segunda-feira, 14 de julho de 2008

ADEUS

Carta de despedida.
Tá, tudo bem eu exagero, vocês sabem, entretanto, também sabem que as coisas nem sempre se passam como gostaríamos, nem eu nem vocês podemos saber o que vai acontecer então. Mas é por isso, por que já não posso prever, e recomendar bom senso eu vou. Por que alguém matou algo em mim. Por que ainda escrevo e vejo vingança e astúcia. Por que vejo em meus olhos um brilho estranho, e cheio de ventos e fúrias – mas sei que não sou assim, vim do lado do mundo que não procura glória, nem douros e acúmulos, faço parte daqueles que buscam além – dos lírios, das rosas e das estrelas. Em meu caminho em nosso caminho. E é por isso, que fujo deste mar de lama dura e suja, por que me debruço sobre o mundo e vejo, que além de tudo isso, que parece tão real, existe muito mais, e que o real não é tão real assim, e então. Tenho pena, pena dos que vivem dormindo, dos que Albert Caracos chamava em seus escritos de vivos suicidados. Afinal vocês sabem, no fim todos estaremos mortos e isso é o menos importante e sério de tudo isso, por que todo acúmulo e todo sólido vai se desmanchar, e seremos então apenas caveirinhas patéticas na terra ou pó queimado em uma caixa. Então por que vocês, e as pessoas fingem que não sabem disso, que tudo o que fazem pode superar esta verdade. Vocês sabem, talvez o nada, a fúria e as lágrimas podem libertar, como um sentimento de pré-morte, quando dói demais o coração, e percebemos que tudo é Outro. Que o mundo é outro e que somos outros. E que o tempo, cada, segundo, minuto, cada hora, são todos portadores da mesma vida – e que todos os momentos têm o valor igual, e que não vale a pena esperar, e que tudo não vai melhorar – e que o mundo é como é – e que não adianta mentir, mentir e mentir. Olhar de frente para a vida requer, sabem, um pouco de coragem, e que as utopias não vivas, e sem nomes, é preciso encarar esta distopia em que vivemos e esses que somos. Vão, falem o que pensam, sejam o que são.
Mas quero dizer muitas coisas; além das palavras que me cabem na boca, ou que se constroem nos textos: o que quero, e o que penso não é mau. Mas, está muito além do que pode ser ditos, da ternura infinita que sentia e ainda sinto. Necessito dizer-lhes que ainda mesmo longe, ainda amo-os, e todo me faz falta. Na boca o caminho da trilha, do meu mundo que trilho para dentro e para fora, sem entender muito o que vem de fora, mesmo que tudo me toque, e que em um toque eu possa quebra-me e dilacerar-me em mim pedaços. Não sou melhor sabe, sou o que sou, humilde o suficiente, para admitir que preciso de ajuda, de afago e de amor, mesmo que eu pareça tão centrado e duro, não estou pronto para viver a vida deste mundo assim como todos.
Esta trilha que tenho caminhado, sabem, é cheio de pedras e musgos verdes, e gosmas plásticas confundem-me a visão do mundo que é. E se sei da existência de todas essas flores, roxas, azuis e amarelas, caminho, querendo-as todas, em meu colo, em meus olhos, por que no fundo sou um esteta. Acho que o toque das cores, e seus amores, no fundo salvarão a humanidade. Ainda sou um niilista, por que acho e penso que há algo muito mais além do que esse mundo e que outra história é possível; e que as coisas podem mudar, e que a vida pode de novo florescer. Está bem, verdade, sou um louco, quase visionário, quero profetizar algo de bom, além de toda essa nossa dor, de todo esse cinza, esse calor, e essa falta de ar. Mesmo negando sempre, e martelando ícones ainda vejo e quero alguma verdade, é por isso que odeio tanto a mentira, as máscaras, e os atores. Odeio-os tanto, que gostaria poder em um ato de inclemência e fúria destruir-lhes todas as mentiras.
Mas quem sou eu para isso? Não consigo nem mesmo mirar-me para além de mim, monstro de subjetividade e loucura. Quero sim, êxtase, amor, violentas sensações.... Pois que no fundo sou apenas um espantalho, cheio de palha e olhos de cor. Vivo parado, olhando para um campo de flores, e para dentro de mim, sem entender, por que eu sei, vocês também sabem que tudo isso – o não saber – é muito mais vasto. Não tenho medo de amar, não tenho medo mais de ser e de odiar, não tenho mais medo de arriscar – abrir mão do conforto, das comodidades e da segurança, isso, por uma liberdade tonta, que me fará doce e vivo como sempre fui. Eu temo, tremo, penso em desistir, de admitir que tenho me aterrorizado com isso e com o mundo. Pois que tenho certeza de algo, não permitirei que ninguém nem vocês que tanto amo, me tire a doçura de leite dos olhos e dos meus gestos. Isso não tem nada a ver com minha capacidade de odiar – pois quem não odeia – não é deste mundo, cheio de crápulas de vazios, e para os odiados eu reservo, a mais fulminante chama do inferno, as labaredas frias da solidão interna, da dor e da fúria da terra. Meu magma solar para meus ódios, que os transforme em estátuas de cal, em estátuas de sal. Não tenho medo de admitir meu lado de sombras, por que se delas arranco minhas chamas e meus fogos, por outro brilho. Sou mais do que um, sou uma legião de sombras e sois. Brilhando fulgurante e forte no vento, ou em sombras, envolvendo as coisas que merecem ser assim queimadas e transformadas em cinzas, em carvão, em terra. Se assim as coisas são por que eu também não seria? O problema consiste em justamente em ser somente Apolo ou Dionísio – eu pois, sei, que agora, sou dois, os dois, duas mil labaredas de fogo e gelo.
Mesmo que dentro de mim morem tantos musgos, tantos fungos, eu sei que ainda trilhando-me por dentro vou encontrar o caminho para enfim comunicar-me com vós. Pois que tenho que me fazer homem, por que também sou pele, poros e odores, e preciso amar-vos, de graça, com força, segurança e grande perseverança. Pois que no meu horizonte não moram mais apenas um, mas muitos, uma legião de flores e de fogos. É preciso afirmar, mais uma vez, por que talvez vocês nem entendam nem saibam direito, que os amo – forte e serenamente, para além do que esse mundo é e para o que vocês são. Digo-lhes que não de deixar de ir-me, pois que decidi, algo que não sei mesmo o que mais que de vastidão em faço intenso e rico, mesmo que de terra, metais e moedas eu não seja muito mais do que um mal vestido.

Pois bem, hoje, tenho enfim que dizer-lhes que amos, e que não me abandonem, nem me esqueçam, vocês, aqueles que sabem que são parte inteira de mim. E mesmo hoje, acreditem, preciso de vocês, não quero me sentir sozinho aqui, dentro de mim, e é por isso, que as vezes, de noite, quando todos vocês dormem – cheios de paz e sonhos bons, eu caminho pela casa insone, perambulando e chocando-me no escuro nos móveis: sempre profundamente horrorizado, com este mundo, com o que descobri, e com medo de perde-me em minha própria liberdade. Por que se somos servos o somos por que no fundo desejamos nossa submissão: não enganem-se, não é o senhor que deseja sua opressão, são os que se submetem aqueles que passivamente entregam-se, languidamente, sem revolta nem sonho de ser livre. Por que no fundo, não há nada mais terrivelmente assustador do que ser livre.
Não esqueçam: amo-os. Creiam em mim. E esse amor-doi-me, mas mesmo assim entrego-me por que assim sei que estamos todos vivos, e que estamos todos vivos. Não é?

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