brasileiro isso é secundário frente aos motivos edênicos naturais. Isso diferencia muito ao Brasil de outros países como os Estados Unidos onde o ideal liberal de liberdade e de individualismo forma parte da identidade do país. Mas não acredito que uma comparação com outras nacionalidades seja um parâmetro para poder dizer que nossos elementos fundadores da nacionalidade sejam qualitativamente menos transcendentes que outros países. Na construção da identidade nacional os povos fazem suas escolhas históricas, e elas refletem uma certa adequação a contextos socioculturais, geográficos e políticos. Uma vez feito isso a idéia de nação e de identidade nacional emerge com tanta força que acompanha a todo indivíduo pelo resto de sua vida.



Augusto: No Brasil - um país multicultural - existem grandes diferenças regionais, como elas se relacionam ao sentimento de identidade e integração nacional?

Dr. Rafael Villa: As hipóteses que levantei na resposta a sua primeira pergunta constituem o fio que permite amarrar as diferenças entre as diferentes regiões do país. Sem isso não seria possível, só para dar um exemplo, criar uma idéia de nação entre, regiões de um desenvolvimento sócio-econômico tão desigual como o Norte e Sul. Mas nem sempre aqueles elementos enumerados acima (papel do Estado, idéia de democracia racial, homogeneidade religiosa) conseguem assegurar as tensões que derivam do relacionamento entre regiões. Mostra disso é a existência de certos movimentos como “o Sul é meu pais” em Rio Grande do Sul e o Paraná que se bem minoritários nas suas reivindicações separatistas expressam uma certa inadaptação à idéia de nação. Mas é possível assegurar que fora esses movimentos outsiders a idéia de nação é bastante sedimentada entre as novas gerações. Não se discute o ser brasileiro, isso parece um ponto pacífico. O que parece ser o ponto mais crítico é qual a região que contribui mais na construção da nação. Isso acirra um regionalismo concorrente até certo ponto positivo. Porém, nesse sentido a experiência brasileira não é tão diferente de outros países na América do Sul.


Augusto: Como a chamada globalização modificou o sentimento de identidade nacional e o poder de atuação do Estado Nacional na promoção da integração nacional?

Dr. Rafael Villa: O efeito da globalização sobre a identidade nacional é duplo: de um lado contribui para veicular através do mundo valores, estilos de vida e formas de consumo e idéias cosmopolitas e que tenderiam a diluir a idéia de uma identidade nacional e favor do surgimento de uma realidade transnacional cosmopolita que se assemelha no consumo de padrões de vida homogêneos em diferentes cantos do mundo. Com revolução nas telecomunicações, na telemática e na informática os impactos sobre a capacidade do Estado em regular e promover o que é o nacional e a identidade cultural tenderia a diminuir. Assim estaríamos entrando numa época de padronização planetária do american way of life. Tudo isso é parcialmente certo. Não se pode negar a influência da globalização nas culturas nacionais. Porém, a globalização também tem criado movimentos de resistência cultural em várias partes do mundo. E não se credite que isso é só parte de movimentos de países e grupos atrasados econômica e politicamente. A própria Europa Ocidental assiste a movimentos por parte de seus estados nacionais para defender elementos de sua cultura nacional, tais como os esforços defensivos de sucessivos governos na Alemanha para defender seu idioma nacional ente a investida do idioma inglês (o idioma da globalização). Acredito que antes que uma diluição das culturas e identidades nacionais tenderá a haver no futuro uma adequação e rearticulação dos progressos e conteúdos da globalização pelas culturas nacionais.



Augusto: A integração nacional relaciona-se a integração do Brasil com a América Latina?

Dr. Rafael Villa: Esse é um ponto falho nos movimentos de integração do Brasil em relação ao resto dos países da América Latina. É necessário diferenciar os avanços em dois níveis de integração: no nível governamental e comercial tem havido certamente avanços, e o Mercosul é o principal exemplo disso. Porém, no nível da sociedade civil as tentavas de integração é ainda um processo pouco amadurecido. No entanto, é certo que setores sociais da classe média, sobretudo, conhecem mais hoje a outros países da região. Nisso contribui bastante um certo incremento do turismo para os países vizinhos como Argentina, Bolívia, Chile, Peru e a Venezuela. Mas tecnicamente isso não é integração. Agora a integração com outros países da América Latina não pode significar diluição da cultura e da identidade nacional em favor de um projeto de identidade regional. Mas deveria significar um maior conhecimento das culturas entre países, que permita ir descobrindo afinidades e pontos comuns aos diferentes povos da região latino-americana. Mas esse não é um projeto de curto prazo. Porém, um projeto de integração precisaria construir no longo prazo a idéia de América Latina como um dos níveis de identidade e de lealdade do cidadão da região. Mas isso precisa também de instituições comprometidas com esse processo tais como a escola, a universidade e os meios de comunicação.



Augusto: No século XXI os movimentos sociais são agentes no processo de integração nacional?

Dr. Rafael Villa: Acredito que os movimentos sociais são importantes instrumentos de promoção da cidadania. Porém, vejo mais seus programas voltados não tanto para as tentativas de integração nacional, como de integração regional ou mesmo planetário. Por natureza muito destes movimentos sociais assim como um grande número de ONGs compartilham de valores e visões mais universalistas e menos locais. Observa-se, por exemplo, os movimentos e ONGs que participam do Forum Social Mundial, que recém acaba de finalizar na Índia. Seus valores são mais cosmopolitas e menos voltados para a integração social. São importantes na defesa num território de valores de cidadania, de direitos humanos, de acesso à terra, entre outros objetivos. Porém, o trabalho de integração nacional ainda continua muito monopolizada pelo Estado. Mas também existe pouca vontade dos movimentos sociais, por princípios e por natureza, de se engajar em causas mais nacionais como a integração. Esse continua a ser um território quase exclusivo do Estado.


Augusto: O nacionalismo é um problema relevante no século XXI?

Dr. Rafael Villa: Depende de qual é o nacionalismo ao que nos estejamos referindo. Se se trata do nacionalismo étnico ou religioso, como aquele que tristemente foi e continua sendo praticado em algumas regiões de Europa Central, África, Oriente Meio e África, certamente continuará a ser um problema relevante no século XXI. Esse é um tipo de nacionalismo pernicioso na medida em que, primeiro, fomenta os ódios e xenofobias entre povos de um mesmo e de diferentes territórios; segundo, o critério de inclusão social, político ou cultural nesse tipo de nacionalismo passa pelo pertencimento ao grupo, ao clã ou à etnia. Portanto, os cidadãos são definidos com base num parâmetro étnico ou religioso, excluindo a parte da população. Esse tipo de nacionalismo continuará a existir e continuará fazendo muito dano no mundo do século XXI. Os meios para seu combate são a erradicação da pobreza e a difusão e a internalização nas sociedades da idéia de tolerância e alteridade social, étnica e religiosa. Porém, existe um tipo de nacionalismo, que é o nacionalismo cívico onde os critérios para a inclusão social ou para o usufruto da cidadania não se baseia em códigos étnicos ou religiosos, mas em normas e procedimentos estabelecidos na lei e na igualdade de direitos e na meritocrâcia . È o tipo de nacionalismo praticado na sociedade dos Estados Unidos, na Europa Ocidental . E aqui faríamos muito bem em não confundir as conquistas e legados da democracia americana com os excessos cometidos pela atual administração que governa o país. Infelizmente este tipo de nacionalismo (cívico), que é inclusivo e não excludente, continuará a ser minoritário no século XXI. Mas sublinho que é o primeiro tipo de nacionalismo que continuará a gerar problemas por muito tempo no século em que vivemos.



Entrevista:
Augusto Patrini Menna Barreto Gomes
MTB 36458SP

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